São Paulo, domingo, 20 de setembro de 1998

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ADULTESCÊNCIA

Paradoxo do consumo

ALVARO MACHADO
especial para a Folha

O mundo da moda e do estilo em São Paulo já detectou a adultescência como um fenômeno cada vez mais frequente. Estilistas e donos de confecção têm suas produções atravessadas pelo dilema de que as roupas devam ter um ar jovem, mas também trabalham com o dado de que grande parte de seus consumidores se encontra não entre os adolescentes, mas entre os adultescentes.
Tufi Duek, proprietário da Forum e Triton, duas das mais famosas marcas de roupas para jovens, surpreendeu-se recentemente com uma pesquisa que encomendou, a partir da qual concluiu que metade dos compradores da Forum é composta de "gente madura buscando se apresentar de modo jovem".
"Tomei um choque com a participação do consumidor de mais de 30 anos", diz o estilista e empresário. "De janeiro de 98 até agora, 42% do nosso público masculino e 40% do feminino estiveram acima de 30 anos, considerando ainda que 8% do total preferiu não declarar idade", relata Duek.
Para o empresário, os jovens compram as peças básicas e os mais velhos, "com nível econômico e de informação mais alto", as mais elaboradas. Em contrapartida -outro fato que considera "impactante"- existe a procura do padrão "clássico" pelos jovens: "Apenas 6% dizem se interessar por moda, isto é, algo mais arrojado. O resto quer só se sentir bem". Duek atribui o consumo adultescente à "natureza do brasileiro, que procura cultivar o corpo e alimenta cultura de praia".
O estilista paulista Alexandre Herchcovitch, destaque da cena brasileira da moda desde 93, chegou ao extremo de desenvolver peças que combinam explicitamente os conceitos "jovem" e "maduro". Um desses produtos é o tênis-sapato -partes de cima de mocassins e sapatos convencionais montados sobre solados de tênis de borracha. "Agora quem vestia tênis só para o parque no fim-de-semana pode ir também ao trabalho com conforto", diz. Distribuído em cadeia tradicional de 106 lojas no Brasil, o "tênis-sapato" vendeu 5.000 pares em cerca de seis meses.
"O boom do tênis era coisa do mundo adolescente que agora chega ao adulto. Do mesmo jeito, em minhas coleções misturo alfaiataria clássica com moda de rua." Para Herchcovitch, o jovem tem poder econômico para adquirir apenas camisetas: "Os maiores compradores têm entre 30 e 45 anos, ou mais. É gente que quer uma aparência informada: profissionais liberais, artistas etc. Há muito que o meu público não é apenas o dos clubbers e jovens".
A consultora de moda e estilo Gloria Kalil, autora dos best sellers "Chic" e "Chic Homem" (ed. Senac), localiza o início do processo de adoção de valores jovens pelo mundo adulto na década de 1960, "quando houve a quebra do fluxo na informação de moda e toda a pirâmide tremeu".
Segundo ela, a princípio o topo da pirâmide era a alta-costura, no meio estava o "prêt-à-porter", e a ampla base era representada pela rua. "Paris decretava uma moda absolutamente clássica, cujos elementos mais evidentes eram copiados algum tempo depois pelo "prêt-à-porter'; e a rua não tinha a menor importância, pois usava roupa, e não moda."
"Nos anos 60 -com a contracultura, a cultura do espetáculo, os astros pop e a instituição das top models-, inventou-se o jovem", diz Kalil. "A base passou a enviar informação ao topo, até que, nos 90, a pirâmide se inverteu. A alta costura passou a agregar o "street wear', a informação vinda das ruas e dos jovens, que se estratificam mais a cada dia, com as "tribos' -punks, esportistas radicais, clubbers, plugados em computador..."
Para Kalil, "desde que os anos 60 passaram a fazer do jovem a categoria mais desejada do mundo, a moda passou a ser jovem". A moda jovem é exibida nos desfiles anuais por modelos também cada vez mais novas. Estrelas da passarela se profissionalizam hoje antes dos 14 anos, e nas capas das revistas de moda, mais compradas por mulheres acima dos 30, as modelos têm, no máximo, 20 anos.
Liliana Gomes, responsável pelo departamento New Faces, da agência de modelos Elite, acha que "as meninas passaram a amadurecer mais cedo do que há dez anos e podem se lançar sozinhas". Segundo ela, "cirurgia plástica, malhação, medicina ortomolecular e Viagra" aproximam as idades. "Ninguém quer saber do passado; o sistema isola os velhos; e a beleza dos anos 90 é adolescente e andrógina."
Se na moda o fenômeno adultescente é constatável, na cultura da noite o público ainda é basicamente adolescente, "ao menos no Brasil", afirma Angelo Leuzzi, criador dos clubes Base e Lov.e, entre outros. Segundo ele, ao contrário de Ibiza e outros centros internacionais -onde há raves com música tecno especialmente concebidas para a reunião de público adultescente-, "o brasileiro envelhece rápido, se casa, esconde a mulher e se fecha para novas experiências, o que é pena". O público de Leuzzi é em cerca de 80% constituído de jovens com idade média de 25 anos. Mas o próprio empresário, que anda pela casa dos 40, é exemplo vivo da adultescência na noite. Ao menos uma vez por semana, ele assume o avatar "Angel Dust", o DJ, e discoteca ritmos modernos como drum'm' bass e trance para pistas lotadas.
Já o marchand Ricardo Trevisan, que há dez anos abriu a Casa Triângulo, em São Paulo, como "galeria de arte jovem" e elenco com idades em torno de 20 anos, rejeita atualmente o rótulo "jovem" e prefere "emergente". Mas os artistas que ocupam suas paredes -alguns adotados por experientes curadores de museus internacionais- continuam oferecendo atitudes "radicais". Suas criações vão para o panteão de colecionadores maduros, pois, segundo Trevisan, "o jovem não tem tanto poder econômico".
A adoção maciça da cultura jovem pelos produtores de artes e espetáculos também é detectada pelo coreógrafo e estudioso de padrões corporais Ivaldo Bertazzo. Segundo ele, o fenômeno da adultescência "é bastante palpável, originado talvez pelas mídias massificadoras de informação, como a televisão e a publicidade, que erigiram no jovem um modelo único de homem".
De acordo com ele, "antes, o público acompanhava com carinho e emoção toda a trajetória das grandes atrizes, como Bette Davis. Hoje, Jessica Lange e outras passam logo a um circuito cult, quando muito".



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