São Paulo, domingo, 21 de janeiro de 2007

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Historiador recomenda cautela ao Brasil

Nossa diplomacia deveria esclarecer que não somos parte da ala populista do continente

CLODOALDO BUENO
ESPECIAL PARA A FOLHA

A nova vaga de populismo na América do Sul, com reflexos na sua geopolítica, deveria impor aos responsáveis pela nossa política externa uma revisão nos conceitos que têm norteado as relações com as nações do nosso entorno geográfico. Está na hora de pôr fim à fase romântica e começar a agir com pragmatismo. Não é preciso muito esforço para concluir que uma das principais tarefas da nossa diplomacia hoje deveria ser esclarecer, por meio de atitudes para o mundo, que o Brasil não faz parte daquele segmento da América Latina que oferece o triste espetáculo proporcionado por líderes populistas do velho estilo, apesar da retórica um pouco menos velha, mas suficiente para afastar investidores e nos envergonhar como latino-americanos que somos.
Aliás, a retórica não é levada a sério por aqueles que querem se perpetuar no poder. Porfírio Díaz, "reeleito" sete vezes no México, via-se como liberal. A mudança exigida não é só de rumos mas, sobretudo, no estilo da nossa diplomacia para o hemisfério. Assim, é preciso abandonar preferências internacionais decorrentes de simpatias ideológicas e desejo de liderança, fatores que levam o governo a "alfinetar" (diria Rio Branco) os Estados Unidos (com os quais o Brasil tem longa tradição de cooperação internacional, além do comércio secularmente superavitário) e fazer concessões aos vizinhos, sobretudo à Argentina, invertendo-se posições, pois é a esta que cabe fazer-nos concessões aduaneiras. Liderança não se alardeia. A história das nossas relações hemisféricas tem demonstrado que tal alarde mais afasta do que atrai as nações de menor expressão na área. Além disso, para liderar é preciso que se tenha um projeto internacional que envolva as nações sob sua influência, pois seguir um líder significa compartilhar, de uma forma ou de outra, de seu futuro. Ao querer liderar, mas vendo o que gostaria que fosse e não o que é, e ao não distinguir o transitório do permanente, o governo brasileiro mais confundiu e confundiu-se na América Latina. A aproximação do Brasil a esta ao longo da história sempre apoiou-se em retórica elevada, mas praticada com reservas a fim de se manterem as mãos livres.
Adotar uma atitude reservada é o mais recomendável nesse cenário estranho da área, que hoje apresenta grau de imprevisibilidade suficiente para impor aos nossos dirigentes cautela para que não se aprisionem nos próprios discursos e tolham, por açodamento, seus futuros movimentos. As conseqüências já começaram a aparecer. Por afinidade ideológica, prestigiou-se Hugo Chávez, sem os devidos cuidados. Agora, no mínimo, vamos ter que suportá-lo.
Se o governo brasileiro tivesse observado com realismo a situação interna da Bolívia e atuado sem simpatias ideológicas, teria evitado dar apoio ao anacrônico populista Evo Morales e estaria, assim, mais à vontade para resolver as questões criadas contra a estatal brasileira [Petrobras, no caso do reajuste do preço do gás fornecido pela Bolívia após o decreto de nacionalização dos hidrocarbonetos pelo governo boliviano, em maio de 2006].


CLODOALDO BUENO é professor titular da Unesp, campus de Assis, co-autor de "História da Política Exterior do Brasil" (ed. UnB).


Texto Anterior: Qual américa
Próximo Texto: O cientista e o filósofo
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.