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Historiador recomenda cautela ao Brasil
Nossa diplomacia deveria esclarecer que não somos parte da ala populista do continente
CLODOALDO BUENO
ESPECIAL PARA A FOLHA
A
nova vaga de populismo na América
do Sul, com reflexos
na sua geopolítica,
deveria impor aos
responsáveis pela nossa política externa uma revisão nos
conceitos que têm norteado as
relações com as nações do nosso entorno geográfico. Está na
hora de pôr fim à fase romântica e começar a agir com pragmatismo. Não é preciso muito
esforço para concluir que uma
das principais tarefas da nossa
diplomacia hoje deveria ser esclarecer, por meio de atitudes
para o mundo, que o Brasil não
faz parte daquele segmento da
América Latina que oferece o
triste espetáculo proporcionado por líderes populistas do velho estilo, apesar da retórica
um pouco menos velha, mas
suficiente para afastar investidores e nos envergonhar como
latino-americanos que somos.
Aliás, a retórica não é levada
a sério por aqueles que querem
se perpetuar no poder. Porfírio
Díaz, "reeleito" sete vezes no
México, via-se como liberal.
A mudança exigida não é só
de rumos mas, sobretudo, no
estilo da nossa diplomacia para
o hemisfério. Assim, é preciso
abandonar preferências internacionais decorrentes de simpatias ideológicas e desejo de
liderança, fatores que levam o
governo a "alfinetar" (diria Rio
Branco) os Estados Unidos
(com os quais o Brasil tem longa tradição de cooperação internacional, além do comércio
secularmente superavitário) e
fazer concessões aos vizinhos,
sobretudo à Argentina, invertendo-se posições, pois é a esta
que cabe fazer-nos concessões
aduaneiras.
Liderança não se alardeia. A
história das nossas relações hemisféricas tem demonstrado
que tal alarde mais afasta do
que atrai as nações de menor
expressão na área. Além disso,
para liderar é preciso que se tenha um projeto internacional
que envolva as nações sob sua
influência, pois seguir um líder
significa compartilhar, de uma
forma ou de outra, de seu futuro. Ao querer liderar, mas vendo o que gostaria que fosse e
não o que é, e ao não distinguir
o transitório do permanente, o
governo brasileiro mais confundiu e confundiu-se na América Latina. A aproximação do
Brasil a esta ao longo da história sempre apoiou-se em retórica elevada, mas praticada
com reservas a fim de se manterem as mãos livres.
Adotar uma atitude reservada é o mais recomendável nesse cenário estranho da área,
que hoje apresenta grau de imprevisibilidade suficiente para
impor aos nossos dirigentes
cautela para que não se aprisionem nos próprios discursos e
tolham, por açodamento, seus
futuros movimentos.
As conseqüências já começaram a aparecer. Por afinidade
ideológica, prestigiou-se Hugo
Chávez, sem os devidos cuidados. Agora, no mínimo, vamos
ter que suportá-lo.
Se o governo brasileiro tivesse observado com realismo a situação interna da Bolívia e
atuado sem simpatias ideológicas, teria evitado dar apoio ao
anacrônico populista Evo Morales e estaria, assim, mais à
vontade para resolver as questões criadas contra a estatal
brasileira [Petrobras, no caso
do reajuste do preço do gás fornecido pela Bolívia após o decreto de nacionalização dos hidrocarbonetos pelo governo
boliviano, em maio de 2006].
CLODOALDO BUENO é professor titular da
Unesp, campus de Assis, co-autor de "História
da Política Exterior do Brasil" (ed. UnB).
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