São Paulo, domingo, 21 de março de 2004 |
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O país flutuante
ONDAS SUCESSIVAS DE DESVALORIZAÇÃO CAMBIAL
E UM REGIME APERTADO TORNARAM A ECONOMIA REFÉM
DE SUPERÁVITS PRIMÁRIOS E FORÇARAM
O ENCOLHIMENTO BRUTAL DO GASTO PÚBLICO
Depois da desvalorização de janeiro de 1999, a teoria convencional jurava que o câmbio flutuante daria maior autonomia às políticas monetária e fiscal. Na prática os resultados foram outros. Em países de moeda inconversível, com elevado endividamento externo -e obrigados a reduzir de forma significativa o déficit em conta corrente-, o câmbio flutuante não elimina o risco cambial e o Banco Central está sempre obrigado a intervir para "sujar" as flutuações. Por sua vez, a relação dívida/PIB -adotada como meta junto do Fundo Monetário Internacional- varia com as taxas de juros e de câmbio. As intermináveis "ondas" de desvalorização cambial e um regime apertado de metas de inflação se conjugam de forma perversa para impedir a redução da dívida: com juros altos, crescimento baixo e elevada necessidade de financiamento externo, o FMI exige os superávits primários crescentes, o que determina o encolhimento relativo, quando não absoluto, do gasto público. Por outro lado, a perda do controle nacional sobre as empresas e os bancos desarticulou os mecanismos de coordenação estratégica da economia brasileira. O setor produtivo estatal -num país periférico e de industrialização tardia- funcionava como um provedor de externalidades positivas para o setor privado: 1) o investimento público (sobretudo nas áreas de energia e transportes) corria na frente da demanda corrente; 2) as empresas do governo ofereciam insumos generalizados em condições e preços adequados; 3) os bancos públicos lideravam a expansão do crédito, logo acompanhados pelos bancos privados. Um crescimento sustentado que permita mudar os padrões de produção e distribuição de renda implicará a necessidade de definir novas formas de coordenação pública e privada que minimizem as restrições externas. A situação social só será modificada se ocorrer uma reorientação das prioridades do investimento e do gasto público. Para enfrentar a sério a questão social, o novo padrão de intervenção do Estado deve tomar em conta algumas questões centrais: diante das tendências atuais do capitalismo de forte concentração social e espacial de renda e riqueza, só a ação do Estado pode viabilizar as atividades e setores que teriam sua existência bloqueada pela operação pura e simples dos mecanismos e sinais de mercado, particularmente numa economia em que existe um elevado desemprego, mesmo da mão-de-obra mais qualificada. As políticas do Estado devem reconhecer o papel estabilizador, em termos socioeconômicos, das pequenas e médias empresas, promovendo o seu desenvolvimento mediante a adoção de políticas permanentes de crédito, fiscais e tecnológicas. Além disso, é necessário apoiar as organizações sociais para a formação de uma economia solidária de auto-organização dos trabalhadores, sobretudo os que se tornaram e se tornarão redundantes para a economia capitalista contemporânea. A experiência asiática, mesmo a mais recente, mostra que a intervenção estatal é decisiva para induzir as empresas dos setores mais dinâmicos e de alta tecnologia -em particular os liderados por empresas multinacionais- a realizar investimentos que busquem um maior equilíbrio nos seus balanços setoriais de divisas, de modo a não pressionar o balanço de pagamentos e evitar a reiteração da restrição externa ao crescimento. Maria da Conceição Tavares é economista, professora emérita da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), professora associada da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e ex-deputada federal (PT-RJ). Luiz Gonzaga Belluzzo é professor titular de economia da Unicamp. Foi chefe da Secretaria Especial de Assuntos Econômicos do Ministério da Fazenda (governo Sarney) e secretário de Ciência e Tecnologia do Estado de São Paulo (governo Orestes Quércia). Texto Anterior: Transição inacabada Próximo Texto: O caminho das índias Índice |
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