São Paulo, domingo, 21 de março de 2004

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O caminho das índias

BRASIL DEVE SE ESPELHAR NO PAÍS ASIÁTICO E ABANDONAR CARTILHA DO CONSENSO DE WASHINGTON, REDUZINDO AS TAXAS DE JUROS E CONTROLANDO O FLUXO DE CAPITAIS

Luiz Carlos Mendonça de Barros

O crescimento brasileiro nos últimos 20 anos tem sido de uma mediocridade assustadora. Para entendermos por que isso acontece é preciso separar esse período de tempo em três momentos distintos. Entre 1985 e 1989, o país estava mergulhado nas trevas da inflação e do descontrole fiscal e monetário, e o governo Sarney buscava uma receita mágica para fazer o país crescer a qualquer custo. Foi o tempo dos planos econômicos heterodoxos e da mudança de moedas. Crescer nessas condições era impossível. Com Collor, pela primeira vez, tentamos enfrentar as ineficiências de uma economia fechada que havíamos herdado do regime militar. A crise política que levou o presidente a renunciar não permitiu que essa tentativa de administrar nossos problemas econômicos -seguindo o receituário ortodoxo liderado pelo ex-ministro da Fazenda Marcílio Marques Moreira- pudesse mostrar sua eficácia. Em 1994, com a nomeação do então senador Fernando Henrique Cardoso para o Ministério da Fazenda do governo Itamar, teve início uma nova tentativa de estabilização monetária. Aprofundou-se nossa abertura ao comércio internacional, liberalizaram-se os movimentos de capitais financeiros para o país e uma nova cultura de responsabilidade fiscal começou a ser construída. O sucesso dessa nova tentativa foi retumbante, e conseguimos, finalmente, sair da armadilha da inflação em que havíamos caído em 1980.

Dois caminhos
Em 1996, com o real consolidado, o presidente Fernando Henrique Cardoso foi chamado a decidir entre dois caminhos que seus principais assessores apresentavam para a retomada do crescimento econômico. De um lado, liderados pelo então ministro da Fazenda, Pedro Malan, os que defendiam a política econômica conhecida à época como Consenso de Washington. Era o caminho seguido pelo México depois da crise de 1995, que previa uma abertura ampla e rápida do mercado interno ao comércio internacional e aos fluxos financeiros internacionais, cabendo ao governo a missão de gerenciar as políticas fiscal e monetária e desregulamentar a economia. Do outro, os que indicavam uma abertura comercial e financeira cuidadosa e progressiva, além de manter um papel importante de coordenador de ações econômicas por parte do Estado. A parceria governo/setor privado, tendo em vista objetivos de longo prazo de aumento do comércio internacional e do aumento da produtividade do sistema econômico, era o principal instrumento para se atingir o crescimento. Era o caminho que a Coréia do Sul e outros países asiáticos vinham trilhando.


Não conseguiremos sair da armadilha que a decisão tomada por Fernando Henrique em 1996 nos conduziu se não mudarmos a política econômica atual


Talvez a diferença mais representativa entre essas duas opções seja o que se chama de regime cambial. No Consenso de Washington o câmbio deveria ser livremente fixado pelos mercados e, portanto, fortemente influenciado pela movimentação de capitais financeiros e da política de taxas de juros internas. No segundo caminho, o governo procuraria limitar a influência dos capitais financeiros de curto prazo na formação da taxa de câmbio, favorecendo com isso as exportações. Todos sabemos hoje que o presidente Fernando Henrique optou pelo caminho mais ortodoxo. Os resultados dessa decisão foram: a falta de crescimento, o aumento extraordinário da dívida pública e a queda constante da renda real do brasileiro durante seus últimos seis anos de governo. O presidente pagou por isso e Lula foi eleito por prometer emprego e crescimento. Portanto foi com enorme surpresa que assistimos a Lula se transformar, de crítico sistemático, em ardoroso defensor dessa política no início de seu governo. Mesmo agora, quando os resultados do ano de 2003 mostram uma queda nominal de nosso PIB, o governo reafirma seu apoio a esse caminho que tanto atacou durante seus tempos de oposição. Acena-se, como fez no passado o ex-ministro Malan, com a volta do crescimento nos próximos anos. Mas já vimos esse filme à exaustão! Não conseguiremos sair da armadilha a que a decisão tomada por Fernando Henrique em 1996 nos conduziu se não mudarmos a política econômica atual. O crescimento de vários países da Ásia nesse mesmo período nos mostra, com atraso, o caminho a seguir. Abandonar as idéias simplistas do Consenso de Washington -hoje repudiadas por seus próprios criadores- e olhar para países como a Índia. E o que nos ensina o exemplo indiano? Primeiro, que o equilíbrio fiscal é condição necessária, mas não suficiente, para atingir o nirvana do crescimento econômico. Não podemos ter no chamado superávit primário do setor público uma espécie de mito divino para chegar ao crescimento. Em segundo lugar, que se deve ter como elemento básico da ação do governo o setor produtivo, e não o setor financeiro. Para tal é necessário um controle inteligente dos fluxos de capitais financeiros para evitar que movimentos especulativos influenciem a formação da taxa de câmbio, preço básico para o setor exportador. Devemos também, em momentos oportunos, aproveitar a liquidez internacional para aumentar nossas reservas externas e diminuir a importância da política de juros externos para manter a solvência internacional.

Juros administrados
Outra diferença abissal entre Brasil e Índia é a forma como a questão da taxa de juros é vista pelos gestores da política econômica. Na Índia, os juros são administrados com parcimônia e levando em consideração sua importância como fator de custo para o setor privado e público; no Brasil ele é visto como um preço a ser pago para satisfazer o investidor financeiro privado, nacional e estrangeiro, na sua sagrada missão de financiar a dívida pública e nossa conta corrente externa. Por causa dessa maneira diferenciada de entender a questão dos juros, eles são de 6% ao ano na Índia e de mais de 16% no Brasil.
Em outras palavras, para sairmos da armadilha em que estamos presos é preciso mais do que se admirar com o crescimento do país de Ghandi e Nehru, como aconteceu com o presidente Lula e sua comitiva recentemente. É preciso mudar o enfoque que tem prevalecido nos últimos anos e trazer, para comandar a economia, técnicos e políticos comprometidos com o caminho das Índias, e não de Washington!

Luiz Carlos Mendonça de Barros é engenheiro e economista, sócio e editor do site de economia e política "Primeira Leitura". Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo FHC).


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