São Paulo, domingo, 21 de março de 2004 |
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+ livros Do surgimento até hoje, a cidade é analisada em "A Sedução do Lugar", de Joseph Rykwert, que defende a ação comunitária como solução dos problemas urbanos A dinâmica atraente dos conflitos
Isabel Lustosa
Com erudição e bom humor, Joseph Rykwert, arquiteto e professor da Universidade da Pensilvânia (EUA), autor consagrado de
vários livros, nos conta em "A Sedução
do Lugar" como surgiram as cidades, como se transformaram no que são hoje e
que papel os urbanistas desempenharam
nesse percurso.
As grandes cidades sempre foram vistas como lugares confusos, onde o homem tornado anônimo pela multidão liberaria seus piores instintos. Foi do contraste com elas que Morus e Campanelli
imaginaram suas utopias. Essas obras
proporcionaram uma crítica das práticas
urbanas então correntes e se converteram em fonte de sugestões para os reformadores do século 19. Talvez o fato de essas cidades se localizarem geralmente
em alguma parte remota e desconhecida
do mundo tenha levado muita gente a
acreditar que a distância alcançada com
uma travessia oceânica forneceria as
condições para o estabelecimento de
uma comunidade organizada, racional e
benevolente que acabaria por melhorar a
sociedade em geral.
Desde o Palácio de Cristal, em Londres, da Exposição de 1851, até a torre Eiffel, da Exposição de 1889, em Paris, as artes decorativas passaram por grandes transformações. O arquiteto e designer Owen Jones lançou, em 1856, a idéia do ornamento baseado em formas da natureza que iria florescer plenamente no art nouveau. No entanto esse estilo tão otimista não sobreviveu ao baixo-astral da Primeira Guerra. A versão geometrizada do art nouveau, o art déco, surgiu por volta de 1920 e representou uma maneira alegre e cosmopolita de lidar com o modernismo. Rapidamente adotado nos EUA, onde se revelou muito adequado para os arranha-céus e transatlânticos, o art déco parecia a síntese mais apropriada da era do jazz. Mas esse estilo também perdeu sua força após a queda da Bolsa de Nova York, em 1929. Com o avanço das transformações tecnológicas, a questão do estilo perdeu importância. Arquitetos e engenheiros começam a dar cada vez mais atenção à planta, à ventilação e à higiene. Uma nova visão sugeria que talvez os prédios não precisassem ter estilo, que suas formas talvez devessem ser projetadas a partir de suas funções e da melhor utilização dos materiais. Essa linha de pensamento desembarcaria na Bauhaus, onde Walter Gropius reduziria o arquiteto a um simples membro da equipe cuja atribuição era resolver o problema proposto pelo cliente. Com a chegada dos nazistas ao poder, em 1938, o pensamento da Bauhaus se transplantou para os EUA, onde Ludwig Mies van der Rohe, seu último diretor, reorganizaria o Instituto de Tecnologia de Illinois segundo aqueles princípios. Doenças urbanas No final do século 19, as dificuldades de circulação e os constantes congestionamentos já eram vistos como uma doença urbana. Em 1894, Arturo Soria y Mata, apresentou o projeto da "ciudad lineal" como solução definitiva para o problema da circulação. A cidade linear teria largura definida, mas poderia se estender infinitamente. Entre 1929 e 1930, a cidade linear apareceu nos planos urbanísticos de Le Corbusier. Ela também encontrou seguidores na Bauhaus. Com a mudança de alguns deles para Chicago, a idéia foi ali desenvolvida. A aplicação das teses da Bauhaus, sem o talento de seus criadores, resultou, na visão de Rykwert, numa das paisagem urbanas mais desoladas do século. Na origem dessa paisagem útil esteve também a reunião do Congresso Internacional de Arquitetura Moderna, que aconteceu em Atenas, em 1933. Foram formuladas ali as 111 teses que compõem a Carta de Atenas e que forneceram as bases para o urbanismo que se fez nos 50 anos seguintes. De acordo com a carta, toda cidade deveria ser analisada em razão de quatro funções básicas: habitação -com preferência por edifícios de apartamentos altos e afastados uns dos outros; trabalho -repartições, escritórios e fábrica; lazer -parques e estádios- e circulação. Uma das conseqüências mais dramáticas para as cidades criadas a partir dessa receita foi o radical zoneamento de suas funções, com a perda daquela mistura urbana que dá às cidades mais antigas vida, agitação e movimento. O exemplar mais completo da aplicação da Carta de Atenas é, segundo Rykwert, Brasília. Revisão crítica A Nova Carta de Atenas, datada de 1998, promove a revisão crítica da anterior, adverte contra o aumento da densidade do tráfego nas cidades e chama a atenção para as implicações da revolução nas telecomunicações. Reconhecendo que "a aplicação de uma política estrita de zoneamento criou padrões monótonos de uso do solo e rompeu a continuidade e a diversidade da vida urbana", recomenda o aumento das zonas de uso misto e dedica especial atenção à questão dos transportes e ao problema da poluição. Rykwert acredita na força da ação comunitária e nas iniciativas dos cidadãos e das ONGs. Ele acha que o poder de protestos coletivos contra agências públicas e empresas do setor privado vem se tornando cada vez mais vigoroso e eficaz na solução dos problemas urbanos. Ao contrário dos que pintam a moderna cidade de forma negativa, Rykwert, um apaixonado assumido por Nova York, acha que são justamente seus conflitos que a tornam tão convidativa e atraente. A seu ver, qualquer política urbana deve partir do pressuposto de que não é possível obter uma resolução ideal para todos os conflitos que uma cidade comporta. Isabel Lustosa é cientista política, pesquisadora da Casa de Rui Barbosa, no Rio, e autora de "Brasil pelo Método Confuso - Humor e Boemia em Mendes Fradique" (ed. Bertrand Brasil). A Sedução do Lugar 410 págs., R$ 48,50 de Joseph Rykwert. Trad. Valter Lellis Siqueira. Ed. Martins Fontes (r. Conselheiro Ramalho, 330/340, CEP 01325-000, SP, tel. 0/xx/11/3241-3677). Texto Anterior: Desrazões do desastre Próximo Texto: As quatro rodas da civilização Índice |
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