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Fogo pálido
Inovador, "Soldados da Pátria" reescreve a história do Exército brasileiro desde
a Proclamação da República até o Estado Novo
FRANCISCO DORATIOTO
ESPECIAL PARA A FOLHA
O norte-americano Frank D. McCann
é autor de importantes estudos sobre a história militar brasileira. Os conhecimentos que acumulou na dupla condição de historiador e de
ex-militar lhe permitiram escrever "Soldados da Pátria
-História do Exército Brasileiro, 1889-1937".
Trata-se de minuciosa história político-militar baseada em
extensa bibliografia e em documentos de arquivos brasileiros,
norte-americanos e do Ministério do Exterior inglês.
O livro articula as características e dinâmicas próprias às
organizações militares de qualquer país com aquelas específicas do Exército brasileiro à
época -a indisciplina, o baixo
grau de profissionalismo, o
predomínio das relações pessoais, as precárias condições
dos quartéis etc.- e as contextualiza politicamente.
Rejeita a tendência de explicar o comportamento da força terrestre com base exclusivamente na política e na sociedade civil e considera a dinâmica interna própria do Exército, quer na dimensão burocrática, quer na operacional.
Aliás, uma das características
do livro é a de ir contra interpretações predominantes.
Assim, McCann defende que
o golpe de Estado que depôs a
monarquia, em 1889, apenas
mudou a fachada política, e não
as estruturas, pois os golpistas
se preocuparam em atender a
apetites pessoais ou de grupos e
legaram, como conseqüência,
uma tensão entre essas práticas
e a constituição de um Exército
eficiente.
As carências da força terrestre são demonstradas na meticulosa análise da luta contra os
movimentos de Canudos
(1896-1897) e Contestado
(1912-16).
Missão francesa
A busca da eficiência levou,
após alguma hesitação, à contratação, em 1919, de uma missão militar francesa, o que
McCann classifica como erro,
pois os oficiais franceses provocaram atritos no interior do
Exército e ensinaram uma estratégia equivocada para a realidade brasileira.
No trabalho de instrução, a
missão privilegiou hipótese de
"guerra de posição", com o uso
de fortificações de grande porte
para a defesa e de grandes divisões de infantaria na ofensiva.
O Brasil, porém, necessitava
de unidades pequenas, com
grande mobilidade, treinadas
para a "guerra de movimento",
devido a seu imenso território
carente de meios de comunicação e efetivo militar restrito a
37 mil homens.
Quanto à década de 1920,
McCann não reduz a história
do Exército ao movimento tenentista, o qual interpreta ser
resultado da ação decidida de
uma minoria, os oficiais subalternos, que impôs sua vontade
pelo aproveitamento de circunstâncias propícias.
Além disso, não classifica o
primeiro momento da chamada Revolução de 30 como pertencente aos tenentes modernizadores, mas, sim, como "um
golpe de altos oficiais contra a
própria estrutura de comando
do Exército", o que comprova o
processo de desintegração pelo
qual passava a força terrestre.
Em outra interpretação original, McCann defende que a
derrota do levante armado de
São Paulo em 1932 fortaleceu o
poder de Getúlio Vargas e lhe
facilitou, cinco anos mais tarde,
instalar o Estado Novo.
Isso é o oposto do que os paulistas aprendem desde os primeiros anos da escola: que essa
luta contribuiu para o restabelecimento da ordem constitucional, com a Constituição de
1934. McCann ressalta que, na
guerra civil de 1932, o Exército
não conseguiu nem sequer produzir a munição de que necessitava. Essa debilidade em obter os meios bélicos se tornou
mais perigosa quando Paraguai
e Bolívia travaram a Guerra do
Chaco (1932-1936), já que os
paraguaios contavam com
apoio material da bem armada
Argentina.
O aumento da preocupação
do Exército com a segurança do
Brasil resultou na decisão de
implementar uma política de
industrialização, para pôr fim à
dependência de produtores estrangeiros de armamento.
Elite tímida
Aliás, alerta nesse sentido já
fora dado em mensagens presidenciais do final da década de
1910, e a lentidão em implementá-la demonstraria que a
minúscula elite intelectual brasileira não possuía mentalidade modernizadora: "Assim, em
vez de as universidades levarem o Brasil para a era moderna, esse papel ficou para os políticos e os militares".
Preocupado em defender o
país, o comando do Exército,
em 1937, não acreditava que
pudesse fazê-lo sob a Constituição de 1934 e pôs fim ao regime constitucional. Getúlio Vargas assumiu o compromisso de
equipar as Forças Armadas e
delas recebeu o apoio "para um
regime de força e desenvolvimento nacional".
McCann afirma, na conclusão, ser "difícil imaginar como
o Brasil poderia ter alcançado
os aspectos bons e maus de sua
atual condição sem sua singular ditadura".
Tese questionável
A frase é questionável, afinal
após 1945 a sociedade brasileira se modernizou e se tornou
mais complexa, e, se persistem
alguns elementos do getulismo
-como o messianismo político
desmobilizador-, outros foram superados. Quer dizer, temos "aspectos bons e maus"
originais.
Também carece de mais argumentação o esforço, nas páginas finais, de demonstrar a
influência da lógica do pensamento militar do Estado Novo
no Golpe de 1964.
Essa lacuna poderá ser superada se McCann executar seu
plano original, que, afirma na
introdução, era o de escrever
um livro sobre a história do
Exército até os anos 1990. Esperemos, pois, que o faça.
Enquanto isso, a riqueza de
informações e de interpretação
fazem de "Soldados da Pátria"
referência obrigatória no estudo da história brasileira.
FRANCISCO DORATIOTO é professor no curso
de relações internacionais da Universidade Católica de Brasília e orientador no mestrado em
diplomacia no Instituto Rio Branco.
SOLDADOS DA PÁTRIA - HISTÓRIA DO EXÉRCITO BRASILEIRO, 1889-1937
Autor: Frank D. McCann
Tradução: Laura Teixeira Motta
Editora: Companhia das Letras (tel. 0/xx/11/ 3707-3501)
Quanto: R$ 69,50 (744 págs.)
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