São Paulo, domingo, 21 de novembro de 2004

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Pior que um monstro, um monstro doutor

DA REPORTAGEM LOCAL

Josef Mengele não era apenas um monstro, era um monstro com doutorado. Ele tinha no currículo passagem por algumas das mais importantes universidades alemãs e austríacas. Mengele estudou medicina e antropologia nas universidades de Munique, Viena e Bonn. Fez um doutorado em Munique sobre as diferenças "raciais" na mandíbula inferior.
Estava perfeitamente dentro do espírito que o nazismo incutiu na Alemanha, incluindo sua elite pensante: o de que haveria uma raça "ariana", cujo exemplo perfeito eram os alemães, nascida para governar o mundo, e que outras serviriam de escravas, como os povos da Europa oriental, ou deveriam ser exterminadas, como os judeus e os ciganos. Professores universitários que comungavam dessas teses correram para produzir a "ciência" que as justificaria.
Assim como essas espúrias credenciais acadêmicas, o que Mengele fez durante a guerra também não tinha nenhum valor científico. Era loucura pura, o que facilita a questão ética para os cientistas. Mengele e colegas experimentaram com seres humanos: se tivessem obtido resultados válidos, como um cientista de hoje deveria receber esses dados? Felizmente para a consciência dos pesquisadores, quase nada da "ciência" nazista era aproveitável, ao contrário de sua tecnologia, que produziu tanques, submarinos e foguetes bem melhores que os dos aliados.
Por exemplo, Mengele tentava mudar a cor dos olhos de crianças prisioneiras injetando substâncias químicas. E tinha uma obsessão por estudar gêmeos, matando-os e dissecando-os cuidadosamente.
Além dessa pesquisa "pura", de busca de conhecimento pelo conhecimento, Mengele e colegas tinham também um lado prático: o país estava em guerra e era importante descobrir os limites aos quais um corpo humano poderia ser sujeito. Por exemplo, era comum aviadores e marinheiros caírem no mar gelado; quanto tempo agüentariam antes de um resgate? Haveria como reanimá-los? Para responder a essas questões, prisioneiros no campo de Dachau eram colocados em tanques com água gelada, alguns deliberadamente até a morte. Também eram inoculados em experiências sobre doenças infecciosas ou parasitárias.
Outra linha de pesquisa era a esterilização. Era importante para o nazismo encontrar um método rápido e eficaz de impedir que os "sub-homens" se reproduzissem.
As declarações do médico Franz Blaha, interrogado em Nuremberg, são das mais impressionantes: operações e dissecações em pessoas saudáveis, experimentos com drogas, pressão do ar, amputações. O catálogo de horrores do que se fazia em Dachau é extenso. Não era ciência. Era apenas sadismo. (RICARDO BONALUME NETO)


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