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Argentina abrigou mais de 300 nazistas do 2º escalão
Expoentes do regime se mataram, mas fugitivos se ocultaram na Espanha e na América Latina
RICARDO BONALUME NETO
DA REPORTAGEM LOCAL
Na longa história de guerras da Europa, os vencidos em geral não tinham
muito a temer dos vencedores, depois dos piores momentos das guerras de religião do
século 17, caso tivessem se comportado segundo as regras que foram balizando o comportamento
dos combatentes -por exemplo,
não matar ou escravizar civis ou
soldados prisioneiros.
Como a Alemanha nazista (1933-1945) violou todas essas regras e
inventou algumas violações novas,
seus líderes político-militares tinham poucas opções com o final
da Segunda Guerra, em 1945: se
rendiam incondicionalmente, como foi exigido pelos aliados, e se
expunham à sua justiça; ou se matavam, ou tentavam fugir para locais relativamente amistosos.
Os principais líderes tomaram a
opção do suicídio -o líder supremo Adolf Hitler (1889-1945), seu
propagandista Joseph Goebbels
(1897-1945), seu ministro do interior e organizador do genocídio
dos judeus Heinrich Himmler
(1900-1945) e o chefe da força aérea, Hermann Goering (1893-1946), que foi capturado, mas escapou da forca ao se matar antes. O
secretário pessoal de Adolf Hitler,
Martin Bormann (1900-1945), foi
morto pelos russos durante a queda de Berlim, mas o mistério sobre
sua morte perdurou por décadas.
O mistério tinha razão de ser.
Alguns líderes nazistas foram
julgados pelos aliados em Nuremberg e executados, como o general
Alfred Jodl (1890-1946), que comandou várias das campanhas
militares nazistas. O homem que
substituiu Hitler no comando do
Terceiro Reich, o almirante Karl
Doenitz (1891-1980), artífice da letal guerra de submarinos contra a
navegação aliada, foi absolvido.
Mas um terceiro grupo conseguiu escapar de julgamento ou punição. Em geral era gente de escalões menores, mas com grande
culpa no cartório, como o pessoal
da SS, instituição que surgiu como
guarda pessoal dos líderes nazistas
e se transformou num Estado dentro do Estado, com forças armadas
próprias (as "Waffen-SS").
O mais notório dos fujões foi
Adolf Eichmann (1906-1962), oficial da SS diretamente ligado ao
genocídio dos judeus: foi ele que
introduziu as câmaras de gás como
um método mais "eficiente" para
fazer a matança dos prisioneiros
em escala industrial. Eichmann escapou para a Argentina, onde foi
capturado por agentes israelenses,
julgado e enforcado em Israel.
Outro notório criminoso foi o
médico Josef Mengele (1911-1979),
que apesar de não ter cargo elevado na hierarquia nazista, se notabilizou por fazer experimentos com
seres humanos no campo de extermínio de Auschwitz, na Polônia.
Mengele não era o principal oficial
médico de Auschwitz, mas era o
que rotineiramente esperava a
chegada dos trens com prisioneiros para selecionar quem deveria
ser morto imediatamente, quem
deveria ser enviado para trabalhos
forçados e quem poderia servir de
cobaia em seus experimentos.
Depois de um tempo escondido
no campo na Alemanha, assim como outros nazistas, ele escapou e
viajou para para Argentina, aonde
chegou em 1949. Ficou ali quase
uma década, foi então para o Paraguai e para o Brasil, onde morreu
sem ser descoberto em 1979.
Depois de Eichmann e de Mengele, o mais famoso criminoso de
guerra na região foi Erich Priebke
(1913- ), capitão da SS e envolvido
em um massacre de 335 civis italianos em represália pela morte de 33
soldados alemães (a idéia era matar dez civis para cada soldado
morto). Vivia confortavelmente
em Bariloche, na Argentina, onde
era considerado um cidadão modelo até ser identificado em 1994 e
extraditado para a Itália, depois de
uma demorada pendenga judicial.
Não há dúvida de que os nazistas
que vieram para a América Latina
(e para outras partes do mundo favoráveis, como a Espanha franquista ou países islâmicos) tiveram
alguma ajuda na Europa para conseguir documentos falsos.
Especulou-se que teria mesmo
havido uma organização para facilitar a fuga, a Odessa (sigla em alemão de "Organização de ex-membros da SS"), que entrou no imaginário popular com o livro, depois
filmado, "O Dossiê Odessa", do escritor britânico Frederick Forsyth.
O "caçador de nazistas" Simon
Wiesenthal acredita na existência
da Odessa. Mas nunca houve provas claras. A organização da fuga
dos nazistas não precisaria necessariamente ter uma organização
centralizada, mas poderia ser obra
de vários grupos clandestinos.
O pesquisador que mais foi a
fundo em tentar revelar a extensão
da fuga nazista para a América Latina, o argentino Uki Goñi, revela
que várias conexões teriam existido, envolvendo até mesmo gente
no Vaticano. Segundo Goñi, pelo
menos 300 nazistas teriam conseguido abrigo na Argentina.
A Argentina foi simpatizante do
nazismo durante toda a guerra. Só
declarou guerra à Alemanha em
1945, pouco antes do fim -caso
contrário o país não teria como entrar na nascente Organização das
Nações Unidas e sofreria sanções
econômicas dos vitoriosos.
Que a Argentina tinha fama de
ser um refúgio seguro ficou óbvio
quando um comandante de submarino alemão, Heinz Schaeffer,
chegou ao país em agosto de 1945
com seu barco, o U-977. Schaeffer
preferiu fazer uma épica viagem de
108 dias (66 deles submerso) para
se render ali a se entregar aos aliados. Na época logo surgiu o rumor
de que Hitler estaria a bordo.
O líder argentino Juan Domingo
Perón foi um notório simpatizante
do nazismo e se cercou de pessoas
da comunidade alemã no país que
tinham fortes vínculos com a Alemanha de Hitler. Perón também
procurou o auxílio de engenheiros
e militares alemães para reforçar
seus projetos de desenvolvimento
da indústria bélica. Um exemplo
foi o coronel das Waffen-SS Otto
Skorzeny (1908-1975), um dos
mais eficientes soldados de "força
especial" da guerra. Entre suas façanhas está a libertação do ditador
italiano Benito Mussolini, prisioneiro em local de difícil acesso.
Skorzeny foi absolvido de crimes
de guerra. Foi morar na Espanha e,
além de Perón, também assessorou o egípcio Gamal Abdel Nasser.
Esse também foi o caso de Kurt
Tank (1898-1983), engenheiro aeronáutico que projetou o caça Focke-Wulf 190 e criou na Argentina o
primeiro avião a jato da América
Latina, o Pulqui, baseado em seus
últimos projetos da era nazista.
Russos e americanos tinham feito
o mesmo antes. Os cientistas envolvidos no projeto dos V-2 foram
divididos entre os dois lados da
cortina de ferro. Os EUA ficaram
com o principal, Wernher von
Braun (1912-1977), figura-chave
em projetar o pouso na Lua.
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