São Paulo, domingo, 21 de novembro de 2004

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

+ livros

Romance dos mais influentes, "Os Três Mosqueteiros" ganha nova tradução

Dumas renasce das cinzas da história

MARCOS FLAMÍNIO PERES
EDITOR DO MAIS!

Romance histórico, de capa-e-espada, de folhetim ou de aventuras, "Os Três Mosqueteiros" (1844), de Alexandre Dumas, é uma das obras mais influentes da história da literatura -embora, em muitos casos, as narrativas que se lhe seguiram tenham se constituído contra ela, como em Flaubert e Machado de Assis, e não apenas em seu favor, como em José de Alencar e no best-seller contemporâneo Arturo Pérez-Reverte.
A história dos mosqueteiros do rei Athos, Porthos e Aramis -que logo no início da trama passam a contar com a companhia do jovem e destemido D'Artagnan para salvar a honra da rainha das maquinações do cardeal de Richelieu e sua agente, a temível e sedutora Milady- foi atacada pela crítica justamente por agregar em uma só narrativa os, então, piores gêneros possíveis -todos de apelo popular e mirando o gosto do público médio que se formava então por meio da leitura dos jornais.
De fato, Dumas escreveu o romance ajudado por Auguste Maquet, uma das peças-chave de sua "linha de produção". Como recebia por página escrita, ele certa vez chegou a apresentar a seu editor um romance escrito em diálogos monossilábicos, mas este, dando-se conta da artimanha, passou a remunerá-lo pela quantidade de palavras. Foi um dos primeiros escritores a enriquecer com seu trabalho -e sem se envergonhar disso.
Como folhetim, suas melhores realizações deram consistência a um gênero que sempre tendeu a se dispersar em uma infinidade de histórias paralelas que se perdiam no meio do caminho -como no clássico "Os Mistérios de Paris", de Eugène Sue. Por outro lado, ele imprimiu dinamismo aos estáticos romances históricos do escocês Walter Scott (1771-1832).
Dumas tinha claro que estava lidando com gêneros e públicos "convencionais", ligados à classe média em ascensão. Mas a amplitude e a força de sua obra vêm justamente de saber usar a convenção em proveito de sua obra.
A começar do próprio título: os três mosqueteiros são, na verdade, quatro, e é justamente por meio do quarto deles -D'Artagnan, que nem sequer figura no título- que o enredo avança. Nesse sentido, a divisa que tornou esses superamigos tão famosos lança luz sobre a complexa estrutura deste romance: "Todos por um, um por todos".
Os cortes precisos dos capítulos, derivados da experiência dramatúrgica de seu autor e adaptada ao formato jornal, já foram comparados à decupagem cinematográfica.
Nas poucas zonas de repouso que o romance concede ao leitor esbaforido, avulta o passado misterioso e amargo dos três experientes espadachins, uma memória sinistra que remete à novela gótica de fins do século 18.
Contudo, de modo mais complexo que este último gênero, "Os Três Mosqueteiros" -que sai agora em tradução do proustiano Fernando Py- reúne os fios da memória desses heróis em um final surpreendente, que levou um escritor francês a descrevê-lo como "o mais belo livro sobre o tempo que se esvai" (Patrick Rambaud).
Hoje o status de Dumas mudou: seus restos mortais foram transferidos para o Panthéon em 2002, suas obras fazem parte da prestigiosa coleção "Pléiade" há algum tempo, e prepara-se mais uma filmagem de "Os Três Mosqueteiros", com a participação da "bela intrigante" Emmanuelle Béart. Caso raro, a crítica tem cedido ao público e procurado resgatar Dumas das cinzas -onde seus leitores, de resto, nunca o lançaram.


Os Três Mosqueteiros
628 páginas, R$ 54,90 de Alexandre Dumas. Tradução de Fernando Py. Ed. Ediouro (r. Nova Jerusalém, 345, Bonsucesso, CEP 21042-230, Rio de Janeiro, RJ, tel. 0/xx/21/ 3882-8200).



Texto Anterior: + notas
Próximo Texto: Um cartel de truques literários
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.