São Paulo, domingo, 22 de junho de 2008

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

MILTON HATOUM

O autor
Os dois são grandes escritores.
Ambos recorreram a uma tradição literária do Brasil e do exterior e fizeram dessa tradição uma invenção. A meu ver -e digo isto sem nenhum ranço nacionalista-, Machado foi o maior escritor latino-americano do século 19, Rosa o mais inventivo do século 20 nesta América. Machado depurou o que havia de mais consistente na obra dos seus antecessores brasileiros.
Já não escrevia como os ficcionistas portugueses. Nos contos e romances, a crítica social e política não é menos relevante do que a loucura. Mito e história parecem estar no centro da obra de Guimarães Rosa. O sertão, que está em toda parte, é metáfora de um mundo construído por uma linguagem de fato inovadora. Rosa explorou como poucos a geografia de um lugar.
A indagação metafísica e o embate entre o bem e o mal não são menos importantes do que a natureza do centro-norte de Minas. Os contos das "Primeiras Estórias" são um desafio para o leitor, mas foram muito bem analisados por Ana Paula Pacheco no ensaio "Lugar do Mito" [ed. Nankin], um livro que lançou luz nessas narrativas dificílimas.

A obra
De Machado, vários contos ("A Causa Secreta", "Evolução", "Missa do Galo", "Uns Braços", "O Enfermeiro", "Um Homem Célebre", "Pai contra Mãe"...).
Aliás, gosto de todos os contos publicados a partir de "A Parasita Azul" [1872], que me parece um marco na prosa machadiana.
Ele foi um mestre nesse gênero literário, pois soube juntar concisão e tensão nos temas de suas narrativas breves. Trouxe a metafísica e outras questões filosóficas para o chão nosso de cada dia, em que as tensões e conflitos dos personagens são às vezes inseparáveis da loucura e da alucinação.
Nas poucas páginas d'"O Espelho" convergem especulação filosófica, poder e prestígio social numa sociedade escravocrata. De alguma maneira, há um diálogo temático e formal entre os contos e os romances. Destes, o mais ousado talvez seja "Memórias Póstumas de Brás Cubas".
Já comparei o meu estilo ao andar dos ébrios, escreve o narrador das "Memórias Póstumas". Isso resume o estilo machadiano: andar dos ébrios, mas com a lucidez de um narrador culto e terrivelmente irônico.
De Guimarães Rosa, gosto de tudo: de "Sagarana" a "Grande Sertão: Veredas". Talvez seja uma admiração exagerada e incondicional, a mesma que sinto pela obra de Flaubert, Faulkner, Graciliano Ramos...


MILTON HATOUM é escritor, autor de "Órfãos do Eldorado" e "Dois Irmãos" (Cia. das Letras).


Texto Anterior: Manoel Carlos
Próximo Texto: João Adolfo Hansen
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.