São Paulo, domingo, 22 de junho de 2008

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

MARCUS MAZZARI

O autor
Esses dois nomes da literatura mundial conduzem a alturas em que a questão da superioridade não parece encontrar resposta segura. Dificuldade semelhante não se colocaria em relação a Balzac ou Stendhal, Dostoiévski ou Tolstói? E entre Musil, Kafka e Thomas Mann seria possível fundamentar quem é o maior? Nos limites de minha compreensão atual de ambas as obras, ouso dizer apenas que Guimarães Rosa, no "Grande Sertão", levou a narrativa brasileira a um nível excepcional, efetivamente incomparável. "A Hora e Vez de Augusto Matraga" ou "A Terceira Margem do Rio" também não dão trégua à admiração e ao espanto do leitor.
No entanto, me atreveria igualmente a dizer, sempre dentro dos limites pessoais, que algumas de suas experimentações tardias com a linguagem e os procedimentos narrativos produziram textos que lembram as "opere errate" de que falava Benedetto Croce.
De Machado creio não ser possível dizer algo semelhante; apenas que alguns romances e contos são mais fracos, sobretudo se comparados com "Dom Casmurro" ou "O Espelho" (do qual o "Espelho" de Rosa parece ser um reflexo pálido e difuso).

A obra
Entre as muitas possibilidades de ler "Grande Sertão", uma delas evidencia a originalidade com que Rosa inovou o antigo motivo do pacto demoníaco ao transplantá-lo para o espaço fictício do seu sertão. Talvez se possa dizer quanto a essa inovação que Rosa foi ainda mais longe do que Thomas Mann em seu "Doutor Fausto", a cuja publicação em 1947 ele reagiu, como testemunha por exemplo Franklin de Oliveira, com grande entusiasmo.
Admirável é também a riqueza de motivos, de alusões e referências que Rosa incorporou à sua elaboração do mito fáustico.
E em muitas passagens do romance creio ser possível entrever vestígios do doutor Fausto renascentista (em especial a personagem da "Tragical History" de C. Marlowe), da tragédia de Goethe, do próprio romance fáustico de Mann.
Também a complexa, intrincada relação entre história (ou fábula) e enredo, de extraordinária eficácia na organização estética da narrativa riobaldiana, faz aos meus olhos com que "Grande Sertão" figure ao lado dos maiores romances do século 20.


MARCUS MAZZARI é professor de literatura comparada na USP, autor de "Romance de Formação em Perspectiva Histórica" (ed. Ateliê).


Texto Anterior: João Adolfo Hansen
Próximo Texto: Abel Barros Baptista
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.