São Paulo, domingo, 23 de março de 2008

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+ comportamento

O não essencial

Psiquiatra critica a fragilidade e a ausência dos pais na educação dos filhos adolescentes

MARTINE LARONCHE

Os pais estão desorientados e têm dificuldade crescente para assumir seu papel diante dos filhos adolescentes. Eles não se sentem mais autorizados a lhes impor limites, sob o risco de ver os filhos se afundarem, às vezes colocando em perigo seu futuro ou sua vida. Como a mãe que deixa a filha anoréxica definhar porque prometeu que não a internaria no hospital. Como o pai que não ousa obrigar o filho, que mata aulas e se droga, a consultar um psicólogo.
O que falta aqui não é amor, mas legitimidade para manter seu papel de educador, para dizer "não" quando consideramos necessário. Essa problemática é o fio condutor do livro de Philippe Jeammet, "Pour Nos Ados, Soyons Adultes" (Por Nossos Adolescentes, Sejamos Adultos, ed. Odile Jacob, 314 págs., 22,50, R$ 60), que dirigiu o serviço de psiquiatria do adolescente e do jovem no Instituto Montsouris, em Paris. O livro é pontuado de exemplos de jovens sofredores, cujos pais não tiveram coragem de detê-los em seus devaneios.
Como se chegou a isso? A capacidade dos adultos de afirmar sua autoridade se erodiu nos últimos 15 anos, enquanto o "educativo era desqualificado pelo psicológico", reflete o psiquiatra e psicanalista. A autoridade foi comparada a um "abuso de poder", como se bastasse amar os filhos para que eles se desenvolvessem. Os psicoterapeutas, que se recusavam a receber jovens contra sua vontade, deram crédito à idéia de que não se deve impor nada.
Para Philippe Jeammet, tal atitude se assemelha a um abandono. Estar mal é um apelo. Após 40 anos de prática, o psiquiatra considera que os pais têm o dever de fazer o bem a seus filhos, mesmo contra a vontade destes.
"É preciso ter sido testemunha desse renascimento possível, às vezes depois de 15 anos de trabalho duro, para lamentar a vida inteira não ter conseguido ou sabido como impedir que outros morressem ou estragassem sua vida com comportamentos que não haviam escolhido", escreve.

Retomar a distância
Para ajudar os pais a retomar seu papel de educadores, ele os orienta em meio às necessidades paradoxais dos adolescentes, decifrando seus comportamentos patológicos que também são sinais de alerta. A adolescência é uma transição tumultuada, em que os sentimentos em relação aos adultos nunca foram tão contraditórios. É a idade em que o corpo se transforma, em que as ligações se "sexualizam".
Uma proximidade excessiva com os pais é vivida como perigosa, potencialmente incestuosa. O jovem deve retomar sua distância, o que implica provar sua capacidade de levar o barco sozinho, contando apenas com seus próprios recursos. "É uma necessidade, um prazer, mas também um risco e um medo" que tornam esse período da adolescência "fundamentalmente desconfortável", diz.
A maioria dos jovens passa por essa fase sem dificuldades, mas outros, mais frágeis, vacilam. Se o adolescente duvida e não tem os recursos necessários para seguir adiante, vai procurar nos adultos a confiança e as bases que lhe faltam. E, quanto mais forte for essa necessidade de ajuda, menos o jovem a suportará. Esse paradoxo torna a intervenção e o apoio dos pais ainda mais difíceis.
A diferença de geração confere aos adultos um papel educativo e exemplar. Cabe a eles assumir esse papel de "portadores de esperança". Renunciar a isso significa abandonar seu filho "à tirania de suas necessidades e de suas contradições, sem referência externa que lhe permita controlá-las". Ao fechar o livro de Jeammet, nos perguntamos se os mais frágeis são os adolescentes que sofrem ou seus pais.

A íntegra deste texto saiu no "Le Monde". Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves.


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