|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
+ religião
Uma conversa afiada
Melhora
da imagem internacional
e interesse
no grande
número
de fiéis
aproximam China e Vaticano
HENRI TINCQ
Como 10 milhões de
católicos poderiam
fazer a China tremer? Qual o peso de
um anão político como o Vaticano diante do país-continente mais povoado do
mundo e comercialmente o
mais conquistador?
Essas perguntas ressurgem
com a recorrente polêmica sobre as nomeações de bispos,
que, na escala dos desafios políticos da China e espirituais do
cristianismo, parece irrisória,
mas não é menos típica de um
confronto de gigantes.
De um lado, um regime comunista que quer melhorar sua
imagem internacional sem ceder um centímetro em sua supremacia ideológica; do outro,
uma potência espiritual para a
qual a liberdade religiosa é a
"mãe" de todas as liberdades.
Para a igreja, a liberdade de nomear bispos é uma garantia de
independência diante das pressões políticas.
Suas relações com as monarquias absolutas e os regimes totalitários sempre foram conduzidas por esse princípio.
Há um ano acreditávamos
em uma trégua. Pequim havia
demonstrado certo descontentamento pela presença, em Roma, do presidente de Taiwan
-que tem relações diplomáticas com o Vaticano- nos funerais de João Paulo 2º. Trocas de
gentilezas haviam se seguido à
eleição de Bento 16, em 2005.
Em março, a promoção a cardeal do bispo de Hong Kong,
monsenhor Joseph Zen, notório opositor, havia provocado
apenas uma situação de alerta.
Recuo de Pequim
Começou-se a falar em "normalização", ainda mais plausível porque em um ano ocorreram quatro ordenações de bispos da igreja "oficial" em Xangai, Xian, Wanxian e Suzhou,
com o acordo das duas partes.
Designados "democraticamente" -por intermédio da Associação Patriótica dos Católicos-, esses bispos obtiveram o
consentimento do papa.
Desde então Pequim recuou.
Dois outros bispos foram ordenados no final de abril em Kunming (Yunnan) e em Anhui
sem o acordo prévio de Roma.
Um terceiro foi promovido
em Fujian nas mesmas condições. Medidas unilaterais que
lembram as humilhações de
outrora e reforçam o campo
dos inimigos do diálogo, tanto
no Vaticano quanto entre os
milhões de cristãos chineses
que praticam clandestinamente sua fé e continuam sendo
perseguidos.
O papa deu a conhecer seu
"profundo desprazer", antes de
brandir a ameaça de sanção suprema: a excomunhão dos bispos assim consagrados. Devemos ver aí o fim das esperanças
de restabelecimento das relações que os otimistas anunciavam para 2008, ano dos Jogos
Olímpicos da China, um encontro que exige avanços das liberdades e dos direitos humanos?
O jogo do quente e do frio
continua. Em 19 de junho o cardeal Zen informou de Hong
Kong que as "negociações" haviam sido retomadas.
O Vaticano tornou-se especialista nessa diplomacia do
pingue-pongue com a China.
Uma ameaça de excomunhão
foi proferida em junho de 2000,
depois de cinco ordenações
"ilegítimas", mas ela não foi
efetivada. Ainda dessa vez, Roma pretende manter a porta
aberta para um reconhecimento que aliviaria os fiéis locais,
restabeleceria a unidade das
igrejas e teria um alcance simbólico considerável no cenário
internacional.
Mas o maior problema permanece: a igreja, tal como existe em seu funcionamento hierárquico, não pode se moldar à
política religiosa definida pelo
governo chinês.
Pequim não move um dedo
quanto a suas premissas para
uma eventual "normalização":
primeiro, a ruptura do Vaticano com Taiwan, onde a nunciatura chinesa se refugiou desde
1951, dois anos após a vitória da
República Popular; segundo, a
renúncia a "qualquer ingerência da igreja nos assuntos internos chineses".
O primeiro obstáculo deixou
de existir, já que o Vaticano se
diz disposto a transferir, de um
dia para outro, sua nunciatura
para Pequim -mesmo dando a
impressão de sacrificar os 300
mil católicos taiwaneses, que
pesam menos que os milhões
de cristãos do continente.
Nomeações de bispos
A segunda premissa nos leva
de volta à disputa sobre as nomeações de bispos. A China não
ignora a relação privilegiada de
todos os católicos com o papa,
mas o artigo 36 da Constituição
proíbe qualquer forma de submissão das religiões a uma potência estrangeira.
Pequim não pretende ceder
ao Vaticano o controle das nomeações da hierarquia católica,
enquanto as dioceses vagas são
cada vez mais numerosas -45
dentre uma centena-, os bispos vêm das gerações de jovens
fiéis -padres, religiosos ou laicos-, hoje com melhor formação nos EUA e na Europa, cujas
universidades e seminários
lhes abrem suas portas. Eles suportam cada vez menos seu recrutamento na Associação Patriótica de Católicos, totalmente submetida ao governo, e as
restrições à liberdade de culto,
de debate e de estudo.
Após as três décadas de prisões arbitrárias, condenações
cruéis e destruições de locais de
culto que se seguiram à tomada
de poder maoísta em 1949, as
restrições foram atenuadas a
partir de 1978, com as reformas
da era Deng Xiaoping.
Mas a direção comunista ainda se preocupa com o dinamismo religioso que atravessa toda
a China, nos meios populares e
intelectuais, principalmente
com a disseminação das igrejas
evangélicas ou católicas.
Cinco confissões -budismo,
islamismo, taoísmo, protestantismo e catolicismo- têm oficialmente o direito de reunião.
Mas as igrejas que se recusam a ser arregimentadas em
associações oficiais e celebram
"cultos domésticos" -ao abrigo
do controle policial- continuam sendo perseguidas.
O braço-de-ferro com Bento
16, para quem a reaproximação
com a China é uma prioridade,
é acompanhado com interesse
por Washington, onde o presidente Hu Jintao foi recentemente lembrado por George
Bush do valor que seu país dá à
liberdade religiosa. Mas, quanto mais a China se abre às reformas econômicas e inunda os
mercados mundiais, mais endurece seu monopólio ideológico sobre a sociedade.
Este texto saiu no "Le Monde".
Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves.
Texto Anterior: + comportamento: A fronteira final do marketing Próximo Texto: Nascidos das cinzas Índice
|