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+ livros
Nelson Rodrigues na berlinda
Dois lançamentos
reúnem obras
e depoimentos
da crítica
e dramaturga
Renata Pallottini
TANIA BRANDÃO
ESPECIAL PARA A FOLHA
Singeleza e variedade:
palavras hábeis para
definir "Teatro Completo", de Renata Pallottini. A publicação
permite que se considere a editora como a casa do teatro no
Brasil, pois nenhuma outra teria a ousadia de publicar um
volume de 888 páginas dedicado a um dramaturgo brasileiro.
O termo teatro completo
tem, aqui, aplicação muito adequada e remete de estalo à idéia
de variedade; a obra reúne textos de natureza muito diversa,
desde as peças classificáveis,
como obras de juventude, até
os textos da maturidade profissional, desde experimentos rápidos, curtos até originais dotados de mais fôlego temático ou
temporal, com a inclusão de
traduções e adaptações.
Na verdade, trata-se de uma
lição de dramaturgia dinâmica,
pulsante, um gesto que complementa uma das grandes escolhas profissionais de Pallottini, a mais consagrada das personalidades que se dedicaram
no Brasil ao ensino da arte de
escrever para teatro.
Vida e obra
Ao ler os diferentes textos, o
leitor irá, em um primeiro plano de leitura, conhecer a vida e
a obra da dramaturga. Além de
uma cronologia sumária e extratos eloqüentes da fortuna
crítica, há o prefácio de Mariangela Alves de Lima, um
bom guia para a aventura.
Ela situa o teatro de Pallottini no cenário do século 20 e em
suas próprias coordenadas,
bastante peculiares.
Assim, em um segundo momento, o leitor poderá constatar como as peças foram arquitetadas enquanto opções de
linguagem teatral, como foi tecida a relação da autora com a
tradição do drama ocidental e
suas técnicas de escrita, com as
suas próprias vivências e as
suas necessidades de expressão, com o nosso tempo e a nossa história, com a realidade de
São Paulo. A singeleza surge,
portanto, pela possibilidade de
identificarem-se nas páginas
vestígios do gesto da professora
de dramaturgia.
Examinados como obra completa, os textos são testemunhos eloqüentes de uma trajetória da dramaturgia brasileira
recente. Revelam -além da
aproximação indicada com o
teatro de Jean-Paul Sartre e o
de Jorge Andrade, isto é, a
preocupação com a dialética
entre o imperativo social e a autonomia do sujeito- a sintonia
de nossos autores com as variações da escrita cênica na segunda metade do século 20.
Os textos exalam sempre um
sabor contemporâneo, uma afinidade com o seu tempo e o teatro desse tempo.
É preciso destacar a destreza
da farsa exercitada em "O Crime da Cabra", uma comédia de
costumes rural de ação vertiginosa, e a densidade do engajamento e da poesia que impregnam os textos dedicados à imigração italiana no Brasil.
"O País do Sol" oferece um
detalhado panorama histórico
da imigração, do final do século
19 até o aparecimento de Mussolini; a partir de uma festa,
com narração direta, quadros
curtos mostram trajetórias de
vida, pontilhados por canções e
teatro no teatro.
"Colônia Cecília" estrutura-se como deliberada vontade expositiva; poemas, canções, documentos de época e cenas
dramáticas foram reunidos para contar a curta história
(1890-1894) da colônia anarquista fundada por Giovannni
Rossi no Paraná, uma aproximação forte com o conceito
brechtiano de cena.
Brecht também está presente em "Os Fusilis da Senhora
Carrara" -embate entre uma
cantina à moda antiga e o poder da fast food, apresentado
por uma companhia de teatro
cujos integrantes expõem algo
de seus dramas pessoais, um
pouco para que haja distanciamento da ação principal.
Consagração
A rigor, o livro é um ato lícito
de consagração. Favorece a
percepção mais nítida do que se
poderia chamar de linhagem
paulista do teatro moderno
-uma vertente que ignora as
propostas de Nelson Rodrigues, busca remontar às convenções e tradições do drama
ocidental, ao legado do drama
realista, da peça bem feita e da
comédia de costumes, lidos sob
uma ótica crítica e ácida; portanto um caminho para instaurar uma forma moderna.
A idéia de consagração aparece mais clara se considerarmos o lançamento simultâneo
de "Renata Pallottini Cumprimenta e Pede Passagem", de
Rita Ribeiro Guimarães.
É um depoimento comovedor e apaixonado; a dramaturga
revela os meandros de sua vinculação ao palco e situa também as múltiplas vertentes em
que atuou -a televisão, o ensino de teatro e de dramaturgia, a
poesia, a identidade política, a
aproximação com a cultura hispânica e cubana.
Em certo grau, são obras
complementares, embora esta
biografia padeça de todos os
males de edição apressada, problemas que não afligem o leitor
de "Teatro Completo". São inúmeros os erros de digitação e
-o que é mais grave- são muitos os erros de informação inaceitáveis em uma publicação
que pretende consolidar o conhecimento do teatro paulista.
Faltou revisão, para que não
se atribuísse a Ruggero Jacobbi
a direção de "A Moratória", de
Jorge Andrade (às vezes grafado com erro), notável encenação de Gianni Ratto, e para que
não se localizasse a fundação
da Escola de Arte Dramática,
de 1948, na década de 50.
Ainda assim, fica o lucro: são
livros que trazem o teatro para
a ordem do dia, encanto singelo
sob o variado das formas.
TANIA BRANDÃO é autora de "A Máquina de
Repetir e a Fábrica de Estrelas" (7 Letras).
TEATRO COMPLETO
Autor: Renata Pallottini
Editora: Perspectiva (tel. 0/xx/
11/3885-8388)
Quanto: R$ 75 (888 págs.)
RENATA PALLOTTINI CUMPRIMENTA E PEDE PASSAGEM
Autor: Rita Ribeiro Guimarães
Editora: Imprensa Oficial do Estado
de SP (tel. 0/xx/11/6099-9800)
Quanto: R$ 9 (264 págs.)
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