São Paulo, domingo, 23 de setembro de 2007

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Cinema

Tinta no filme

Obra do artista plástico Rodrigo Andrade é uma comédia carregada de influências da pintura

JULIANA MONACHESI
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Um filme de Rodrigo Andrade estréia nesta semana em São Paulo. Sim, ele mesmo, o artista que despontou com a Geração 80 e, dentre os integrantes do grupo Casa 7, foi o único que se manteve fiel à pintura até hoje.
Sua militância na pintura termina com o curta-metragem "Uma Noite no Escritório", que tem pré-estréia em sessão da meia-noite nesta quinta-feira no Espaço Unibanco de Cinema.
A rua Augusta é o lugar ideal para lançar "Uma Noite no Escritório" tanto por ter sido um dos primeiros lugares da cidade a concentrar charmosas e cobiçadas lojas de luxo, nos idos de 1950, quanto pela decadência algo glamourosa da deterioração em boca do lixo.
A produção se passa nos anos 1930 e, além dos elementos de filme de época, tem clara influência da tradição da pornochanchada brasileira, do cinema fantástico e do filme noir.
As referências à pintura, como não poderia deixar de ser, marcam todo o enredo do filme, que foi co-dirigido pelo artista e cineasta Wagner Morales. As referências vão de uma pintura de Edward Hopper (1882-1967) de 1940 às instalações de massas de tinta diretamente sobre a parede que Andrade iniciou com a exposição "Lanches Alvorada" (2001) e, alguns anos depois, realizou no Projeto Parede, do Museu de Arte Moderna, em São Paulo e, mais recentemente, na Caixa Cultural, no centro da cidade.

O escritório
"Paredes da Caixa", exposição que aconteceu no segundo semestre de 2006 no museu da Caixa Econômica Federal, é o cenário do curta-metragem.
As intervenções pictóricas nas salas do museu, que tem os ambientes austeros com móveis art déco mantidos como eram em 1939, ano da inauguração do prédio na praça da Sé, foram o mote para o argumento central do filme: entre funcionários imersos no contexto burocrático de seus afazeres, por um lado, e na retórica progressista do Estado Novo, por outro, um diretor do banco começa a sofrer alucinações.
O nome do diretor acometido de uma estranha moléstia nervosa que o faz enxergar formas geométricas coloridas no espaço é sr. Wilson, interpretado por Rodrigo Andrade, "disfarçado" por um respeitável bigode e uma tintura acaju no cabelo engomado.
As alucinações são as próprias pinturas que Andrade instalou nas salas da Caixa Cultural, acrescidas de pequenas instalações pictóricas "em movimento", como os dois retângulos -um vermelho e outro amarelo- cuidadosamente distribuídos na parte traseira do justíssimo vestido de cetim azul da secretária do sr. Wilson, Clotilde, interpretada pela atriz pornô Morgana Dark.
O crítico de arte Alberto Tassinari, que interpreta o chefe de Wilson, sr. William; o artista Wagner Malta Tavares, em impagável interpretação do alucinado doutor Pirajá, que trata da moléstia nervosa do sr. Wilson; e o também artista Marcos Brias, que faz o papel de contínuo no escritório e que é o primeiro a encarnar uma alucinação do personagem principal, ao ostentar quadradinhos coloridos na testa, completam a trama metalingüística do filme "Uma Noite no Escritório".
Mais do que um militante da pintura, Rodrigo Andrade é um militante da crise contínua e inescapável da reflexão crítica sobre o estado da arte contemporânea em nossos dias, o que este filme vem comprovar.
O trabalho traz de lambuja um comentário atualíssimo sobre o pensamento pictórico e sobre o circuito de arte em São Paulo, uma atualização dos modelos cinematográficos e culturais brasileiros e mais importante uma oportunidade para rolar de rir durante 20 minutos. Quinta-feira, meia-noite, na sala 3 do Espaço Unibanco.

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