São Paulo, domingo, 23 de outubro de 2005

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+ arte

Imigração e deslocamentos culturais permeiam exposição de Maurício Dias e Walter Riedweg, em cartaz e m SP

Eu é um outro

JULIANA MONACHESI
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Os deslocamentos no espaço geográfico e os conseqüentes deslocamentos culturais e econômicos na sociedade são o maior interesse da pesquisa estética de Maurício Dias e Walter Riedweg, que estão com exposição em cartaz na galeria Vermelho (tel. 0/xx/11/3257-2033), em SP. Mais ou menos explícita, a temática da imigração perpassa todas as obras da dupla, eles mesmos imigrantes -o brasileiro Dias viveu mais de dez anos na Suíça e o suíço Riedweg vive há sete no Brasil. Isso o público paulistano pôde ver em 1998 na videoinstalação "Os Franciscos, os Severinos e os Raimundos", apresentada na 24ª Bienal de SP, que documentava a vida e o trabalho de 33 porteiros nordestinos com esses prenomes na cidade de São Paulo.


O imigrante é aquele que desafia a alteridade


Na mostra "Cabra Criada" há dois trabalhos mais diretamente relacionados ao tema: "Voracidade Máxima", que a dupla comenta na entrevista a seguir, e "David & Gustav", em que os artistas Gustav Metzger, polonês, e David Medalla, filipino, mantêm uma conversa imaginária sobre o exílio.
 

Folha - O conceito de imigração parece nortear o trabalho de vocês. Essa idéia é definidora da condição humana hoje, na visão de vocês?
Maurício Dias e Walter Riedweg -
O que norteia nosso trabalho é a alteridade, as relações entre os indivíduos e grupos que compõem a sociedade, desde sua forma mais subjetiva entre uma pessoa e outra (que ela deseja ser, ter, se comunicar) à alteridade sociopolítica entre as identidades culturais (prisioneiros, policiais, políticos, refugiados etc.). O imigrante é aquele que desafia a alteridade, que migra de uma posição a outra, de uma realidade a outra, no espaço e no tempo, sempre acumulando suas experiências de percurso em sua subjetividade luxuosa. Nesse sentido, o imigrante redefine a condição humana na contemporaneidade.

Folha - Outra marca de sua produção é o trabalho colaborativo.
Dias e Riedweg -
A alteridade é o tema e, portanto, o encontro é a forma, a metodologia de nosso trabalho. Nosso trabalho é provocar, promover encontros com o outro ou um grupo de pessoas (definidos por uma condição social, geográfica, econômica mas também por um simples conceito de trabalho que as reúna). Esses encontros são baseados em um conteúdo e têm um roteiro, um conceito que promove um exercício visível de alteridade em diversos níveis, o que tentamos registrar da forma mais aberta e complexa possível em vídeos, videoinstalações, textos, fotografias etc.

Folha - Em "Voracidade Máxima", dois movimentos migratórios se mesclam (o de imigrantes ilegais vivendo em Barcelona e o de sexualidades cambiantes no interior dos próprios michês), conjugando subjetividade e política. Essa é uma busca constante de vocês? Ocorre em outras obras?
Dias e Riedweg -
Em todas, com acentos e focos diferentes. Em "Voracidade Máxima", a cama serve como palco do improvável encontro entre subjetividades tão distintas como as de um michê imigrante ilegal e seu cliente banqueiro europeu.
A cama é o ponto de encontro entre duas urgências que ali se conjugam: a urgência da situação econômica do imigrante ilegal e a urgência subjetiva e sexual de seu cliente. Esse encontro improvável na cama permite reinvestigar a proximidade e o distanciamento (sempre mutáveis) entre duas pessoas e suas respectivas significações político-sociais. A alteridade é uma das coisas que mais definem o espaço social e político. Nosso trabalho consiste em investigar como essas psicologias privadas afetam e constituem o espaço público.


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