São Paulo, domingo, 24 de maio de 1998

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ENSINO
A educação democrática


Há cerca de 30 anos era criada a Universidade Aberta, que hoje atende 150 mil alunos


ILONA ROTH
especial para a Folha

Um tema quente na Inglaterra hoje é como inovar em ensino superior oferecendo instrução de alta qualidade a baixo custo. Entretanto, uma universidade britânica tem feito exatamente isso, em grande escala, há quase 30 anos. A Universidade Aberta conta com mais de 150 mil alunos adultos participando de cursos universitários de meio período, acompanhando as aulas a partir de suas próprias casas, a não ser durante uma semana por ano, quando muitos deles precisam viajar para frequentar cursos de verão.
A Universidade Aberta (UA) é mais bem conhecida pelos seus programas educativos para rádio e televisão. Porém, na verdade, esses meios são apenas parte de um complexo conjunto de métodos de ensino que inclui trabalho de textos por correspondência, aulas com a presença de professores nas várias regiões e, hoje, em certa medida, mídia eletrônica.
Os alunos da UA provêm de todas as faixas etárias, profissões e níveis sociais, e tanto entre os mais antigos como entre os atuais encontram-se desde personalidades públicas de destaque, como membros do parlamento, atores e apresentadores de televisão, até os menos privilegiados na sociedade, incluindo prisioneiros e pessoas cujas inaptidões inviabilizariam o acesso a um sistema convencional de ensino superior.
Essas pessoas com frequência descrevem sua experiência educacional com a UA como "o que de melhor lhes aconteceu". Vê-se também um número cada vez maior de alunos de outros países europeus estudando com a UA. De fato, alguns dos alunos de universidades tão distantes quanto Cingapura, por exemplo, podem tirar proveito de acordos especiais de parceria a fim de participar dos altamente conceituados cursos da UA.
O segredo para a abertura da UA é que, se de um lado alunos que buscam ingressar em outras universidades britânicas precisam de qualificações desenvolvidas durante o segundo grau, por outro, na UA não há tais restrições ao ingresso. Ela é também aberta porque, sendo a instrução concebida para aulas em meio período e a distância, não é necessário que os alunos deixem suas casas, famílias ou empregos. Um aluno de graduação dispõe de flexibilidade razoável em termos de tempo a despender para formar-se (de quatro a dez anos) e de matérias escolhidas.
O conteúdo dos programas de graduação -com no mínimo seis cursos anuais- pode abarcar apenas uma área principal, ou, para os mais ecléticos, diversas: artes, ciências sociais, educação, saúde e serviço social, matemática e computação, ciência e tecnologia. A partir de uma recente inovação, línguas estrangeiras e alguns cursos jurídicos foram incorporados a esse vasto leque de opções.
O complexo sistema que oferece tamanha variedade de cursos a tantos alunos combina ensino a distância e ensino direto. No centro, está o campus da Universidade Aberta, situado próximo da nova cidade de Milton Keynes. É um campus apenas em sentido restrito: os alunos que o frequentam são um pequeno grupo de pós-graduandos em período integral, estudando sob a supervisão direta de uma equipe acadêmica. O centro, contudo, ferve de atividades, empregando mais de 2.000 funcionários em áreas relacionadas a funções acadêmicas.
A tarefa central de criar e produzir material para os cursos é desempenhada por "equipes para cursos". Cada equipe dessas conta com um grupo de docentes, um editor, um designer, um produtor da BBC e outros especialistas, geralmente trabalhando juntos pelo menos durante dois anos a fim de produzir todo o material escrito para o curso, mas também material para televisão, rádio, fitas cassete e outras peças didáticas especiais. Os programas de televisão são feitos no próprio centro de produção da UA, no campus, embora algumas gravações possam ocorrer em locais como Siena e Florença, integrando os maravilhosos programas sobre história da arte -ou dentro de uma prisão, para um programa sobre psicologia da agressão humana.
Pronto o curso, seguem-se tarefas operacionais desalentadoras, como postar o material para os alunos (um curso mais popular pode ter até 4.000 alunos por ano), acompanhar seu progresso, aplicar testes, ou simplesmente atualizar registros sobre eles. Além disso, existem tarefas especiais, tais como atender as necessidades dos portadores de algum tipo de deficiência -o que inclui providenciar material em braile para alunos cegos ou com visão parcial- ou organizar suporte técnico para os deficientes auditivos que frequentam os cursos de verão.
Boa parte da atividade na Milton Keynes contempla a zona "periférica" do sistema de ensino. Igualmente importante é o trabalho de aulas regionais com a presença de professores, coordenadas a partir de 13 escritórios espalhados por todo o país, cada um contando com sua própria equipe acadêmica e administrativa. A função desse professor é complementar os elementos do ensino a distância, seja por meio de aulas que favoreçam o contato regular entre aluno e professor, seja avaliando os trabalhos escritos.
Nesses casos, cada professor acompanhará um grupo de até 30 alunos, e, como representam o primeiro ponto de contato com o restante da universidade, acabam inevitavelmente sendo requisitados para aconselhamento sobre assuntos extra-acadêmicos. Não é de estranhar que alunos da UA, premidos pela necessidade de aliar seus estudos às pressões e dificuldades do cotidiano, por vezes enfrentem problemas domésticos e emocionais.


A UA tem de sofisticar seus meios, mas corre o risco de elevar os custos


De fato, aquele que se matricula na UA sonhando com uma existência dourada, às vezes associada à universidade britânica tradicional, vai se desiludir rapidamente. É um trabalho muito árduo e por vezes solitário. Apesar disso, a instrução que oferece tem sido merecedora de respeito e até mesmo de inveja por parte de docentes de universidades mais convencionais. Alan Ryan, filósofo e diretor do New College Oxford, a mais "dourada" dentre todas as universidades, recentemente descreveu a UA como "um dos poucos sucessos inequívocos dentre as experiências educacionais nos últimos 30 anos".
O que fez com que a UA recebesse tamanho respeito por parte dos principais docentes do país? É que a necessidade de comunicação com alunos que podem estar em qualquer parte, seja em uma cidade pobre do interior ou numa unidade militar nas Malvinas, forçou os docentes da UA a se tornarem mestres na arte da comunicação clara e eficaz. Os textos por correspondência foram escritos em linguagem concisa e acessível, utilizando recursos pedagógicos concebidos para estimular a participação ativa do leitor. Esses textos são tão populares no mercado fora da UA que usualmente vendem mais do que seus concorrentes, sendo inclusive adotados por departamentos de outras universidades.
Outra característica invejável no ensino da UA é a dedicação e compromisso dos alunos. A maioria está motivada por intenso desejo de aprimoramento; às vezes, no decorrer do processo, apresentam mudanças surpreendentes em sua condição de vida. Uma aluna que conheço iniciou sua vida profissional como secretária, estudou na UA enquanto criava os filhos e, armada de um diploma com mérito pelo primeiro lugar, foi agora admitida no doutorado em Cambridge.
A UA pode ter sido a primeira no gênero a trabalhar com ensino a distância em tempo parcial para adultos, mas outras instituições foram rápidas em perceber as possibilidades desse projeto. Isso porque docentes de muitas universidades convencionais entenderam que livros de texto elaborados com cuidado e de fácil manuseio são atraentes para qualquer público de aluno, estudem eles à distância ou não. A proliferação cada vez maior desse tipo de livro com recursos pedagógicos especiais -outrora a marca registrada exclusiva da UA- pode não afetar diretamente seu acesso à rede de potenciais aprendizes à distância, mas de fato corrói a reputação da UA como líder no suprimento de material didático para curso de graduação.
A vantagem relativa da UA para atrair o mercado de educação de adultos está também ameaçada. Muitas universidades convencionais hoje incentivam inscrições de alunos mais velhos e oferecem cursos de graduação de meio período. Podem também oferecer alguns atrativos que a UA, devido a seu tamanho e à dispersão geográfica dos alunos, não pode: aulas diárias com a presença de professor, biblioteca universitária, creche e um sentido de comunidade acadêmica, muitas vezes de difícil percepção para os alunos da UA.
Para não ficar atrás, a UA deve ampliar seus meios a fim de se comunicar eficazmente com o sempre disperso corpo discente e para manter seu "perfil" no uso criativo de métodos de ensino. Muitos pensam que os avanços na informática são o caminho para resolver esses dois problemas, e algumas experiências nesse sentido já têm sido feitas. Por exemplo, o uso de correio eletrônico tanto para comunicação informal entre aluno e professor quanto para respostas dadas pelos professores sobre trabalhos escritos; o uso de videoconferência para ministrar aulas a alunos em cidades ou países diferentes; a apresentação de material acadêmico em CD-ROM; até mesmo um piloto de escola virtual de férias foi feito.
Mas em todas essas experiências a UA parece estar tolhida apenas por sua escala: uma vítima, digamos, do próprio sucesso... Instituições menores, com alunos frequentando um campus, não têm necessidade de conectá-los eletronicamente e podem oferecer recursos tais como uso de CD-ROM em computadores montados na própria escola. Equipar todos os alunos da UA com computadores suficientemente sofisticados para receberem toda a nova mídia que a UA venha a precisar adotar seria um passo óbvio, mas a um custo impraticável.
A solução alternativa, que a UA está sendo obrigada a considerar com muito cuidado, seria exigir que todo aluno matriculado compre seu próprio computador. E isso, de certa forma, faz surgir o maior de todos os problemas: computadores são caros, muito caros para os alunos que a UA mais precisa atrair, se pretende manter a reputação sobre a qual se fundou: ser aberta a todos, independentemente de formação educacional e condições econômicas. Encontrar solução para esse problema é uma das mais urgentes tarefas da UA, se quiser adaptar-se a tempo para o século 21.


Ilona Roth é doutora pela Universidade de Oxford (Inglaterra) e docente da Universidade Aberta.
Tradução de Claudia Strauch.



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