São Paulo, domingo, 24 de junho de 2007

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Divórcio aos 30

Mulher sofre mais na hora de recasar

Mulheres tomam mais a iniciativa de pedir o divórcio, mas têm 2 vezes menos chances que os homens de contrair outra união legal

DA SUCURSAL DO RIO

A luta pelo direito de se divorciar esteve na pauta do movimento feminista brasileiro na segunda metade do século 20.
Essa informação se casa perfeitamente com o fato de que parte principalmente das mulheres (em 73% dos casos) a iniciativa de romper a relação, no caso de separações não-consensuais.
No entanto as estatísticas de registro civil do IBGE mostram que são os homens que, no momento de se casar novamente, mais se beneficiam da lei.
Eles têm, em média, duas vezes mais chances de partir para a segunda união legal do que elas.
Essa desigualdade tem explicações culturais e demográficas.
Além de ainda sofrerem mais preconceito e de terem, em 91% dos casos, a responsabilidade de cuidar dos filhos, as mulheres que tentam achar um novo parceiro encontram um mercado matrimonial extremamente injusto para elas.
Pirâmide da solidão
Esse fenômeno foi chamado pela demógrafa Elza Berquó, da Universidade Estadual de Campinas (SP), de "pirâmide da solidão". Em resumo, a pirâmide mostra que, à medida que envelhece, as chances de encontrar um parceiro vão ficando cada vez mais raras para uma mulher.
Até os 30 anos, a onda demográfica lhes é favorável. O percentual de casados dos 20 aos 29 anos é maior para elas (31,7%) do que para eles (21,3%) e há, na população, um excedente de 1,4 milhão de jovens solteiros, viúvos, separados ou divorciados.
A partir dos 30, no entanto, a maré muda e passa a jogar, cada vez mais, a favor dos homens. Dos 30 aos 40 anos, a comparação fica relativamente equilibrada, ainda que ligeiramente favorável a eles.
Nessa faixa etária, 54% dos homens e 55,7% das mulheres estão casados, e o excedente de não-casadas em comparação com os não-casados é de apenas 99 mil.
Dos 40 anos em diante, essa desigualdade se acentua de maneira acelerada.
Dos 40 aos 49, há 882 mil mulheres não-casadas a mais, uma relação de 77 homens livres para um segundo casamento para cada grupo de cem mulheres.
Na faixa etária seguinte (50 a 59), o excedente passa a 1 milhão, e a relação cai para 61 para 100.
No último nível da pirâmide populacional (70 anos ou mais), ela chega à relação de 38 homens livres para 100 mulheres na mesma situação.
Essa injustiça demográfica, causada em boa parte pelo fato de os homens viverem menos e serem mais vítimas de mortes violentas do que as mulheres, é acentuada por padrões comportamentais.

Aceitação social
Em média, eles se casam com mulheres mais novas (em 2005, a média de idade ao casar era de 30 anos para homens e de 27 para mulheres) e diferenças de mais de 20 anos de idade no casal são muito mais aceitas socialmente quando o homem é o mais velho do que no caso contrário.
Em outras palavras, um não-casado que esteja no meio da pirâmide populacional (dos 40 aos 49 anos) tende a olhar sempre para baixo, onde estão 19,9 milhões de mulheres livres entre 20 e 49 anos.
As mulheres dessa mesma faixa, no entanto, têm mais chances de encontrar um parceiro nos níveis acima, ou seja, entre os que têm 40 anos ou mais e não estão casados.
Esses, no entanto, são apenas 6,6 milhões, segundo o último Censo do IBGE.
É por essas razões que, no ano de 2000, para cada grupo de 1.000 viúvos ou divorciados, 32,1 se casaram, enquanto, entre as mulheres, essa relação foi de 10,6 por 1.000.
Para Cláudio Crespo, gerente de estatísticas vitais e estimativas populacionais do IBGE, o peso da guarda dos filhos é um dos principais fatores inibidores do recasamento feminino.
"É a mulher quem toma a iniciativa da separação não-consensual, mas, no final do processo, é ela também que quase sempre fica com a guarda dos filhos. Isso deixa certamente os homens mais livres para tentar uma segunda relação", diz Crespo.
José Eustáquio Alves, pesquisador da Escola Nacional de Ciências Estatísticas do IBGE, acrescenta a essa relação desigual um outro inibidor: devido ao maior avanço das mulheres na educação, quanto mais escolarizada for, menor será a chance de encontrar um homem solteiro com o mesmo nível de instrução.
Isso pode ser verificado quando se compara o percentual de solteiras por nível de escolaridade. Quanto mais anos de estudo tem a mulher, maior a proporção.
"Além disso, a sociedade aceita bem o fato de um homem com doutorado se casar com uma menina com segundo grau. Ele estará exercendo seu papel tradicional numa sociedade machista. Mas a recíproca não é tão bem aceita. Isso está mudando aos poucos, mas ainda é pouco comum a sociedade referendar a união de uma mulher mais velha e escolarizada com um homem mais novo e menos educado."
Alves destaca, no entanto, que não se pode dizer que todas as mulheres não-casadas, especialmente as mais escolarizadas, estejam assim por falta de opção.
Para ele, em muitos casos, a decisão de não se casar novamente ou de não formalizar uma segunda união é uma escolha da mulher, e não uma fatalidade demográfica.

Ônus e bônus
A demógrafa Maria Coleta Oliveira diz que, apesar dessas desigualdades, o divórcio foi também extremamente benéfico para as mulheres.
"Sempre houve um duplo padrão moral vigente. No caso dos homens, valia a liberdade e seu controle sobre as mulheres. Eles podiam, mesmo antes do divórcio, ter duas famílias sem sofrer tanto preconceito por isso. Com a lei do divórcio e a normatização das relações financeiras e da partilha dos bens, as mulheres tiveram reconhecido também seu direito de refazer a vida", diz.
Mas Coleta também afirma que, mesmo com a lei, as mulheres continuam sofrendo mais preconceito no momento de uma segunda união.
"Estou terminando uma pesquisa sobre violência doméstica que mostra que, nas brigas de casais de menor renda, os acordos informais vão muito bem até que um deles arranje um novo companheiro. Quando isso acontece com as mulheres, muitas vezes são terríveis a tentativa de controle e as ameaças de violência por parte do ex-marido."
As novas relações familiares tendem a provocar tensão não apenas entre os mais pobres.
Um estudo de Glaucia Marcondes (Unicamp) com casais de classe média mostra que o primeiro impacto sofrido pelo homem no momento da separação é o medo de se afastar dos filhos, mas os conflitos tendem a crescer quando se recasa com uma mulher que, muitas vezes, já tem filhos de outro casamento.
"O medo inicial dos homens é não ser mais reconhecido como pai. No caso das mulheres, a maior dificuldade que apareceu nas entrevistas foi a de reconstruir a dinâmica familiar na ausência de um homem e de gerenciar os conflitos financeiros e de guarda dos filhos com os ex-maridos", diz Marcondes.
(AG)


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