São Paulo, domingo, 24 de junho de 2007

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"Diziam que ele iria destruir a família"

Ex-senador e deputado federal, Nelson Carneiro foi um dos beneficiados com a emenda e a lei que criou, regulamentando o recasamento

DA SUCURSAL DO RIO

Ainda que não fosse essa a lei da qual ele mais se orgulhava, a carreira política de Nelson Carneiro (1910-96), ex-senador e deputado federal, ficou marcada pela campanha em favor de sua lei do divórcio, finalmente sancionada em 26/12/77, 26 anos depois da apresentação de seu primeiro projeto nesse sentido, em 1951.
O próprio Carneiro, sete anos depois da aprovação da lei, se beneficiaria dela ao se casar pela terceira vez, com sua última mulher, Carmen Carneiro.
Antes de Carmen, o autor da lei do divórcio foi casado por 19 anos com Juracy Gomes de Souza, que morreu em 1957. Após a morte da primeira mulher, o viúvo se uniria legalmente pela segunda vez, por ironia do destino, com uma mulher divorciada.
Maria Luiza Carneiro -que já tinha dois filhos do primeiro casamento e com quem teve mais um- era do Peru, país onde o divórcio já era permitido.
Por encarnar a imagem do principal político a defender o divórcio, Carneiro recebeu apoio de boa parte da sociedade, mas também uma feroz reação da Igreja Católica a suas propostas. Até os filhos acabaram sentindo na pele essa resistência.
"Meu pai era muito querido, mas, dentro da igreja, havia obviamente uma resistência muito grande a ele. Lembro-me de que foi difícil achar um padre para fazer meu casamento e que, ao batizar meu filho, ouvi comentários desagradáveis dos padres que me reconheceram como "o filho daquele homem do divórcio". Bati boca com eles e fiz questão de batizar meu filho na mesma igreja", diz Jorge Monteza, filho do primeiro casamento de Maria Luiza.
Dos três filhos do casal, Laura Carneiro, que seguiu a carreira do pai e é ex-deputada federal, foi a única que fez uso da lei do divórcio. Seus irmãos Jorge e Maria Luiza estão até hoje casados, mas Laura já se divorciou por duas vezes. "Diziam que ele estava querendo destruir a família brasileira, mas a luta dele era justamente em defesa dela."
A última mulher do ex-senador, Carmen, também se recorda dos ataques que ele sofreu antes e depois da aprovação da lei. "Lembro-me de uma entrevista que ele deu para jornalistas defendendo o divórcio, e, no dia seguinte, um dos jornais estampou uma caricatura sua com dois chifres, com a legenda "é um diabo destruindo a família"."

Debates
Nos primeiros anos de sua campanha em favor do divórcio, Carneiro teve como principal rival nos debates o monsenhor Arruda Câmara, padre morto em 1970 que foi eleito deputado federal por Pernambuco pela primeira vez em 1934.
Carneiro não foi o primeiro político a ter lutado pelo divórcio, mas foi, certamente, o que mais atraiu a atenção da sociedade e a reação da igreja na segunda metade do século.
Ele chegou a escrever uma peça de teatro ("O Culpado Foi Você"), comédia que estreou no Rio em 1952 e foi encenada também em outros Estados.
"Quando ele apresentou o primeiro projeto, em 1951, foi um escândalo. Foi chamado de profeta das ruínas e coveiro da família. Arruda Câmara, que era muito ativo, conseguiu rapidamente arregimentar uma parcela da Câmara para se opor ao projeto. O projeto foi derrotado, mas foi ele que deu notoriedade a Nelson Carneiro, que passou a ser convidado para debater o tema em rádios e jornais", afirma a historiadora Tereza Cristina França, que estudou em sua tese de mestrado na Universidade do Estado do Rio de Janeiro a campanha de Carneiro pelo divórcio.
Em seu estudo, a historiadora mostra que, nesse momento, Carneiro chegou a declarar à "Folha da Noite", em 1952, que a vitória de seu projeto estava assegurada quando foi aprovada uma proposta de votação secreta.

Otimismo exagerado
O otimismo, no entanto, foi exagerado, como se viu depois, quando a emenda que modificava o Código Civil foi rejeitada por 116 votos a 89.
Laura Carneiro e Tereza França concordam que a vitória do divórcio anos depois, em plena ditadura militar, se deveu muito também à posição pessoal do presidente Ernesto Geisel, que não era católico (mas, sim, luterano) e aprovava o projeto.
"Quem já foi parlamentar sabe que todo projeto, para ser aprovado, tem que esperar a hora certa para ser apresentado. Meu pai sempre disse que, provavelmente, outro presidente não teria sancionado naquele momento a lei", afirma a ex-deputada e filha de Carneiro.
Apesar de toda a repercussão de sua luta pelo divórcio, Laura conta que a lei que o pai mais se orgulhava de ter aprovado era a dos filhos adulterinos, aprovada em 1949 e que garantia aos filhos tidos fora do casamento o direito à herança e ao reconhecimento da paternidade.
"Essa era a lei de que mais gostava. Olhando em retrospectiva, isso é coerente, já que as bandeiras dele sempre foram em defesa da família, apesar de a igreja acusá-lo do contrário."
(AG)


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