São Paulo, domingo, 24 de junho de 2007

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Leis contra o amor

Mudança dos costumes se encarregou de fazer suas próprias regras, à revelia da aprovação do divórcio

DANUZA LEÃO
COLUNISTA DA FOLHA

Há 30 anos foi assinada a emenda constitucional que inaugurou, digamos assim, o divórcio no Brasil.
Até então, para os que não se lembram, quem se separava se desquitava e, se fosse viver na mesma casa com outra pessoa, se arriscava a perder a guarda dos filhos, já que estaria vivendo em concubinato. As mulheres, claro, pois ainda não havia essa história de os filhos ficarem com o pai.
Veio a lei, com um detalhe curioso: as pessoas poderiam se casar legalmente, mas só mais uma vez. Se o segundo casamento não desse certo e houvesse um terceiro, voltava-se à estaca zero: a união seria considerada concubinato etc. etc.
Por coincidência ou não, foi mais ou menos a partir daí que começou a moda de morar junto sem casar.
Foi boa essa lei? Eu diria que não foi nada, que não resolveu nada, pois os costumes foram mudando e a vida se encarregou de fazer suas próprias leis.
Pela cabeça de quem passaria, hoje, tirar os filhos da guarda da mãe se ela estivesse vivendo com outro homem? Aliás, algumas adorariam que seus "ex" fizessem isso, pois assim elas poderiam namorar bastante.

Papel passado
Mas a chegada do divórcio foi muito celebrada e aplaudida por pessoas de segunda idade, digamos assim, que viviam fora da lei, e que, depois de 20, 30 anos de convívio não-legal, puderam, enfim, se casar. De papel passado, como se dizia.
A primeira providência que tomaram foi trocar suas carteiras de identidade, de motorista, passaporte, talões de cheque, título eleitoral etc., fazendo todos os sacrifícios que a burocracia exigia para poderem ostentar o sobrenome do marido.
Para essas, algo de muito importante; mais importante do que os 20 ou 30 anos que viveram juntos. É que grande parte das mulheres a-do-ra se casar, e já ouvi, de mais de uma, que a maior homenagem que podem receber de um homem é serem pedidas em casamento.
Os mais jovens não ligaram a mínima para a tal da lei, pois cada vez mais eles se "juntam", se não dá certo se separam, se juntam de novo, e assim "la nave va".
Mas eis que inventaram uma nova lei, a da "união estável".

Estabilidade
Agora é assim: se duas pessoas tiverem a tal da união estável, isto é, segundo meu juízo, se transaram mais de dez ou 20 vezes, passam, os dois, a ter os mesmos direitos daqueles que são casadíssimos.
Em caso de separação, o apartamento que o homem (ou a mulher) comprou depois da primeira transa será dividido, e até direito a uma pensão passa a existir. Basta para isso ter algumas testemunhas que assegurem que a união era estável.
Aliás, quem pode explicar, quando se trata de sentimentos, o que é estável?
Muitas vezes o que parece estável para um não é absolutamente estável para o outro, e vai explicar isso para o juiz.
Daí que, para não correr riscos, a partir do momento em que o namoro começa a dar certo, os mais precavidos assinam um papel dizendo que, em caso de separação, abrem mão de qualquer dos privilégios que a lei lhes dá.
Ora, se no calor da paixão um dos dois propõe a assinatura do tal papel, é claro que a relação acaba.
No início, o casamento tinha que ser um só, indissolúvel; aí permitiram que fossem dois, não mais; agora ninguém pode nem namorar em paz, sob o risco de ter que dividir tudo o que possui.
Chego a pensar que as leis são contra o amor; uma boa razão, aliás, para ser contra elas.

DANUZA LEÃO é cronista, autora de "Na Sala com Danuza" (Cia. das Letras), entre outros.


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