São Paulo, domingo, 24 de junho de 2007 |
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Divórcio aos 30 Machismo marcou discursos pró
Parlamentares queriam resgatar estatuto social da "mãe" e da "esposa" e ignoravam revolução sexual
A pressão social pelo divórcio e a conseqüente legalização de milhares de casamentos gerou debates acirrados no Congresso nas décadas de 1950, 60 e 70. FOLHA - Quais eram as principais diferenças entre os discursos divorcista e antidivorcista? DANIELA ARCHANJO - Os parlamentares divorcistas ressaltavam transformações sociais -mas também eram conservadores e não levantavam a bandeira da liberdade sexual, por exemplo. Destacavam o aumento de uniões concubinárias, que a família estaria em crise, que as uniões ilegais acarretavam preconceito contra os filhos, os quais não conseguiam matrícula em escolas religiosas. Os antidivorcistas diziam que o crescimento / acontecia só nos grandes centros, especialmente Rio e São Paulo, e que esses casos não eram um retrato do Brasil. FOLHA - Os divorcistas tinham um discurso conservador no que diz respeito ao papel da mulher? ARCHANJO - Já havia o movimento feminista no Brasil, e o movimento negro também colaborou para a transformação no imaginário, para que se admitisse a diversidade. Era de esperar dos divorcistas algo da luta por igualdade entre homens e mulheres. Mas não: o espaço do Congresso era um espaço com limites ao dizer. FOLHA - O discurso conservador divorcista era uma adaptação ao entorno conservador? ARCHANJO - Nelson Carneiro, por exemplo, usava argumentos diferentes em outros locais. Em comícios, defendia o divórcio como direito da mulher, pedindo mais igualdade. No Congresso, o argumento era devolver à mulher concubinária o estatuto de esposa e mãe. / Arruda Câmara acusava Carneiro de ter duas caras: no Congresso, evitava falar em divórcio, e alguns de seus projetos tratavam, em vez disso, de anulação do casamento; fora do plenário, falava abertamente em divórcio. FOLHA - Como evoluiu o equilíbrio de forças divorcistas e antidivorcistas até a emenda nø 9? ARCHANJO - Em 1951, foi apresentado o primeiro projeto divorcista de Nelson Carneiro. Nas décadas de 50 e 60, havia um predomínio de espaço para a tese antidivórcio. Em 1970, há um corte nisso, os divorcistas começaram a ganhar mais espaço -há aplausos nos discursos, quem fala mal de Carneiro começa a ser vaiado. Uma hipótese para explicar essa mudança é a morte de Arruda Câmara /, principal nome da luta antidivorcista. Também na década de 70, aparece nos discursos uma maior participação popular -o presidente da mesa, por exemplo, pedia silêncio nas galerias durante tais discussões. FOLHA - Em dezembro de 1977, a lei passou a admitir o divórcio, mas a pessoa não se poderia divorciar pela segunda vez. Isso não contraria a lógica divorcista? ARCHANJO - Isso já mostra o conservadorismo: era medo de que houvesse bandalheira. Citavam-se artistas norte-americanos que se divorciavam várias vezes como mau exemplo. FOLHA - O discurso aberto pela igualdade de gênero era raro? ARCHANJO - Nos debates estudados, não existe. / Orlando Gomes, em seu projeto de código civil, havia proposto que não há uma chefia na família, mas sim uma igualdade na relação homem-mulher; Arruda Câmara respondeu argumentando que toda organização precisa de um chefe -e, na família, o chefe tem de ser o homem. FOLHA - Havia discurso que tirasse a posição central da família na sociedade, que falasse em ser independente? ARCHANJO - Não. Nem nas cartas citadas pelos divorcistas aparecia. O que havia de ambos os lados era a preocupação com que a mulher fosse "passar de mão em mão". FOLHA - Como as mulheres parlamentares respondiam a isso? ARCHANJO - Havia pouca participação delas no debate, e era igual à dos homens. Em 29/4/66, Necy Novaes criticou o projeto de Orlando Gomes dizendo: "Nunca soube de esposa ou mãe brasileira que deseje ser superior ao seu marido, ser independente; pelo contrário, ela procura no marido verdadeiro amigo, porque fora dele não existe amparo". FOLHA - Não se falava em termos de "acabar o amor"? ARCHANJO - Sim. Havia a discussão sobre qual era a base do casamento. Nos estudos religiosos, o fim primordial do casamento era a procriação; isso muda um pouco com o Concílio Vaticano 2ø /, com a valorização do amor conjugal. Os divorcistas usam muito o amor como base do casamento, respondendo com argumentos como "o homem não pode juntar o que Deus já separou", quando acabou o amor. FOLHA - Havia divisão na Igreja Católica a respeito? ARCHANJO - Dá para notar por exemplos como o do padre Bezerra de Melo, parlamentar que defendia o divórcio argumentando que, para a igreja, o casamento civil não tem valor. Se a igreja não reconhece o civil, não há implicação religiosa. Mas ele foi muito criticado pelos antidivorcistas, como alguém que desrespeitava a hierarquia católica. A deputada Lygia Lessa Bastos, que votou a favor do divórcio, foi questionada num debate: "Eu a vi na missa. Como a sra., católica, defende o divórcio?". Ela respondeu em nome do direito de reconstruir famílias. FOLHA - O movimento divorcista era um movimento feminino? ARCHANJO - Os antidivorcistas diziam: "Nelson Carneiro fica trazendo as desquitadas de Copacabana para fazer campanha". Havia o apoio de mulheres, que faziam reuniões, eram grupos de mulheres. Mas elas não tinham voz direta no Congresso e não tinham ligação com o feminismo. FOLHA - Qual era a participação do Executivo na discussão? ARCHANJO - Não dizia sim nem não. Geisel era luterano; como os luteranos eram a favor do divórcio, divulgava-se que ele seria a favor. Especialmente na década de 70, houve críticas dos antidivorcistas a essas interpretações da imprensa e sua campanha aberta pró-divórcio, que usaria dados mentirosos. Texto Anterior: Leis contra o amor Próximo Texto: Sarney votou a favor; Itamar e Tancredo, contra Índice |
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