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A TV tupi
Criação de uma rede pública de televisão no Brasil, a partir dos modelos da BBC ou
RAI, esbarra no controle do Executivo
e no
excesso de pretensão
MARCELO TAS
ESPECIAL PARA A FOLHA
V
ocês querem a BBC? No
Brasil, somos colocados
quase que diariamente
diante da dúvida: será que vamos sair do buraco ou cada vez
mais estamos acelerando em
direção ao fundo dele?
Essa dúvida bipolar me paralisou quando o ministro das
Comunicações, Hélio Costa,
apareceu para anunciar a rede
pública de TV brasileira.
"Sensacional", pensei. Mas
depois notei que o nome do
projeto era "TV Pública do Poder Executivo".
O ministro Costa argumentou que o presidente tem dificuldades para "mostrar suas
idéias" nos canais privados. O
colega dele, Tarso Genro, recém-empossado na pasta da
Justiça, do alto dos seus bigodes ralos, completou a justificativa: falta "liberdade de circulação de opiniões".
Ora, todos sabemos que o lugar menos adequado para uma
circulação livre de opiniões é
justamente um veículo de comunicação controlado pelo governo. Ou alguém acredita que
os cubanos podem circular
suas opiniões no jornal "Granma"? "TV Pública do Poder
Executivo" é um projeto que se
autodesfaz no próprio nome.
Ou a TV é pública ou é do Poder
Executivo.
Faísca
A iniciativa do ministro Costa suscitou uma série de editoriais, artigos e debates, mostrando que o assunto realmente importa.
Será que essa faísca, disparada neste momento de gigantesca mudança tecnológica, não é
uma oportunidade histórica
para discutirmos como aperfeiçoar o embrião de TV pública,
iniciado pela TV Cultura de São
Paulo e depois espalhado numa
frágil rede de emissoras pelo
Brasil?
Depois de ser levado às cordas pelo bombardeio de críticas, o ministro Costa retomou a
argumentação sugerindo como
modelo a BBC inglesa.
Ok, excelente ponto de partida. Porém acreditar na possibilidade de uma BBC brasileira,
com o nível pífio do debate
atual, é o mesmo que acreditar
que seremos capazes de produzir um grande vinho francês
Bordeaux, digamos um Grand
Cru Château Latour, nos vinhedos de Jundiaí, dentro de três
ou 30 anos.
A BBC -British Broadcast
Corporation- existe há 87
anos. É resultado de um longo e
constante processo de pressão
e articulação de forças entre governo e vetores da sociedade
britânica. Já foi submetida a
duros testes de independência.
Até Winston Churchill e Margaret Thatcher já tentaram interferir na linha editorial da
BBC, sem sucesso.
A velha Auntie (a tia), como a
BBC é carinhosamente tratada
por seus telespectadores, sobreviveu respondendo com aumento de eficiência e excelência de programação.
Na última terça-feira, o ministro Luiz Dulci, da Secretaria
Geral da Presidência da República, me deixa novamente em
dúvida bipolar. No programa
"Observatório da Imprensa"
(TVE-RJ), declara preferência
pelo modelo da RAI italiana.
Justificativa: "Quem indica o
diretor de programação da RAI
é o primeiro-ministro, que foi
eleito pelo povo".
O raciocínio do ministro parece nos dizer que essa é uma
forma democrática de a sociedade participar da TV pública.
Acreditar nessa tese seria o
mesmo que acreditar que foi a
sociedade, e não o PMDB e aliados, que escolheu o novo ministério do presidente Lula.
Nelson Motta também abordou o assunto em sua coluna na
Folha (16/3). Motta simplesmente pede o fim das TVs públicas sob o argumento de que
elas teriam audiências que "somadas, não chegam a um ponto
de "share'".
Que o querido Nelson me
acompanhe no replay a seguir.
União de forças
Na década de 1970, num encontro de forças inédito, a TV
Globo e a TV Cultura de São
Paulo se uniram para produzir
a versão brasileira do seriado
norte-americano "Vila Sésamo", então apresentado na TV
pública americana. Foi um
marco da teledramaturgia infantil, um retumbante sucesso
de público e crítica.
Em 1990, no auge da era Xuxa, estreou "Rá-Tim-Bum", na
TV Cultura. Em três meses, o
seriado empatava em audiência
com a loira da Globo. A série virou referência, ganhou prêmios
internacionais e mudou a cara
da TV infantil brasileira.
"Castelo Rá-Tim-Bum", a seqüência, estreou em 1995 e é
reapresentada até hoje com altos índices de audiência.
Aliás, na semana em que Nelson Motta publicou sua coluna,
a faixa infantil vespertina da
TV Cultura, mesmo combalida
por reprises, chegou a 2,5 pontos de média. Atrás apenas de
Globo, Record e SBT.
Mas talvez o melhor modelo
para a rede pública de TV do
Brasil deva ser aquele que os
jardineiros ingleses recomendam para a obtenção de um excelente gramado: plantar e cuidar bem durante uns cem anos.
MARCELO TAS é jornalista, autor e diretor de
TV. Participou da criação das séries "Rá-Tim-Bum" e "Castelo Rá-Tim-Bum", além do "Telecurso 2000" (Fundação Roberto Marinho/Canal
Futura).
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