São Paulo, domingo, 25 de março de 2007

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A TV tupi

Criação de uma rede pública de televisão no Brasil, a partir dos modelos da BBC ou RAI, esbarra no controle do Executivo e no excesso de pretensão

MARCELO TAS
ESPECIAL PARA A FOLHA

V ocês querem a BBC? No Brasil, somos colocados quase que diariamente diante da dúvida: será que vamos sair do buraco ou cada vez mais estamos acelerando em direção ao fundo dele? Essa dúvida bipolar me paralisou quando o ministro das Comunicações, Hélio Costa, apareceu para anunciar a rede pública de TV brasileira.
"Sensacional", pensei. Mas depois notei que o nome do projeto era "TV Pública do Poder Executivo". O ministro Costa argumentou que o presidente tem dificuldades para "mostrar suas idéias" nos canais privados. O colega dele, Tarso Genro, recém-empossado na pasta da Justiça, do alto dos seus bigodes ralos, completou a justificativa: falta "liberdade de circulação de opiniões".
Ora, todos sabemos que o lugar menos adequado para uma circulação livre de opiniões é justamente um veículo de comunicação controlado pelo governo. Ou alguém acredita que os cubanos podem circular suas opiniões no jornal "Granma"? "TV Pública do Poder Executivo" é um projeto que se autodesfaz no próprio nome. Ou a TV é pública ou é do Poder Executivo.

Faísca
A iniciativa do ministro Costa suscitou uma série de editoriais, artigos e debates, mostrando que o assunto realmente importa. Será que essa faísca, disparada neste momento de gigantesca mudança tecnológica, não é uma oportunidade histórica para discutirmos como aperfeiçoar o embrião de TV pública, iniciado pela TV Cultura de São Paulo e depois espalhado numa frágil rede de emissoras pelo Brasil?
Depois de ser levado às cordas pelo bombardeio de críticas, o ministro Costa retomou a argumentação sugerindo como modelo a BBC inglesa. Ok, excelente ponto de partida. Porém acreditar na possibilidade de uma BBC brasileira, com o nível pífio do debate atual, é o mesmo que acreditar que seremos capazes de produzir um grande vinho francês Bordeaux, digamos um Grand Cru Château Latour, nos vinhedos de Jundiaí, dentro de três ou 30 anos.
A BBC -British Broadcast Corporation- existe há 87 anos. É resultado de um longo e constante processo de pressão e articulação de forças entre governo e vetores da sociedade britânica. Já foi submetida a duros testes de independência. Até Winston Churchill e Margaret Thatcher já tentaram interferir na linha editorial da BBC, sem sucesso.
A velha Auntie (a tia), como a BBC é carinhosamente tratada por seus telespectadores, sobreviveu respondendo com aumento de eficiência e excelência de programação. Na última terça-feira, o ministro Luiz Dulci, da Secretaria Geral da Presidência da República, me deixa novamente em dúvida bipolar. No programa "Observatório da Imprensa" (TVE-RJ), declara preferência pelo modelo da RAI italiana. Justificativa: "Quem indica o diretor de programação da RAI é o primeiro-ministro, que foi eleito pelo povo".
O raciocínio do ministro parece nos dizer que essa é uma forma democrática de a sociedade participar da TV pública. Acreditar nessa tese seria o mesmo que acreditar que foi a sociedade, e não o PMDB e aliados, que escolheu o novo ministério do presidente Lula. Nelson Motta também abordou o assunto em sua coluna na Folha (16/3). Motta simplesmente pede o fim das TVs públicas sob o argumento de que elas teriam audiências que "somadas, não chegam a um ponto de "share'". Que o querido Nelson me acompanhe no replay a seguir.

União de forças
Na década de 1970, num encontro de forças inédito, a TV Globo e a TV Cultura de São Paulo se uniram para produzir a versão brasileira do seriado norte-americano "Vila Sésamo", então apresentado na TV pública americana. Foi um marco da teledramaturgia infantil, um retumbante sucesso de público e crítica. Em 1990, no auge da era Xuxa, estreou "Rá-Tim-Bum", na TV Cultura. Em três meses, o seriado empatava em audiência com a loira da Globo. A série virou referência, ganhou prêmios internacionais e mudou a cara da TV infantil brasileira.
"Castelo Rá-Tim-Bum", a seqüência, estreou em 1995 e é reapresentada até hoje com altos índices de audiência. Aliás, na semana em que Nelson Motta publicou sua coluna, a faixa infantil vespertina da TV Cultura, mesmo combalida por reprises, chegou a 2,5 pontos de média. Atrás apenas de Globo, Record e SBT.
Mas talvez o melhor modelo para a rede pública de TV do Brasil deva ser aquele que os jardineiros ingleses recomendam para a obtenção de um excelente gramado: plantar e cuidar bem durante uns cem anos.


MARCELO TAS é jornalista, autor e diretor de TV. Participou da criação das séries "Rá-Tim-Bum" e "Castelo Rá-Tim-Bum", além do "Telecurso 2000" (Fundação Roberto Marinho/Canal Futura).


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