São Paulo, domingo, 25 de junho de 2006

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Em "Brás Cubas em Três Versões", Alfredo Bosi volta a estudar a obra de Machado de Assis

O eterno retorno

ADRIANO SCHWARTZ
ESPECIAL PARA A FOLHA

A produção de Machado de Assis se tornou, nos últimos anos, um dos temas centrais de Alfredo Bosi, como atestam seus cursos de pós-graduação na USP, o volume dedicado ao autor da série "Folha Explica" (2003) e os livros "O Enigma do Olhar" (Ática, 1999) e este "Brás Cubas em Três Versões". Nele, o crítico reúne três ensaios: o que dá título à obra, "O Teatro Político nas Crônicas de Machado de Assis" e "Raymundo Faoro Leitor de Machado". No inicial, estuda como três diferentes linhagens explicaram o "bizarro narrador" do romance em que o escritor começa a utilizar o foco narrativo em primeira pessoa, associando a presença "física" do protagonista nos acontecimentos que descreve ao fato "sui generis" de que quem ali contava a própria história era um "defunto autor": 1) A versão "construtiva", que destaca a ligação do texto com a tradição da sátira-menipéia e seus jogos intertextuais; 2) a versão "expressiva", na qual sobressai a preocupação com o humor machadiano, "misto de galhofa e melancolia", sua compreensão do "barro humano" e seus vínculos com a tradição dos moralistas; e 3) a versão "mimética", cujo propósito é compreender a representação dos tipos sociais e desnudar na ficção a estrutura da sociedade brasileira no século 19. Ainda que defenda que a interpretação só adquire "força e pleno sentido" quando os caminhos são relacionados, o autor não esconde como julga especialmente relevante o segundo deles, percepção que os dois ensaios seguintes comprova.

Visada satírica
Em "O Teatro Político nas Crônicas de Machado de Assis", Bosi analisa várias peças jornalísticas do escritor para demarcar os limites da visada satírica e a preponderância de seu moralismo cético: "A política reforça, como instrumento global que é, as tendências defensivas e agressivas de cada indivíduo que entra no seu palco. Como construir uma república equitativa a partir de indivíduos centrados em seus interesses próprios?". Já em "Raymundo Faoro Leitor de Machado", sublinha o valor de "A Pirâmide e o Trapézio", apontando como o cientista político conseguiu, em sua investigação, aliar a análise tipológica a uma outra dimensão: "A compreensão do nexo escritor-sociedade vista do lado do olhar, e não do puro quadro empírico; vista do lado da reflexão, e não do puro reflexo". Como se percebe pela citação acima, ao mesmo tempo em que ressalta a aplicação de um ponto de vista sociológico à obra de Machado de Assis, Bosi também dá seguimento, neste livro, a uma antiga e importante polêmica que mantém com o principal representante dessa corrente, Roberto Schwarz -com ênfase, neste caso, na validade de pensar o Brasil do século 19 a partir de suas "idéias fora do lugar". Vale a pena notar, por fim, que, das três linhagens muito resumidamente apresentadas no espaço limitado desta resenha, os ensaios acabam se detendo com mais atenção nas duas últimas, na disputa "Machado nacional" x "Machado universal", deixando um pouco de lado a primeira, supostamente "formalista", que foge da questão e tem recentemente, com o instrumental de uma série de teorias da narrativa, ampliado de modo significativo a compreensão dos romances e contos do criador de "Memórias Póstumas de Brás Cubas" e "Dom Casmurro".


Adriano Schwartz é professor de literatura na Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP e autor de "O Abismo Invertido - Pessoa, Borges e A Inquietude do Romance em "O Ano da Morte de Ricardo Reis"" (editora Globo).
BRÁS CUBAS EM TRÊS VERSÕES
Autor: Alfredo Bosi Editora: Companhia das Letras Quanto: R$ 33,50 (144 págs.)
NA INTERNET - Leia trecho www.folha.com.br/061734


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