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Conversa
Em nova obra, Silviano Santiago reúne ensaios sobre
Clarice Lispector,
Oswald de Andrade
e Lévi-Strauss
JOHN GLEDSON
ESPECIAL PARA A FOLHA
Esta coletânea variada
de ensaios publicados
nos últimos 15 anos,
muitos bastante recentes, trata sobretudo, embora não exclusivamente, de assuntos literários brasileiros. Vão desde uma substanciosa introdução à poesia de
Carlos Drummond de Andrade, escrita para a edição de sua
"Poesia Completa", a introduções curtas a romances como
"Iracema" ou "Enquanto Agonizo", de Faulkner, publicadas
originariamente neste jornal.
O título do livro, tomado de
um ensaio sobre as cartas de
Mário de Andrade, o maior
exemplo de "puxar conversa"
da literatura brasileira, dá uma
idéia da atitude que caracteriza
muitos dos ensaios -um desejo de atrair o leitor para a exploração dos textos analisados.
Isso não significa que os ensaios sejam necessariamente
de fácil leitura; mas, quando
exigem esforço e paciência,
sempre compensam.
Melhor que ler o livro de capa a capa é ler os ensaios sobre
Oswald de Andrade, Clarice
Lispector, Lygia Fagundes Telles, Nabokov, Pero Vaz Caminha, Monteiro Lobato, Lévi-Strauss, Elizabeth Bishop, Manuel Puig e outros independentemente; sempre iluminam os
assuntos sob discussão e sempre dão vontade de continuar a
conversa.
Sem parti pris
Não há parti pris, a não ser o
da literatura em si -se Silviano
argumenta (com razão) que as
referências históricas em "Um
Moço Muito Branco", história
de "Tutaméia", de Guimarães
Rosa, são mais para despistar
do que para fornecer a chave da
interpretação, isso não o impede de interessar-se por textos
que nem são "literatura", como
as cartas de Drummond e Mário, ou pelo contexto ideológico
dos ensaios de Oswald, em
"Ponta de Lança", ou a tolerância racial do mesmo, exemplificada numa frase de uma entrevista dada, em 1942, à revista
"Diretrizes": "[O Brasil] precisa
amulatar-se".
Com tanta variedade e pouco
espaço, vamos escolher dois
dos ensaios mais substanciosos
e longos. Um sobre Clarice, que
é, em certo sentido, uma análise literária tradicional.
Outro sobre "Tristes Trópicos", cujo âmbito é mais ideológico e histórico-geográfico, digamos. Veremos que, apesar da
distância que os separa, têm aspectos em comum, até na sua
própria estrutura.
O ensaio sobre Clarice trata
só de textos curtos, de uma carta de Lúcio Cardoso a "Seco Estudo de Cavalos", extraordinária peça curta de "Onde Estivestes de Noite", além de trechos de crônicas sobre animais
(uma sobre um filhote de baleia
encalhado na praia do Leme).
Amor e ódio
Termina com um dos contos
mais chocantes e misteriosos
da autora, onde amor e ódio parecem inseparáveis, "O Búfalo", última peça de "Laços de
Família". Santiago nos leva, como indica o título do ensaio, ao
longo de um "bestiário" e mostra a função que desempenham
esses vários animais no mundo
imaginário de Clarice.
Mas isso não se pode fazer
mecanicamente -sobretudo
não podemos separar essas figuras de conceitos mais abstratos -como "solidão", "liberdade", "felicidade", "medo" ou
"gozo"- ou das idéias iluminadoras de pensadores como
Hobbes ou Barthes ou do evolucionismo darwiniano.
O resultado é um ensaio que
deve ser lido e relido -como
diz Santiago na última nota, ele
"espera que a estratégia de leitura [....] tenha ficado clara".
Com uma autora da "densidade
autobiográfica" de Clarice (e,
podemos acrescentar, em que
os desníveis entre linguagem
concreta e abstrata são tão
grandes e contínuos), esse tipo
de análise cuidadosa se faz imperativa.
Diz Santiago que "sobram sugestões, faltam pesquisa e análise" -como noutras áreas da
literatura brasileira, poderíamos acrescentar. Mas podia ter
dito também que, sem as sugestões e a abertura e delicadeza
de ensaios como este, sobram
pesquisa e análise.
A hibridez de "Tristes Trópicos", livro de viagens factual,
especulativo e filosófico, atrai
Santiago, nessa como noutras
esferas -este ensaio vai fazer
parte de um díptico, com outro
sobre a viagem de Antonin Artaud ao México, assunto de um
dos romances do autor, "Viagem ao México" (1995).
Deleita-se com alguns dos
paradoxos do livro -as palavras de abertura do capítulo sobre São Paulo, por exemplo, em
que Lévi-Strauss cita um "espírito malicioso", que define a
América como "uma terra que
passou da barbárie à decadência sem conhecer a civilização".
Num paralelo brilhante, Santiago nos leva ao paradoxo de
Zenão, na versão formulada
por Borges e reinterpretado
por ele, de Aquiles (o Novo
Mundo) que não consegue ultrapassar a tartaruga (a Europa); a insistência estranha
-perversa?- de que a cidade
de Nova York não encontra sua
medida nos homens que a
construíram (como as cidades
européias), mas numa paisagem, "um objeto cultural
(re)construído pelos princípios
da natureza".
O espaço "entre"
Quando nos deslocamos para
a relação de Lévi-Strauss com
pensadores como Derrida, Lévinas ou até Rousseau e Voltaire, continua sendo difícil definir posições e oposições.
O escritor -preso numa viagem que talvez fosse simples
produto do acaso, de um telefonema oferecendo-lhe um posto
na incipiente Universidade de
São Paulo, cidade supostamente rodeada de aldeias índias onde o etnógrafo encontraria farto material para as suas pesquisas- acaba ficando, como diz
Santiago, "num espaço entre",
"aquém do pensamento e além
da sociedade" -espaço, poderíamos acrescentar, que Clarice
habita do seu jeito.
São essas áreas difíceis e instáveis em que os ensaios mais
ambiciosos deste livro nos convidam a instalar-nos, a sentar,
ler com cuidado e continuar a
conversa.
JOHN GLEDSON é professor aposentado da
Universidade de Liverpool (Inglaterra) e autor
de "Machado de Assis - Ficção e História" (ed.
Paz e Terra), entre outros.
ORA (DIREIS)
PUXAR CONVERSA!
Autor: Silviano Santiago
Editora: UFMG (tel. 0/xx/31/3499-4657)
Quanto: R$ 57 (376 págs.)
NA INTERNET - Leia trecho
www.folha.com.br/061735
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