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+ livros
Aventuras da história
Pensador
francês central
no século 20,
Merleau-Ponty
tem três obras
publicadas
no Brasil
BENTO PRADO JR.
ESPECIAL PARA A FOLHA
Após a publicação
das traduções de "O
Visível e o Invisível" e de "A Fenomenologia da Percepção", o leitor brasileiro tem
agora acesso direto a três novos
livros de Merleau-Ponty: "A
Estrutura do Comportamento"
(1942), "As Aventuras da Dialética" (1955) e "Psicologia e Pedagogia da Criança" (aulas de
1949-1952, publicadas apenas
em 2001).
Sem dispormos ainda da totalidade da obra de um dos
maiores filósofos franceses do
século 20, ao lado de Bergson e
de Sartre, já temos à mão uma
importante parte dela, muito
mais do que o suficiente para
nos introduzirmos nesse pensamento cuja originalidade e
cujo excepcional alcance são
cada vez mais visíveis, a despeito das brumas que obscurecem,
com a crescente escolarização
da filosofia, o debate contemporâneo.
Os três livros agora traduzidos marcam o início de seu itinerário filosófico e a "virada"
que, no início da década de 50,
o levaria a uma reformulação
dos conceitos de natureza e de
história e a uma nova concepção da "ontologia" -que podemos vislumbrar em sua última
obra, inacabada em razão de
sua morte precoce: "O Visível e
o Invisível".
Novos instrumentos
De um lado, em "Psicologia e
Pedagogia da Criança", Merleau-Ponty retoma a reflexão
de "A Estrutura do Comportamento", sua primeira obra
-que apontava para uma saída
fenomenológica para a oscilação da psicologia entre o criticismo e o naturalismo-, lançando mão de novos instrumentos (como o do "estruturalismo" a contrapelo de sua versão "ideológica" que se impunha então na França).
Sua interpretação da fenomenologia começava a afastar-se do estilo de uma "filosofia da
consciência", permitindo-lhe a
descoberta dos "intermundos"
que não remetem ao sujeito ou
ao objeto, mas ao "quiasma"
que precede essa oposição.
No fundo, e contra Heidegger, o "télos" do pensamento de
Merleau-Ponty se encontra na
idéia de uma ontologia "negativa", em que o ser só pode ser dito por um "lógos indireto" e em
que a "physis" (recorrendo à
idéia de natureza de Whitehead) não se opõe à subjetividade como objeto puro.
O outro lado dessa metamorfose da idéia de natureza se
mostra em "As Aventuras da
Dialética", em que Merleau-Ponty desfaz os equívocos
opostos e simétricos da reflexão dominante sobre a política
e a história.
Nosso ponto de partida não
mais é a aparente tensão entre
criticismo e naturalismo e a
surpreendente cumplicidade
que os une: parte-se aqui do
fundo comum (a ser demolido)
partilhado pelo "ultrabolchevismo" de Sartre e o "liberalismo" de Alain e Max Weber.
Em livro anterior, "Humanismo e Terror", Merleau-Ponty ainda guardava uma concepção dialético-positiva da
história, que lhe permitia justificar o argumento da "culpabilidade objetiva" das vítimas dos
processos de Moscou.
É bem essa "política da razão", já atacada por Alain, que é
o alvo principal das "Aventuras
da Dialética" -ou seja, uma política que supõe transparência
perfeita do processo histórico,
animado por uma teleologia
que dissolve todas as ambigüidades da experiência e do juízo
político.
Mas tal crítica não o coloca
na posição de Alain ou de Weber: não é por abandonar a dialética da razão que somos obrigados a optar pela tópica do entendimento ou pela clara oposição entre convicção e responsabilidade ou entre escolha livre e análise "científico-objetiva" da situação histórica.
Natureza e história
Aliás, ambos os lados, natureza e história, estão mais ligados do que parece. Logo no início do primeiro capítulo de "As
Aventuras da Dialética", Merleau-Ponty mostra como, com
Weber, nossas relações com a
história permaneceriam, sem
refazermos a filosofia, idênticas a nossas relações com a natureza: com efeito, a idéia dos
"tipos ideais" não nos coloca
num terreno diferente daquele
da bipartição diltheyana entre
"erklären" (explicar) e "verstehen" (compreender) e do "criticismo" que a subtende. "Criticismo" também subjacente ao
"melhor marxismo" do século
20 -também impregnado de
Weber- de que é necessário
que nos desvencilhemos.
Meio século depois de sua
publicação, "As Aventuras da
Dialética" não manteve apenas
uma surpreendente atualidade;
mais que isso, mostra como antecipava, "independentemente
da consciência do autor", o núcleo oculto do debate contemporâneo sobre filosofia e política. Não porque, afastando-se
do seu anterior "marxismo de
espera", decrete o fim da oposição entre esquerda e direita,
antecipando a vulgaridade da
ideologia dos dias de hoje.
Pelo contrário, continua a reservar seu lugar à "negatividade", sem a qual nos tornaríamos irresponsáveis conservadores. O essencial do livro, tanto no nível da política como no
da filosofia, reside na sua antecipação do fim do stalinismo e
na necessidade de repensar a
esquerda, para mantê-la viva.
Para fazê-lo, parece não haver outro caminho senão repensar as idéias de natureza e
de história, colocando-as para
além das alternativas do idealismo e do naturalismo assim
como dos pragmatismos simétricos do neoliberalismo e do
pseudo-revolucionarismo,
num passo indispensável à retomada da ação crítica.
BENTO PRADO JR. é professor de filosofia na
Universidade Federal de São Carlos (SP) e professor emérito da USP. É autor de "Alguns Ensaios" (ed. Paz e Terra), entre outros livros.
A ESTRUTURA
DO COMPORTAMENTO
Autor: Maurice Merleau-Ponty
Tradução: Márcia Valéria Martinez
de Aguiar
Editora: Martins Fontes
Quanto: R$ 42,50 (376 págs.)
AS AVENTURAS DA DIALÉTICA
Autor: Maurice Merleau-Ponty
Tradução: Claudia Berliner
Editora: Martins Fontes
Quanto: R$ 42,50 (322 págs.)
PSICOLOGIA E PEDAGOGIA DA
CRIANÇA
Autor: Maurice Merleau-Ponty
Tradução: Ivone C. Benedetti
Editora: Martins Fontes
Quanto: R$ 64 (584 págs.)
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