São Paulo, domingo, 26 de março de 2000


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+ poesia
Escritores eslovenos vêm ao Brasil falar da literatura e da situação de seu país
A nação dos suicidas

Anelito de Oliveira
especial para a Folha

No ano em que comemora dez anos de separação da Iugoslávia, a Eslovênia, pequeno país do Leste europeu com apenas 2 milhões de habitantes, está buscando integrar-se ao mundo por meio, também, da difusão de sua literatura em outras línguas e intercâmbio com autores de outros países.
A primeira antologia de poesia eslovena em português de Portugal saiu no ano passado em número especial da revista "L.S." ("Litterae Slovenicae"), publicação da Associação de Escritores da Eslovênia. "Nove Poetas Eslovenos Contemporâneos", em tradução de uma equipe de eslovenos, apresenta autores nascidos do fim dos anos 20 ao início dos anos 60.
De 27 de abril a 10 de maio, três dos poetas que participam dessa antologia estarão visitando o Brasil, acompanhados de dois prosadores e dois tradutores. A comissão pretende manter contato com pessoas do meio cultural e realizar leitura de seus trabalhos em São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Salvador.
Organizador da turnê, o poeta Brane Mozetic, 42, comenta a seguir o cenário cultural da Eslovênia, relembra a apreensão vivida naquele país durante as últimas guerras no Leste europeu e denuncia o processo autodestrutivo por que estão passando os eslovenos: "Em número de suicídio, acho que estamos na liderança entre as nações".

Por que o interesse em conhecer o Brasil? O sr. vê alguma semelhança entre Brasil e Eslovênia?
Não há tantas semelhanças entre Brasil e Eslovênia. O Brasil é um país grande, com 155 milhões de habitantes, com muitas diferenças, com história e cultura muito diferentes. A Eslovênia é pequena, apenas 2 milhões de habitantes, com uma longa, mas muito tumultuada, história -está no caminho do oeste para o leste, da Europa para a Ásia. Nossa nação, tão pequena, tornou-se independente há apenas dez anos. Antes morávamos em diferentes países.
Primeiro, por muitos anos, na monarquia austro-húngara, depois, de 1918 para cá, na Iugoslávia; primeiro com o rei, após a Segunda Guerra Mundial, com o presidente Tito e a festa comunista. Estamos mais abertos agora e queremos saber mais sobre outros países, outras culturas. Por isso vamos ao Brasil, começar uma troca, aprender mutuamente.

Os srs. conhecem alguns poetas ou escritores brasileiros? O que pensam sobre essa produção?
O escritor mais conhecido aqui é, naturalmente, Paulo Coelho. Temos quatro ou cinco de suas novelas traduzidas. Ele já visitou a Eslovênia três vezes. E o mais importante é que sua última novela, "Veronika Decide Morrer", é situada na Eslovênia, na capital Liubliana. Quem quiser saber mais sobre a Eslovênia tem que ler esse livro. Coelho diz muitas coisas sobre o país, bem como sobre nossa história e cultura -especialmente sobre nosso grandioso poeta romântico France Preseren (primeira metade do século 19). Veronika quer morrer, tenta suicidar-se: isso é muito familiar à nossa nação.
Acho que estamos na frente das nações com o maior número de suicidas. Trata-se de um país muito autodestrutivo, com grande quantidade de suicidas e grande incidência de alcoolismo. Entre outros autores, temos três novelas de Jorge Amado e um pequeno número de poemas de Carlos Drummond de Andrade, Gilberto Mendonça Telles e Hilda Hilst. Acho que também será publicada uma novela de Clarice Lispector. Não sabemos de outros autores e gostaríamos de saber. Por outro lado, acho que não há traduções de literatura eslovena no Brasil.

O sr. poderia falar um pouco sobre as raízes culturais eslovenas e sobre o relacionamento entre a Eslovênia e outros países do Leste europeu?
Nossa nação teve seu primeiro Estado independente há 1.400 anos, mas não por muito tempo. Do século 8º ao 20 vivemos sob o domínio dos alemães, motivo pelo qual nossa cultura é muito parecida com a deles. O que salvou nossa identidade, durante esse domínio, foi nossa língua e, claro, nossa literatura.
Como país católico, tivemos nossa primeira tradução da Bíblia no século 16. Poderíamos falar de Eslovênia na literatura a partir do século 18, quando escritores eslovenos entraram em contato com escritores alemães, mas escrevendo em esloveno. Por essa razão, foram muito importantes, pois a identidade nacional permanece viva por meio da literatura, não através da política ou da classe superior.
Na Iugoslávia, tivemos muitos contatos com outras nações e línguas dos Bálcãs. Em contrapartida, ninguém conhece a Eslovênia e a cultura eslovena porque eram algo insignificante e a força da cultura sérvia era enorme. Hoje queremos apresentar nosso país e nossa cultura. Há uma grande quantidade de pessoas que confunde Eslovênia com Eslováquia, também um novo país, mas que não se situava na Iugoslávia, era uma parte da Tcheco-Eslováquia.

Como está a cultura eslovena hoje, o que acontece no dia-a-dia, quais são as principais tendências em literatura, música, teatro etc.?
A cultura eslovena sempre esteve voltada pa°ra o Oeste europeu. Mesmo no tempo do "comunismo", éramos o país mais livre do Leste. Realmente, tivemos dissidências políticas, havia censura, mas não tão rigorosa. De qualquer maneira, nossa cultura e também a literatura tiveram um papel muito importante, que foi o de salvar a identidade nacional. Depois, alguns papéis políticos -ou a literatura refletiu idéias socialistas ou contradisse o regime comunista.
Com a democratização da sociedade, também a cultura e a literatura perderam todos esses papéis. Tornou-se menos importante, menos ideológica e mais literatura apenas. Temos exemplos de todos os grandiosos estilos modernistas, do futurismo ao surrealismo, do existencialismo ao pós-modernismo.
Hoje há uma grande quantidade de estilos; aquela poesia que o tempo todo esteve em primeiro lugar agora está em segundo, novelas passaram a ser mais publicadas, mais vendidas. O teatro, especialmente, é muito popular. Nossos grupos de teatro estão viajando por muitos países, também pela América do Sul. Acho que, se os brasileiros conhecem alguma coisa cultural da Eslovênia, é o teatro.

Qual a influência das guerras no Leste europeu sobre o povo esloveno?
Quando a Eslovênia se separou da Iugoslávia, havia só uns dez dias de guerra, não era algo tão importante. Mas a guerra na Croácia e ultimamente na Bósnia deixou rastros, particularmente entre os croatas, bósnios e sérvios que vivem na Eslovênia (há uma grande quantidade de famílias misturadas). Por outro lado, as pessoas aqui não quiseram saber da guerra porque era tão perto e sempre estávamos apreensivos com a possibilidade de a guerra chegar à Eslovênia. Às vezes éramos como avestruzes.

Como é a poesia eslovena hoje, especialmente a da sua geração?
A poesia hoje é muito rica. Há verso livre, muitas vezes meditativo e não muito emocional. As influências são principalmente da poesia norte-americana, às vezes da poesia alemã.

Na antologia "Nove Poetas Eslovenos Contemporâneos", saída recentemente em Portugal, alguns poetas escrevem sobre um pai morto, violência e angústia. É possível estabelecer alguma relação entre esse aspecto e a experiência da guerra?
Os mais importantes poetas dos últimos 50 anos são realmente muito "dark". Alguns devido à influência dos existencialismos ou pós-modernismos, outros (como Svetlana Makarovic) devido à pesquisa de canções folclóricas, as quais são muitas vezes tristes, falam sobre morte, pânico, espíritos... Parece que essa escuridão está presente no espírito nacional (talvez por causa dos muitos suicidas).

Sua poesia revela característica mais pessoal, inclusive erótica. Por que essa solução estética?
Minha poesia é mais pessoal, sensual, às vezes erótica. Sou mais ligado às poesias francesa, italiana, espanhola e não sou tão racionalista. Prefiro figuras a pensamentos profundos. Então, escrevo uma grande quantidade de poesia de amor, algo que não é tão comum na poesia eslovena contemporânea. Gosto muito de frases simples e ritmo -na tradução, isso desaparece.


Anelito de Oliveira é escritor e editor do "Suplemento Literário de Minas Gerais".


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