São Paulo, domingo, 26 de abril de 2009

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"A Camorra não é um primo pobre da máfia"

DO "EL PAÍS"

Tomamos um café napolitano, delicioso, e vamos rapidamente conhecer um dos melhores amigos de Saviano: o general Gaetano Maruccia, homem afável, culto e cortês.

 

PERGUNTA - Por que o livro de Saviano foi tão importante?
GAETANO MARUCCIA
- Porque chamou a atenção do grande público para a Camorra e tornou mais compreensível seu potencial criminal.
Antes as pessoas pensavam que eram meros gângsteres urbanos, e não criminosos organizados, como a Cosa Nostra [na Sicília] ou a Ndrangheta [na Calábria]. Pareciam os parentes pobres das máfias, e não é verdade.
São um poder armado e horizontal, com diversas estruturas e uma hierarquia pouco clara, composta de grupos autônomos, que às vezes se enfrentam entre si.
E em vários níveis. Os pequenos bandos locais, que vivem sobretudo da extorsão de dinheiro para "proteção" e do tráfico local de drogas, são responsáveis pelo gangsterismo urbano e, às vezes, trabalham para quadrilhas que não ficam a dever em nada às "endrine" calabresas ou às "famílias" sicilianas.

PERGUNTA - O sr. teme pela vida de Saviano?
MARUCCIA
- O dispositivo é adequado ao nível de risco. Obviamente, é preciso manter a guarda alta sempre e agir com extrema prudência.

PERGUNTA - O sr. já o conhece faz anos. Poderia defini-lo em poucas linhas?
MARUCCIA
- Isso não se pergunta a um amigo, e menos ainda se ele está à sua frente. É um jovem brilhante, inteligentíssimo, sabe manejar as informações com enorme visão, analisando o presente e prevendo o futuro.
Seu grande talento para escrever lhe permitiu fazer esse livro, baseado no estudo analítico do fenômeno e em seu grande conhecimento do terreno. Sabe enxergar coisas que escapam a outros.

PERGUNTA - Saviano vai acabar se exilando?
MARUCCIA
- Acredito que suas declarações sobre uma possível mudança ao exterior foram apenas um momento de desmoralização de um jovem que se viu de repente no centro da fama e de uma rede muito complexa de responsabilidades e tarefas.
Se isso acontecesse, não seria coerente com sua forma de ser, nem com sua mensagem de compromisso social.
Mas, conhecendo-o, estou certo de que isso não vai acontecer.

PERGUNTA - Vocês vão vencer esta guerra?
MARUCCIA
- Estou convencido disso, não lutamos sozinhos. Não existem tempos; é uma batalha diária.
É preciso, essencialmente, reforçar as intervenções sociais, dar oportunidades para que se possa sair do circuito criminal perverso.
Com repressão, apenas, não iremos a lugar algum. Precisamos de todos os recursos -cultura, trabalho, educação, paciência e tempo, escritores, jornalistas. Trata-se de erradicar a violência como conceito de vida.


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