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DEMOCRACIA NA AMÉRICA
ANALISTAS
APONTAM
LIMITES
E IMPASSES DA
CONJUNTURA
POLÍTICA E DOS
PROCESSOS
DEMOCRÁTICOS
NO BRASIL,
NA AMÉRICA
LATINA E NOS
ESTADOS UNIDOS
O fracasso da diferença
Para o cientista político Scott Mainwaring, a diminuição das divergências ideológicas entre os partidos na América Latina contri bui para a instabilidade política no continente
DA REDAÇÃO
Há mais de um traço em comum nas crises políticas
que recorrentemente atingem diferentes países latino-americanos, afirma o cientista
político norte-americano Scott
Mainwaring, 50, organizador do livro "The Third Wave of Democratization in Latin America" (A Terceira
Onda de Democratização na América Latina, Cambridge University
Press, 432 pags., US$ 28,99 - R$ 69),
publicado neste mês nos EUA e a
sair no mês que vem na Inglaterra.
Quando o sistema
deixa de produzir
resultados
e começa a produzir
mais pobreza
numa sociedade
já muito pobre,
a falta de
alternativas
ideológicas
é um problema
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Para o diretor do Instituto Kellogg
para Estudos Internacionais, da
Universidade de Notre Dame, a intensificação dessas crises nos últimos anos deve-se à falência dos Estados e à diminuição das diferenças
ideológicas entre os principais partidos dos países da região.
Segundo Mainwaring, tal estreitamento de opções políticas na última
década, associado à incapacidade de
"produzir resultados para as pessoas", levou a crises como as vividas
por Venezuela, Argentina e, mais recentemente, Bolívia.
Embora o fenômeno se repita no
Brasil, com a aproximação entre PT
e PSDB, o cientista político vê no
país uma exceção. Por aqui, ele diz,
os partidos se tornaram mais institucionalizados na última década, em
grande medida por causa da estabilização econômica bem-sucedida.
A seguir, trechos da entrevista.
Folha - A América Latina vem, nos
anos recentes, em diferentes países,
enfrentando crises políticas. O sr. vê
algo em comum nelas todas?
Scott Mainwaring - O cerne são os
problemas sociais e econômicos. Isso não quer dizer que não haja problemas políticos. Talvez o problema
político mais importante a destacar
é esse: a fragilidade do Estado.
Folha - A que isso se deve? À liberalização econômica dos anos 90? Os países latino-americanos têm condições
de bancar um Estado que cumpra suas
funções?
Mainwaring - Sem um Estado que
funcione razoavelmente bem, a economia e a democracia não funcionam bem. Quando destaco sua importância, não quero idealizá-lo como solução para todos os problemas. Acho que o mercado é muito
importante, e a sociedade civil também. Hoje o Estado deveria regularizar a economia, educar, proteger as
pessoas depois que se aposentam.
Na maioria de suas funções, o Estado está fracassando na região. Se isso
se deve à diminuição da presença do
Estado nos anos 90? A meu ver, não.
Folha - Por quê?
Mainwaring - Um Estado grande,
mas ineficiente, não resolve o problema. Por outro lado, em muitos
casos, a redução do Estado foi um
pouco cega. A preocupação não foi
formar um Estado eficiente, mas um
Estado menor.
Folha - O sr. já disse que a falta de
enraizamento dos partidos na sociedade, nesses países, poderia trazer
instabilidade política. Isso contribui
para situações como o "que se vayan
todos" da Argentina, Chávez na Venezuela, ou mesmo, em menor escala, as
crises no Brasil?
Mainwaring - Em primeiro lugar,
devo dizer que eu e a grande maioria
dos estudiosos sobre o Brasil achamos que o sistema partidário do país
está bem mais institucionalizado
hoje do que foi na primeira metade
dos anos 90. Nesse sentido, o Brasil
viveu um processo bastante saudável na última década.
A Venezuela viveu o processo inverso. De um sistema de partidos
bastante institucionalizado nos anos
70 e 80 para um colapso do sistema
tradicional de partidos. A renda per
capita da Venezuela é menor hoje do
que era nos anos 70, o que só aconteceu com países que tiveram uma
guerra interna nesse período. Algo
dramático aconteceu. Os dois partidos tradicionais da Venezuela foram
queimados, em boa medida. Não se
pode entender o colapso do sistema
na Venezuela sem analisar esse desempenho econômico horrível.
Folha - A Bolívia também tinha um
sistema partidário bem estabelecido,
como o da Venezuela?
Mainwaring - Não tanto. Havia um
eixo de três partidos que era estável
até os anos 90. Um de centro-direita,
a Ação Democrática Nacionalista, e,
depois de 85 e do plano de estabilização, dois de centro-esquerda. Um
problema que surgiu nesse sistema
foi o fato de os três partidos terem
diferenças ideológicas bastante fracas. A globalização e o êxito do primeiro governo de Gonzalo Sánchez
de Lozada [93-97] reduziram o espaço de disputa política. [Evo] Morales
[líder cocaleiro e candidato à Presidência em 2002] surge como uma
contra-resposta a tudo isso.
Folha - No Brasil também acontece
uma diminuição das diferenças ideológicas. Isso pode trazer algum problema para as disputas políticas?
Mainwaring - Não há dúvidas de
que há essa diminuição. Acho que
pode trazer problemas na medida
em que o sistema político não produza resultados para as pessoas. Esse foi o caso da Bolívia. Enquanto o
sistema político funcionava relativamente bem, nos anos 90, não foi um
problema. Quando o sistema deixa
de produzir resultados e começa a
produzir mais pobreza numa sociedade já muito pobre, a falta de alternativas ideológicas é um problema.
O mesmo se poderia dizer da Venezuela. Houve alternativas esquerdistas por lá, mas os dois partidos
bem menores de esquerda apoiaram
Rafael Caldera Rodriguez [presidente do país entre 1969-74 e novamente
entre 94-99] em 94, o que queimou
os dois partidos como alternativas
ao poder, e os dois partidos tradicionais tinham uma distância ideológica nula já nos anos 90.
Folha - Pode-se dizer o mesmo da
Argentina?
Mainwaring - Nos anos 80 e 90, a
disputa foi entre peronistas e radicais. Acho que também tem algo a
ver. Na Argentina se agrava pelo fato
de as pessoas se sentirem fraudadas.
Dez anos de governo [Carlos] Menem [1989-99] eliminaram a inflação, mas houve muita corrupção.
Talvez a economia argentina tivesse
funcionado se tivesse havido uma
desvalorização na mesma época em
que o Brasil desvalorizou o Real. O
Brasil fez o que foi preciso, e Menem
não quis pagar o preço político de
uma desvalorização.
No começo desta década, em particular, parecia não haver uma alternativa e parecia que a globalização
havia vencido a disputa ideológica
na Argentina. A diferença dela em
relação à Bolívia e à Venezuela é que
foi evitado o colapso do sistema partidário. No final de 2001, em muitas
manifestações, o discurso era "fora
todos". É interessante constatar que
um ano depois surge um peronista
[o atual presidente, Néstor Kirchner]. Ou seja, se reconstrói o partido
tradicional no país, o que não parece
possível na Venezuela.
Folha - O PT está continuando o governo FHC, com clara aproximação
ideológica. Isso pode trazer algum
problema?
Mainwaring - Eu tendo a ver o PT
como um partido tão forte que o risco de uma figura como Chávez no
Brasil é muitíssimo menor do que foi
na Venezuela no fim dos anos 90 ou
do que foi no Peru, no fim dos 80,
com Fujimori. É verdade que o PT
no governo não é diferente como
queria a ala esquerda do próprio
partido. Mas o Brasil está funcionando como país. Isso não quer dizer
que tenham sido resolvidos os muitos problemas, mas é um país onde
se pode dizer que existe uma esperança para o futuro, o que não é verdade em muitos países da América
Latina.
Folha - Agora o governo Lula se vê
envolvido em acusações de corrupção. Esse tema surge freqüentemente
na América Latina. De fato há mais
corrupção aqui que nas democracias
do norte? Ou algo facilita o seu aparecimento?
Mainwaring - Acho que de fato a corrupção é maior. Podemos retomar a fragilidade do Estado. A parte
jurídica, que tem a capacidade de
punir os corruptos, também não é
eficiente. De todo modo, eu confio
que o setor jurídico tem maior capacidade de punir no Brasil do que na
Guatemala, por exemplo.
Folha - Se a democracia brasileira
não conseguir criar crescimento econômico, associado ao estreitamento
das opções ideológicas, isso pode vir a
criar instabilidade?
Mainwaring - No curto prazo, digamos, cinco anos, acho que não, mas
a política é imprevisível. Se o Brasil
não funcionar bem por duas décadas, como aconteceu na Venezuela,
o risco é grande.
Folha - As alternativas a esse estreitamento ideológico surgem sempre
fora do sistema partidário?
Mainwaring - Em muitos países,
sim, mas também surge dentro do
sistema. [Evo] Morales é ao mesmo
tempo um movimento de cocaleiros
e de indígenas e um partido. Na Argentina surge primeiro fora do sistema partidário. No Uruguai, acontece dentro do sistema.
Folha - A que o sr atribui a maior institucionalização do sistema partidário brasileiro na última década?
Mainwaring - A volatilidade eleitoral [votos que migram de um partido para outro entre eleições] no Brasil diminuiu muitíssimo. Além disso, entre os anos 80 e o início dos 90,
o quadro partidário era bastante instável -surge um novo partido como o de Collor, outros desaparecem,
outros se fundem. De uns dez anos
para cá, os partidos importantes são
os mesmos, o que reflete um quadro
diferente do anterior. Por quê? Creio
que em boa medida isso se deve à estabilidade econômica e -não sei se
a população brasileira concorda-,
de 95 para cá, o Brasil tem governos
sérios. Pode-se discordar de muita
coisa, estar frustrado com realizações não tão grandes quanto o desejável, mas, a meu ver, o Brasil funciona mais ou menos bem.
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