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+(p)olítica
Mais conscientes,
menos mobilizados
O cientista político Alberto Almeida afirma que a opinião pública tem importância crescente no país, embora tenham diminuído as manifestações de rua; o que falta,
ele diz, "é uma atuação mais forte da Justiça" contra políticos corruptos
ANTÔNIO GOIS
DA SUCURSAL DO RIO
A inda que alguns deputados afirmem se
lixar para o opinião
pública, na prática,
os políticos demonstram cada vez mais ter receio dos escândalos e da vigilância da sociedade sobre eles.
Essa visão otimista é do cientista político Alberto Carlos Almeida, autor dos livros "A Cabeça do Eleitor" e "A Cabeça do
Brasileiro" (ambos publicados
pela editora Record).
Para ele, ainda há muito a
avançar na construção de mecanismos mais eficientes de
punição à corrupção, mas o
eleitorado tem demonstrado,
num processo gradual, que políticos cujos nomes foram associados a escândalos têm mais
dificuldade na eleição para cargos majoritários.
O que diminuiu, afirma, foram mobilizações políticas de
rua, como no caso das Diretas-Já, segundo ele dependentes da
iniciativa de políticos dispostos
a liderar o processo.
Almeida, autor também de
"Por que Lula?", diz que o presidente não corre risco de ver
sua popularidade afetada ao
defender publicamente José
Sarney e Fernando Collor. De
2002 para 2006, lembra ele,
houve uma mudança no perfil
do eleitor de Lula, que consolidou sua popularidade entre os
mais pobres, ficando menos
dependente da classe média
mais escolarizada.
FOLHA - Um editorial da Folha nesta semana tratou da impressão, cada vez mais comum, de que a opinião pública se importa cada vez
menos com os temas políticos, e esses se importam menos com a opinião pública. O senhor concorda?
ALBERTO ALMEIDA - Será que não
se trata de uma ilusão de ótica?
Minha impressão é que, hoje,
os escândalos têm mais importância do que tinham no passado justamente porque cresceu
a massa crítica adversa a isso.
Pode ser que tenham acontecido coisas muito semelhantes
ou maiores no passado e que ficaram despercebidas. Hoje,
elas são mais visíveis.
O atual debate sobre financiamento público de campanha, por exemplo, expressa várias coisas. Uma delas é um certo receio, dos políticos, dos escândalos. Por que isso é debatido agora e não era no passado?
Porque antes não se tinha tanto
receio.
No governo Sarney [1985-90], a impressão que se tinha na
época, pela leitura dos jornais,
era de que a corrupção era algo
completamente disseminado
por todo o sistema. O Legislativo, o Judiciário, o Executivo,
todos estavam envolvidos e se
beneficiavam. Hoje, com Sarney no Senado, não acho que
exista essa mesma impressão.
FOLHA - Mas há uma sensação de
falta de punição.
ALMEIDA - Políticos que tiveram seus nomes associados a
grandes escândalos têm muita
dificuldade de se eleger para
cargos majoritários. É o caso de
[Paulo] Maluf e [Orestes] Quércia em São Paulo. É um processo lento, mas é um sinal de mudança.
O maior controle da corrupção não significa que ela irá acabar. O mau uso do recurso público é como violência. Nunca
acaba. O que se pode fazer é
controlar mais ou menos. Não
existe taxa zero de acidente de
automóvel, de assassinato ou
de corrupção, mas é possível. O
que pode acontecer é reduzir.
Faz algum tempo, eu li um
trabalho bastante interessante
sobre parlamentares de vários
países. Ele mostrava que, em
todos os casos analisados, eles
aumentavam seus salários até
chegar um ponto em que paravam. Isso acontecia no momento em que se detectava algum controle externo.
A partir daí, os atos em benefício próprio se tornavam menos visíveis, e os deputados
passavam a privilegiar benefícios periféricos e mais camuflados, como passagens aéreas e
verbas de gabinete.
Se não houver controle de fora, as pessoas vão agir mais em
benefício próprio. É por isso
que a imprensa tem poder fundamental.
O que me parece ainda faltar
muito no Brasil é uma atuação
mais forte da Justiça. Não há
casos de políticos que tenham
sido presos definitivamente
por corrupção. É o eleitorado
que pune esse político, não a
Justiça.
FOLHA - Não foi justamente um
deputado [Sérgio Moraes, do PTB-RS] que disse se lixar para a opinião
pública?
ALMEIDA - Foi muito mais um
caso de escracho. Não sabemos
ainda as consequências que terá esse parlamentar. Será que,
no íntimo de cada político, eles
realmente se importam menos
do que no passado com a opinião pública? Acho que não.
Por que tantos deputados do
Nordeste, por exemplo, fazem
questão de aparecer no maior
número de festas juninas nesta
época? Porque a população valoriza isso.
O mundo político é competitivo. Se o deputado não for à
festa junina, algum concorrente irá. Então há, sim, uma competição pela opinião pública, e o
político tem que atender ao que
ela quer.
Talvez esse deputado quisesse, na verdade, dizer que se lixa
para a opinião publicada nos
jornais. E a opinião pública não
é necessariamente a opinião
dos jornais.
FOLHA - De que maneira?
ALMEIDA - Eu conduzo mensalmente uma pesquisa nacional e
posso dizer que mais da metade
da população não sabe que Sarney é o presidente do Senado,
mas todos os jornalistas sabem.
Especialmente num país desigual, como o Brasil, essa distância dos jornais para o restante da população é mais visível. No Reino Unido, os diários
colocaram tarjas pretas em
suas primeiras páginas em protesto contra os parlamentares
britânicos. Aqui, se todos fizessem isso, talvez não agradassem a seus leitores, que provavelmente não gostariam de ver
aquela tarja no lugar de notícias
que lhes parecem mais importantes.
FOLHA - Seus estudos mostram
que, entre os mais escolarizados, há
maior preocupação com a corrupção. O acesso à educação melhorou
no país, mas a aversão à corrupção
não parece ter aumentado. Não se
vê mais mobilizações como nos movimentos pelas Diretas ou no Fora
Collor. Como explicar?
ALMEIDA - Esta questão foi objeto de grande controvérsia nos
Estados Unidos. Quanto maior
a escolarização, maior a participação política. Mas a escolaridade também cresceu lá, e não
se viu aumento de mobilização.
O que se discutiu, a partir da
literatura mais recente, é que,
para acontecerem grandes mobilizações, é necessária também a participação atuante de
uma elite política.
No caso das Diretas-Já, por
exemplo, essa mobilização de
cima para baixo foi fundamental. O governador de São Paulo
na época, Franco Montoro, estava à frente da mobilização.
No Rio, o governador Leonel
Brizola liberou as catracas do
metrô e deu ponto facultativo
aos servidores.
No caso de Collor, foi um fenômeno mais raro, pois a mobilização foi mais espontânea,
mas não tão grande quanto nas
Diretas.
Porém, é preciso lembrar que
Collor atravessava um momento econômico difícil. Isso ajuda
a explicar por que ele caiu com
os escândalos da época, enquanto Lula sobreviveu bem ao
mensalão.
Collor não tinha o apoio da
elite nem da classe média ou
pobre. Já Lula perdeu apoio das
camadas mais altas, mas a população mais pobre estava satisfeita com o desempenho da
economia. Isso fez toda a diferença nos dois casos.
A preocupação de uma pessoa muito pobre está muito associada à sobrevivência, ao emprego, à saúde, à própria vida.
Para nós, da elite, jornalistas,
isso já está resolvido e outras
questões aparecem como mais
importantes. São dois mundos
diferentes.
FOLHA - Mas o fato de Lula defender publicamente políticos como
Sarney e Collor não pode abalar sua
popularidade?
ALMEIDA - É preciso ter em
mente que houve uma grande
mudança no perfil do eleitor de
Lula. Ele se elegeu em 2002
com o voto da classe média e
dos mais pobres.
Em 2006, após o mensalão,
perdeu muito apoio dessa classe média mais exigente com a
ética, mas consolidou seu apoio
na classe mais baixa, por causa
de suas políticas sociais. É por
isso que Lula pode muito bem
sair em defesa de Sarney sem
que isso cause prejuízos a sua
popularidade.
O mesmo não pode ser dito
do PT, que ainda depende desse
voto ético. O gesto de Lula pode, sim, desgastar os candidatos do partido nas próximas
eleições. Esse desgaste já se verificou, por exemplo, quando o
PT perdeu a maioria das eleições municipais nas cidades
maiores.
Mas Lula está pensando em
dois jogos. No eleitoral, essas
atitudes podem ter efeito. Mas,
no político, em que ele precisa
do apoio do PMDB, isso é fundamental em suas articulações.
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