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Cioran une petulância e melancolia
nos textos de "Exercícios de Admiração",
que analisa autores como Valéry e Beckett
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A frivolidade de um apóstolo da desilusão
Marcelo Coelho
do Conselho Editorial
Em qualquer tempo e em qualquer
lugar há motivos de sobra para o
pessimismo. Existem épocas, entretanto, em que essa atitude se
torna especialmente charmosa e original. A primeira edição brasileira dessa
coletânea de ensaios data de 1988. Um
ano antes da queda do Muro de Berlim,
já era grande a tendência para julgar as
idéias socialistas e as esperanças de redenção social da humanidade como algo
absolutamente fora de moda.
A obra do pensador romeno de expressão francesa Emil Cioran (1911-1995) ia-se divulgando com sucesso no Brasil:
"Breviário de Decomposição" e "Silogismos da Amargura" (ambos pela ed. Rocco), seus dois mais conhecidos livros de
aforismos, seguiram-se com rapidez a
estes "Exercícios de Admiração". A concisão do estilo, a convicção anti-utópica,
uma certa mistura de petulância e melancolia, uma versão estranhamente inquieta e
vibrátil do tédio clássico,
tudo ajudava a tornar
"cult" um autor que sempre pareceu gostar de ser
antipático, flertar com a
impopularidade.
O primeiro, e mais longo, texto de "Exercícios de Admiração"
analisa a obra de Joseph de Maistre
(1753-1821), o arqui-reacionário apologeta do papado e da Inquisição. Cioran
não esconde muito sua inveja diante do
talento provocador desse "espírito desmedido que, não se dignando a convencer o adversário, aniquila-o logo de saída
pelo adjetivo".
Para Cioran, não se trata de fazer a defesa do extremismo católico de direita,
mas de ressaltar as analogias entre esse
tipo de pensamento e as idéias marxistas.
Aquilo que, em autores como De Maistre
ou Bossuet, era fruto da "providência divina", se tornou, na esquerda, determinismo histórico, fatalidade da revolução
proletária.
Talento aforístico
A direita autoritária defende a ordem, a repressão, o caráter "sagrado" da violência de Estado.
Mas, observa Cioran, "os "democratas" se
escandalizam com isso, percebendo que
a "reação" traduz muitas vezes suas segundas intenções e dá expressão a algumas de suas desilusões secretas, a muitas
certezas amargas que não podem assumir publicamente. Acossados por seu
programa "generoso", não lhes será permitido demonstrar o menor desprezo
pelo "povo" e nem mesmo pela natureza
humana (...) O desespero do homem de
esquerda é combater em nome de princípios que lhe proíbem o cinismo".
A última frase é exemplo do talento
aforístico de Cioran e do tom quase
triunfalista que ele assume quando chega
a alguma conclusão sombria. Não sei até que ponto, passados 12 anos da
primeira edição brasileira
e mais de 40 depois de o
texto ter sido escrito, se
mantém o efeito de provocação pretendido por
Cioran. Parte disso certamente se perdeu. Alguns trechos resvalam na banalidade: "Não há anarquista
que não esconda, no mais fundo de suas
revoltas, um reacionário que espera sua
hora, a hora da tomada do poder (...)".
O ensaio seguinte busca o escândalo
com mais sucesso, mas num âmbito de
menor amplitude. É o poeta Paul Valéry
(1871-1945) que se vê objeto de uma análise desapiedada, ao mesmo tempo certeira e injusta, por parte de Cioran. "O
culto de Valéry pelo rigor", diz Cioran,
"não vai além da propriedade dos termos e do empenho consciente por um
brilho abstrato da frase (...); essa vontade
de expressão levada a tais extremos (...)
se transforma em obstinação por bagatelas, em procura exaustiva da precisão infinitesimal".
Criticando as ilusões da metafísica, Valéry não poderia ir longe demais; "uma
desilusão completa teria destruído nele
não apenas o "homem de pensamento",
como ele se chamava às vezes, mas, perda mais grave, o prestidigitador, o histrião do vocábulo."
Histrionismo
Nesse brilhante exercício de antipatia, bem mais do que de
admiração, podemos ver, quem sabe, o
fantasma contra o qual Cioran está lutando sem cessar. Provavelmente Valéry,
se se desiludisse completamente, perderia mesmo seu "charlatanismo" (o termo
é de Claudel, que Cioran cita com aprovação), seu lado de "histrião do vocábulo". Mas a frase denuncia, nesse apóstolo
da desilusão completa que é Cioran, o
quanto essa atitude também pode ter de
histriônica; um histrionismo de idéias,
uma espécie de coqueteria do desespero,
de frivolidade abissal.
O azedume de Cioran se ameniza no
belo estudo sobre outro poeta, Saint-John Perse, e nas amáveis reminiscências
que faz de Beckett, Mircea Eliade ou Henri Michaux. Mas, certamente, o melhor
de Cioran está nas suas páginas mais ácidas e depreciativas.
A antipatia do autor, de certo modo,
contaminou esta resenha. É sempre mais
interessante falar mal do que falar bem
de alguma pessoa; mesmo que para isso
seja necessário reduzi-la às nossas próprias dimensões. Miniaturizar o adversário, marcar de um traço seus defeitos,
muitas vezes dá a impressão de que se está escrevendo com muita precisão.
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