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+ cultura
História
da carochinha
Em "Gostaria de Ter Estado Lá",
20 pesquisadores viajam
pelo tempo e revêem
momentos-chave da humanidade
NIALL FERGUSON
A famosa definição de
Leopold von Ranke
[1795-1886] quanto
ao objetivo do esforço dos historiadores pode ser traduzida de diversas maneiras. "Como de fato foram" costuma ser a mais
comum tradução de "Wie es eigentlich gewesen"; uma versão
mais precisa é "como essencialmente foram".
Já R.G. Collingwood, o grande filósofo da história da Universidade de Oxford, oferece
definição mais precisa: "O conhecimento histórico é o restabelecimento de um pensamento passado". Ele ilustra seu ponto citando o almirante Nelson, que se recusou a remover
as condecorações que tornavam seu uniforme muito conspícuo, na batalha de Trafalgar.
Mas a história, como profissão, pouco fez para concretizar
a ambiciosa visão de Collingwood. Assim, é refrescante encontrar, em "Wish I'd Been
There - Twenty Historians Revisit Key Moments in History"
[Gostaria de Ter Estado Lá
-Vinte Historiadores Revêem
Momentos Decisivos da História], a afirmação de que "os historiadores precisam se colocar
no passado, se desejam trabalhar de maneira efetiva".
Thedore Rabb e Byron Hollinshead montaram um time
formidável de estudiosos para
realizar a viagem imaginária no
tempo que esse envolvente volume propõe. Mas o exercício é
sutilmente diferente do que
Collingwood preconizava. Os
colaboradores imaginam que
tenham estado lá como observadores invisíveis, e não como
protagonistas históricos.
Os mais astutos se concentram em evocar os ambientes
do passado. Tom Holland imagina de maneira vívida o sofrimento dos elefantes do exército de Aníbal, em sua travessia
dos Alpes. O primeiro prêmio
cabe a sir John Elliott, por seu
maravilhoso relato sobre a visita do futuro rei inglês Carlos 1º
a Madri, em 1623.
Alguns dos historiadores vão
mais longe. "O que realmente
desejo saber", escreve Josiah
Ober, sobre a morte de Alexandre Magno, "é que sensação
propiciava estar no centro do
mundo, em um momento no
qual a história humana havia
atingido um de seus grandes
pontos de inflexão".
Infelizmente, essa aspiração
constitui anacronismo. E Ober
tampouco deixa claro por que a
morte de Alexandre constituiu
um ponto de inflexão; afinal,
era inevitável que ele morresse,
em dado momento.
Para que se possa alegar que
um ato individual alterou o
curso da história é preciso desenvolver um experimento
mental mais desafiador. Precisamos imaginar o que teria
acontecido se a ação em pauta
não tivesse se realizado.
Apenas alguns dos colaboradores dão esse salto. Geoffrey
Parker é um deles, ao argumentar que, caso os espanhóis
tivessem rendido o que restava
de sua frota em 1588, "seria difícil ver de que maneira a Espanha poderia resistir à Contra-Armada inglesa que chegaria à
sua costa no ano seguinte".
William McNeill argumenta
que, sem o patrocínio de Frederico 2º da Prússia, a batata
não teria sido adotada com a
mesma rapidez na Europa
Central e Oriental.
O efeito líqüido da experiência é uma sensação semelhante
à que afligiria um passageiro
um pouco enjoado de um navio
de cruzeiro em excursão histórica pelas ilhas gregas. As imagens são deliciosas.
Mas será que realmente nos
mostram a história "como de
fato foi"? Paradoxalmente, os
mais bem-sucedidos desses esforços de imaginação histórica
são aqueles que também a explicam como de fato não foi.
NIALL FERGUSON é professor em Harvard. A
íntegra deste texto saiu no "Financial Times".
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