São Paulo, domingo, 27 de junho de 2004

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MESTIÇAGEM FORA DE LUGAR

CARÁTER RADICAL E INOVADOR DA EXPERIÊNCIA DO "POLITICAMENTE CORRETO" NOS EUA DURANTE OS ANOS 90 NÃO DEVE LEVAR A SOCIEDADE BRASILEIRA A DESCARTAR SEU MAIOR TRUNFO, QUE É A MISTURA DAS DIFERENÇAS

por Hermano Vianna

Em 1991, morei em Chicago completando minha pesquisa de doutorado. Quando botei os pés na cidade, enfrentando um vento que chegou a baixar a temperatura para -50ºC, a "Newsweek" que estava nas bancas trazia a capa sobre o "politicamente correto". Era a primeira vez que a grande mídia dava destaque para um debate que antes acontecia mais ou menos escondido no território das universidades e de grupos ligados ao "movimento social".
Peguei o período mais quente desse debate, impulsionado por uma cobertura da imprensa que não parou de crescer, mesmo na época da Guerra do Golfo. Eu olhava para tudo espantado, quase como se estivesse fazendo trabalho de campo numa aldeia da floresta de Papua-Nova Guiné. Mas o que era exótico rapidamente se tornou familiar. Vi logo que aquilo não era uma brincadeira de nativos doidos.
As pessoas ao meu redor tinham plena consciência da gravidade do que estava sendo discutido, do caráter existencialmente e socioculturalmente experimental da discussão (e da nova prática que ela acarretava), da possibilidade de erros e exageros, mas mesmo assim dedicavam suas melhores energias à experiência. Nada era vivido apenas com fria racionalidade: vi muita gente gritar em plena sala de aula discutindo as palavras que deveriam ser usadas para derrubar preconceitos de raça ou as medidas que precisavam ser adotadas para combater o "sexual harassement". Passei a respeitar muito os meus colegas mais estridentes.
Por isso, quando voltei para o Brasil, não suportava ouvir esse debate -tão sério e tão emocionalmente carregado- ser tratado em tom de piada. Achava que os Estados Unidos estavam prestando um serviço para a humanidade com essa experiência propriamente antropológica. Confesso que, vendo quanto sofrimento aquilo tudo causava (certamente um sofrimento bem menor do que o causado por séculos de discriminação e racismo, mas mesmo assim sofrimento), me sentia um pouco aliviado por não ser daquele país ou por ter vivido aquilo por um tempo e logo ter tido a oportunidade de cair fora, pois estava me sentindo sufocado (até porque fui classificado como hispânico, coisa que nunca pensei ser, apesar de adorar a cultura dos chicanos e porto-riquenhos da cidade).
Mas agradecia aos norte-americanos por estarem passando por esse sufoco todo, de maneira tão exigente e a meus olhos tão radical: quem sabe dali não surgiriam lições importantes para o resto dos povos, que poderiam no futuro ser adotadas mundialmente sem os mesmos pesados custos, pois já poderíamos ver o que deu ou não certo? Porque é óbvio, mesmo para os mais politicamente corretos dos norte-americanos, que muitos dos aspectos dessa experiência -como de qualquer outra experiência social- não vão dar certo.
Sendo bastante mecanicista (como os parágrafos anteriores já o foram, tratando o caso norte-americano como se fosse algo absolutamente nacionalizado, separado daquilo que acontece no resto do mundo): povos diferentes fazem diferentes experiências para depois serem comparadas, trocadas, misturadas por todos os outros. Se não é para isso que a tal diversidade cultural serve, para que é então? Cada cultura passa por seu sufoco particular para que todas as outras não tenham que passar por todos os sufocos.
Não é muita serventia, eu bem sei -mas esse pouco é o máximo de tendência evolucionista que consigo ter ou, pior (ou melhor, dependendo do ponto de vista -até porque evolucionismo não é exatamente uma tendência charmosa), é o máximo de otimismo que consigo sentir ao contemplar a estranha sina dos desejos desencontrados da humanidade.
No meu ano nos EUA, vi coisas muito boas de pensar sobre alguns importantes aspectos dessa sina. No departamento de antropologia da Universidade de Chicago havia a proposta para retirar um totem lindo do vão da escada em espiral que conduzia à secretaria (não sei se continua lá -causava cômica impressão para quem adentrava naquele edifício de estilo gótico-"fake" dar logo de cara com objeto tão "autêntico"). Estudantes diziam que era uma apropriação indébita de um objeto religioso de outra cultura. Alguns professores chegaram a concordar com a devolução do totem para a tribo que o havia criado, mas gostaram menos de outra proposta de retirada, dessa vez a de um mapa-múndi que enfeitava o segundo andar com alfinetes coloridos fincados nos locais onde gente do departamento realizava suas pesquisas.
O mapa era realmente uma imagem forte. "Eles estão em todo mundo!", exclamei um tanto enciumado, acostumado que estava com a determinação acadêmica brasileira de que brasileiros devem estudar problemas brasileiros, que ajudem nosso país a se desenvolver. Num país pobre como o Brasil, não ficaria bem -diz mais ou menos de forma explícita o senso comum das agências financiadoras de pesquisas- ver um estudante gastando dinheiro, público ou não, para pesquisar a estética da dinastia Ming chinesa ou as relações de parentesco de uma etnia da Tanzânia.


Muitas vezes enxergo até sólidas vantagens na cópia pura e simples, sem antropofagia cultural nenhuma; por que não copiar o que é bom?


Mas os norte-americanos podem estudar o que querem pelo mundo afora, em nome do progresso do "conhecimento humano". Isso revela um poder danado, que aqueles alfinetes que ocupavam como formigas o mapa-múndi da Universidade de Chicago "denunciavam" com uma clareza eloqüente.
Mas o que muita gente dizia era que a retirada do mapa ou dos alfinetes não solucionava o problema. A verdade era que as pesquisas patrocinadas e orientadas pelo departamento estavam sendo feitas em todos os continentes. Retiramos o mapa, mas trazemos todos os pesquisadores de volta para casa? Aceitamos assim a regra que só gente do Terceiro Mundo pode estudar o Terceiro Mundo, só havaianos podem estudar havaianos, só negros podem estudar negros, só gays podem estudar gays e assim por diante? Não estaríamos decretando com essas regras a morte da própria antropologia, que na sua história produziu talvez suas mais brilhantes teorias e práticas por meio do estudo, feito por diferentes, das diferenças?
Essa pergunta tem a ver com outro problema que naquele ano quase paralisou alguns cursos do departamento de sociologia da Universidade Northwestern (ao qual eu estava oficialmente ligado). Em 1991, a pós-graduação desse departamento, numa tentativa consciente de aumentar a diversidade étnica de seu corpo discente, passou a ter o maior número de estudantes negros de sua história. Todos sabiam que houvera processo especial para a escolha dos negros que ali começaram a estudar naquele ano, diferente daquele pelo qual passaram os outros alunos.
Essa diferença, em grupos tão pequenos, traz uma perene ameaça velada de crise, como se a qualquer momento pudesse surgir a acusação de que quem entrou por meio de processos especiais não tem méritos suficientes para estar ali ou que o próprio aluno que sabe estar ali por "ação afirmativa" acabe, mesmo sem querer, se sentindo e atuando como penetra numa cerimônia para a qual não foi totalmente convidado. É claro que todo mundo no departamento sabe desconstruir a questão de mérito individual etc. -mas tanta sofisticação ideológica e militância política anti-racista não tornam a situação totalmente confortável.
Pelo contrário: a situação tem mais chances de ser tornar paralisante. Foi o que aconteceu logo no primeiro ano. No início de cada curso, quando o professor apresentava a bibliografia, os estudantes negros reclamavam que não havia um número justo de afro-americanos entre os autores dos textos recomendados. Alguns cursos pararam naquele debate, que não deixava de ser muito interessante, apesar de adiar o início da matéria em que todo mundo tinha se inscrito.
Foi então que um aluno negro escutou, nos corredores, um aluno branco reclamar que achava chato o que estava acontecendo. O caso foi parar na direção e várias reuniões de todo o corpo docente e discente foram marcadas para encontrar uma solução para o problema racial do departamento. A conversa chegou num impasse quando foi proposta a participação obrigatória de todos no "Desfazendo o Racismo", workshop de dois dias e meio de duração. Ninguém era contra o workshop. Muita gente era contra a obrigatoriedade, por isso cheirar a autoritarismo cultural.
Problema de natureza similar aconteceu num curso, também bastante experimental, que reunia estudantes de ciências sociais e de performance (a Northwestern tem fama de formar excelentes atores), onde fazíamos encenações a partir de textos de sociologia e também a partir do material de nossas pesquisas. Naquele ambiente, que parecia um laboratório de teatro, era mais fácil que as emoções tivessem espaço para expressão mais livre, digamos assim. A classe inteira não soube como reagir quando uma aluna começou a chorar copiosamente ao contar que era descendente de índios, mas nunca usou sua identidade étnica para conseguir vagas em colégios ou no trabalho. Todos ficamos em silêncio, esperando o choro passar.
Não contei esses casos para rir deles. Mesmo relembrá-los me deixa angustiado, mas orgulhoso dos meus colegas que deles foram protagonistas. Sei que parecem banais, individuais demais para terem real importância, mas para mim são como portas de entrada para problemas mais coletivos, problemas que vêm se somar aos problemas certamente maiores do racismo "tradicional" e que não sabemos -nem temos como saber a partir do exemplo inconcluso dos EUA- se vão levar realmente à superação do racismo. É uma tentativa de superação, talvez um caminho para a superação (não sabemos se o melhor caminho, isso só o tempo dirá), que merece nosso respeito, nossa colaboração e também a nossa crítica construtiva.
O leitor mais esperto já deve saber em que assunto delicado, e mais brasileiro, estou como que pedindo licença para entrar com todos os parágrafos anteriores. Não, não estou querendo insinuar, com todo esse palavreado possivelmente e perversamente relativista, que o que é bom (sufoco) para os EUA não seria bom para o Brasil. Até porque não vejo problema em culturas imitarem umas às outras.
Muitas vezes enxergo até sólidas vantagens na cópia pura e simples, sem antropofagia cultural nenhuma. Por que não copiar o que é bom? Por que essa pretensão louca de inventar sempre um caminho original?
Mas não é esse o problema. Tem algo que me incomoda nesse debate brasileiro sobre -tomo coragem e falo logo o nome delas, mesmo sabendo que vou pagar caro por me intrometer nesse ambiente de idéias muito exaltadas (e todas convictas de sua verdade)- cotas e não é a aplicação aqui de uma experiência vivida inicialmente por gringos e também não é o tal "imperialismo" denunciado naquele texto tão atacado de Pierre Bourdieu e Loïc Wacquant [ver o número especial da revista "Estudos Afro-Asiáticos", janeiro-abril de 2002, que traz esse texto, intitulado "Sobre as Artimanhas da Razão Imperialista" e várias respostas, norte-americanas e brasileiras, para seus argumentos].
Sei que os advogados das cotas para afrodescendentes e outros grupos étnicos já venceram ou vão vencer muito em breve. Talvez até para seu próprio espanto e surpresa. Eles sempre começam seus textos falando do poder inabalável do mito da democracia racial brasileira. Mas o mito ruiu sem deixar saudade, como se nunca tivesse tido nenhum poder. Não conheço uma só pessoa que defenda hoje ser o Brasil uma democracia racial. Mesmo os argumentos contra as cotas: nenhum deles nega o racismo existente no Brasil. Cada vez mais brasileiros reconhecem abertamente que vivem numa sociedade racista e estão dispostos (assim espero) a combater esse racismo com cotas ou sem cotas. A maioria -61,1% da população segundo pesquisa CNT/ Sensus- aprova as cotas para afrodescendentes nos vestibulares universitários. Sempre combati o racismo e os preconceitos, de várias maneiras e em muitas frentes. Se o Brasil escolhe agora o caminho das cotas para essa briga, continuo brigando ao lado dos grupos anti-racistas e pró-cotas. Sei que enfrentaremos -nós, que queremos o fim do racismo- novos grandes problemas, muitos não tão "pitorescos" como os que vi em Chicago. Mas não costumo me acovardar diante desse tipo de dificuldades ou desafios. Mesmo assim devo confessar, talvez pela última vez, minha diferença fundamental em relação aos advogados das cotas. É a confissão de algo que no ambiente político atual está se transformando em pecado: gosto de mestiçagem, gosto também da idéia de que até agora o melhor do Brasil foi produzido sobretudo pela valorização da mestiçagem. Nunca achei que valorizar a mestiçagem fosse sinônimo de defender a idéia de que vivemos numa democracia racial. Entendo até que o elogio da mestiçagem possa ser usado ou tenha sido usado por algum ignorante (entre eles não estava Gilberto Freyre) que queria provar a inexistência de racismo no Brasil. Mas nunca foi a maneira como lidei com o assunto: para mim a valorização da mestiçagem é uma das armas mais poderosas para serem usadas no combate anti-racista, no Brasil ou fora do Brasil.


Se adotarmos que "branco é branco, preto é preto", certamente perderá força uma alternativa "indefinida" para o mundo


Não foi fácil inventar esse orgulho de ser mestiço no Brasil. Havia um pensamento dominante que chegava a usar argumentos biológicos para dizer que o mestiço era um ser humano degradado e doente, que casais formados por pessoas de cores de pele diferentes deveriam ser proibidos de ter filhos e que culturas também se enfraqueceriam ao se misturar umas com outras. O pensamento brasileiro corajosamente tentou dizer o oposto: que misturar diferenças é bom. Eu pensava que deveríamos radicalizar politicamente o elogio da mestiçagem, indicando para o mundo (o meu sebastianismo...) um outro caminho para erradicar o racismo. Acho -com alguma pena, mas, se é isso mesmo que todo mundo quer, vamos nessa! Não vou ficar atrapalhando o desejo da maioria- que não daremos esse passo mestiço à frente e que vamos jogar essa experiência brasileira no lixo da nossa história. Pois, assim como a experiência do politicamente correto e de um tipo de cotas (que lá não são exatamente cotas) tem a ver com uma experiência radical -e com o modo de classificar as raças- da sociedade dos EUA, houve -já falo no passado- aqui no Brasil uma experiência também radical (mas hoje tida como conservadora), uma experiência única de valorização da mestiçagem, que não foi levada às suas últimas libertárias conseqüências. Como Caetano Veloso sintetizou no poema "Americanos": "Para os americanos branco é branco, preto é preto (e a mulata não é a tal), bicha é bicha, macho é macho, mulher é mulher, e dinheiro é dinheiro. E assim ganham-se, barganham-se, perdem-se, concedem-se, conquistam-se direitos, enquanto que aqui embaixo a indefinição é o regime e dançamos com uma graça cujo segredo nem eu mesmo sei".

Jogando no lixo
Se adotarmos, aqui embaixo, como já aparentemente adotamos, o "branco é branco, preto é preto", classificando pardos (e a tal da mulata) como pretos, certamente perderá força uma alternativa "indefinida" para o mundo. Talvez essa alternativa indefinida, mesmo ainda mais radicalizada para ficar absolutamente clara sua postura anti-racista, seja menos eficaz -no combate contra o racismo- que o caminho proposto pela experiência norte-americana. Mas quem pode saber com certeza? E se estamos jogando no lixo a melhor alternativa, como se fosse fácil demais ser mestiço (quando -repito- não é nem nunca foi, pois para o pensamento dominante ocidental é muito mais fácil ser "definido")?
Obviamente não existem uns EUA homogêneos lá e um Brasil homogêneo aqui. Michael Hanchard, em seu artigo contra Bourdieu e Wacquant, está certo em lembrar que o movimento negro é transnacional (mas não está certo ao afirmar que, para pessoas como Caetano Veloso, "miscigenação racial é igual a democracia racial" -todo mundo sabe que não é igual-, mas ninguém pode dizer de antemão que a valorização da miscigenação racial é inimiga, ou mais inimiga que as cotas, da vontade de criar uma verdadeira democracia racial).
Ainda bem que é assim, pois o movimento de valorização da mestiçagem -ou da hibridização ou da crioulização (para usar termos mais politicamente corretos)- também não é um fenômeno só brasileiro e -acredito- vai continuar vivendo razoavelmente bem e talvez florescer da maneira que eu imagino que deveria acontecer no Brasil, em outros lugares. Talvez, principalmente, porque em outros países não existe essa associação enganosa e quase automática, feita por setores hoje dominantes do movimento anti-racista, de mestiçagem com o mito de democracia racial.
Exemplo desse florescimento foi o seminário "Créolité and Creolization", organizado pela última edição da Documenta de Kassel, a mais importante exposição internacional de arte contemporânea, que tinha como debatedores o curador Okwui Enwezor, o poeta Derek Walcott e o sociólogo Stuart Hall. Sintomaticamente, nenhum brasileiro foi convidado, talvez porque o mundo já acredite que a nossa mestiçagem é de direita, mito -esse da mestiçagem ser de direita- que criamos para substituir o mito da democracia racial (isto é, criamos o mito de que, para combater o nosso racismo, devemos, entre outras coisas, deixar de valorizar o fato de sermos um povo mestiço).
A base do debate proposto pela Documenta é o livro-manifesto "Elogio da Crioulidade", lançado em 1989 na França (a intelectualidade francesa continua a gostar dos mestiços e de qualquer indefinição antiplatônica), que se tornou referência para vários grupos do movimento negro internacional por propor uma leitura pós-negritude e pós-Edouard Glissant para o assunto.
No epicentro do campo mais pop, o surgimento de uma revista de moda e comportamento como a "Trace", editada em Nova York e Londres, é uma grande novidade. Os mestiços -das mais variadas combinações étnicas- estão nas capas, e o elogio da mistura é repetido em todos os artigos.
A "Trace" lançou neste ano um livro chamado "Transculturalism", que parece um "Casa-Grande & Senzala" para fashionistas de vanguarda. Não por acaso o título foi tirado da obra de um antropólogo caribenho, o cubano Fernando Ortiz. A crioulização como o futuro da moda, logo quando o Brasil abandona o barco?
Em todos os novos pensadores da mestiçagem pop ou acadêmica há a ênfase na mistura não como produto, mas como processo -"o estado permanente de crioulização" advogado por um herdeiro pós-moderno e pró-identidade-fractal de Ortiz, o também cubano Antonio Benitez Rojo-, e também no caráter não-sintético do mestiço (ou crioulo ou híbrido), no qual as diferenças não se desfazem, mas enriquecem o todo por permanecerem diferentes ocupando o mesmo espaço.
Como já dizia, há tanto tempo, o autor "proibido" Gilberto Freyre: a mestiçagem é um precário equilíbrio de antagonismos. Ou, mais recentemente, Agostinho da Silva (não iria perder a oportunidade de citar meus "sebastianistas" preferidos): "Essa vontade de ser sinceramente todas as coisas...". Há algo muito subversivo nessas palavras. Que a subversão mestiça continue viva em outras praias, praias caribenhas!
Pois o Brasil está em via de deixar de ser o país da mistura. Tudo bem, vamos perder muitas coisas, vamos ganhar muitas outras. Como gosto de novidades, não tenho muito do que reclamar. Tomara que viremos um país menos racista com a adoção das cotas e outras leis que vão vir por aí (por favor, só não chamem todo pensamento anticotas de pensamento racista! Essa é uma simplificação medonha!). Aquela coisa do bebê e da água do banho: para nos livrarmos do mito da democracia racial, jogamos fora a valorização da mestiçagem. Cota definitivamente não se dá bem com mestiços! Se o Brasil com isso se transformar mesmo numa verdadeira democracia racial, não teremos perdido grande coisa... Ou teremos? Afinal, não somos todos (nós seres humanos), desde sempre e para sempre, culturalmente e "racialmente", mestiços?

Hermano Vianna é antropólogo, autor de "O Mundo Funk Carioca" e "O Mistério do Samba" (ed. Jorge Zahar). Ele escreve periodicamente na série "Brasil 505 d.C.", do Mais!.


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