São Paulo, domingo, 27 de setembro de 2009

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

GIGANTE ASSIMÉTRICO

Crescimento chinês tornou o país comunista um dos mais desiguais do mundo; incentivos ao mercado retrocederam desde os anos 90

DE PEQUIM

Ao chegar a Pequim, o visitante aterrissa no maior aeroporto do mundo. Desenhado pelo arquiteto Norman Foster, custou US$ 3,6 bilhões [R$ 6,5 bilhões]. Dali pode chegar ao centro da cidade por um trem de superfície. Verá avenidas com asfalto impecável adornadas por jardins. O metrô, que tinha 140 km de extensão no início de 2008, chegará a 230 ao final deste ano e a 420 km em 2012 (o de São Paulo tem 61 km).
Prédios novos dos arquitetos mais famosos do mundo estão espalhados pela capital chinesa, que parece mais rica que qualquer cidade brasileira. Há apenas 20 anos, Pequim era mais conhecida pela onipresença de cortiços e pela ausência de carros nas ruas.
"O modelo chinês foi muito bem-sucedido no crescimento acelerado, na criação de milhões de empregos e em obter resultados que outras ditaduras também populosas nunca alcançaram", diz o economista chinês Yasheng Huang, professor do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT).
Em 1991, a economia da China era de US$ 400 bilhões (equivalente ao Brasil de então). Ao final deste ano, o PIB chinês terá crescido quase 11 vezes -no ano que vem, ultrapassará o Japão como segunda maior economia do mundo.
O governo chinês tem US$ 2 trilhões em reservas internacionais e seu Ministério do Comércio tem organizado viagens para comprar empresas na Europa e na Austrália (nenhuma ainda na América Latina).
"Mas está na hora de melhorar esse crescimento, que não se destrua o ambiente e que a riqueza seja distribuída", diz Yasheng, autor do livro "Capitalism with Chinese Characteristics" (Capitalismo com Características Chinesas). Apesar do frenesi construtivo em Pequim, Xangai ou Guangzhou, 74% dos lares na zona rural, onde vivem 730 milhões de chineses, não têm geladeira.

Crescimento desigual
A desigualdade social disparou. A renda média em Pequim é de 44,7 mil yuans por ano (R$ 12 mil), enquanto no Tibete é de 3.700 yuans. Entre os chineses que moram no campo, 54%, a renda média é um terço daquela dos 46% urbanos.
A população assistiu a um inédito progresso social (os pequineses tinham renda de 2.600 yuans em 1990, 15 mil yuans em 2000 e 44,7 mil yuans no ano passado), mas hoje a China é um dos países mais desiguais do mundo. "Temos um governo rico, com empresas estatais que não sabem o que fazer com seus lucros, e uma sociedade relativamente pobre, com baixos salários", diz o economista Andy Xie, colunista da revista "Caijing".
A abertura chinesa não foi um processo uniforme. Teve experimentações, das zonas francas criadas por Deng Xiaoping para "testar o capitalismo" à liberação dos camponeses das fazendas coletivas.
Yasheng diz que nos anos 80 o empreendedorismo do povo chinês foi liberado, mas que, a partir do final dos anos 90, retornaram o estatismo e as barreiras para empreendedores.
Nos anos 80, a diáspora chinesa, de Hong Kong a Taiwan, dos EUA a Cingapura, representou o primeiro grupo a se arriscar a investir pesadamente no país.
A China é o maior recipiente de investimentos estrangeiros do mundo nos últimos 20 anos e, em vários rankings internacionais, tem a economia mais aberta que no Brasil.
"A escala do mercado e o poder de decisão do Partido Comunista, que construiu uma gigantesca infraestrutura em tão pouco tempo, atraíram o mundo", diz a consultora britânica Jeanne-Marie Gescher, há 20 anos no país.
Para que tivessem acesso a um mercado potencial de 1,4 bilhão de pessoas e à mão de obra barata, o governo conseguiu arrancar transferência de tecnologia e condições favoráveis de quase todas as multinacionais, além de decidir em que cidades poderiam se instalar.

Novos desafios
Para o professor Yasheng, é hora de tirar o monopólio do Estado de diversas áreas e democratizar o acesso ao crédito. O pacote de estímulo para a economia de US$ 580 bilhões, no ano passado, foi canalizado principalmente para empresas estatais (há 115 mil no país).
"O pequeno empresário que precisa crescer não consegue crédito ou fica nas mãos do PCC para obter alguma ajuda", diz Yasheng. "Virou um capitalismo oligárquico, ameaçado por corrupção crua."
O setor de serviços ainda é pequeno e o consumo doméstico representa apenas 35% do PIB (metade do que na maioria dos países desenvolvidos).
O PIB chinês deve crescer 8,3% neste ano e 9,5% em 2010, mas o clima não é de fogos de artifício. Segundo o primeiro-ministro chinês, Wen Jiabao, "a China superou os desafios da crise internacional com total confiança, mas a estabilização e a recuperação ainda não são sólidas e equilibradas".
O desequilíbrio da China com o resto do mundo continua. Os americanos acusam o yuan de ser artificialmente desvalorizado e governos de Brasil e Índia a EUA e União Europeia acusam a China de práticas ilegais no comércio.
As empresas chinesas continuam a receber mais incentivos para exportar e muitos dos empréstimos do pacote governamental vão gerar mais capacidade produtiva.
Os especialistas concordam que o ajuste da China passa por menos exportações e mais consumo interno, que as estatais devem retornar mais lucros ao Estado, que investiria mais em saúde, educação e habitação. O país terá que fazer a transição já feita por Japão e Coreia do Sul, de elevar o valor agregado de sua produção.
Mas, para o partido, a prioridade é de mais curto prazo: continuar criando empregos para os 15 milhões de camponeses que anualmente se mudam para as cidades e para os 6 milhões de formados pelas universidades chinesas -21 milhões de novos postos de trabalho por ano. (RJL)


Texto Anterior: Revolução instituiu comunismo à chinesa
Próximo Texto: O líder que a economia enterrou
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.