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...quando se está só ou para espantar o tédio
MODESTO CARONE
ESPECIAL PARA A FOLHA
Meu Último Suspiro
de Luis Buñuel, tradução de André Telles, ed. Cosac Naify
Compõe um mosaico das memórias do cineasta espanhol (lembram-se de "A Bela da Tarde"?).
Espanha, Paris, EUA e México
são os cenários em que se passa
esta existência brilhante e acidentada, com vaivéns montados
de forma simples e fluente, que
não dispensa o humor negro nem
a crítica de um narrador anarcossurrealista.
Depois de tantas peripécias, Buñuel, surdo e quase cego, se
afasta do mundo turbulento da
política e do espetáculo e dá vazão à sua enraizada raiva contra
o consumo fútil, a ciência e a tecnologia, que ameaçam o mundo.
Uma vida que precisava realmente ser narrada.
O Imitador de Vozes
de Thomas Bernhard, trad. Sergio Tellaroli, Cia. das Letras
Thomas Bernhard é o maior escritor austríaco do século 20.
Em "O Imitador de Vozes", o tom
ácido, sarcástico, às vezes lírico
-com frases cuja ambição é dizer tudo- acompanha casos curtos ou curtíssimos sobre o mundo à nossa volta, singularidades
que se tornam universais graças
à forma acabada da escrita e à finura do enfoque. A tradução do
alemão é excelente.
A Via-Crúcis do Corpo
de Clarice Lispector, ed. Rocco
Causa espanto ao leitor voltado
para a ficção de um romance pesado e profundo como "A Paixão
segundo G.H.", onde a protagonista sofisticada esmaga uma
barata e a engole no quarto desocupado da empregada.
Aqui, a narradora penetra no
universo fervilhante da vida da
classe média baixa, com uma naturalidade à la Nelson Rodrigues
(à moda da casa). Não é exagero
afirmar que, neste livro, a mais
que talentosa, linda e loira escritora brasileira é capaz de enfrentar a "baixaria" como alguém
que a conhece bem.
Para dar um exemplo, o conto em
que um casal carioca passa a
dormir com a amante do marido,
que por sua vez leva para casa
uma amiga e os quatro compartilham a mesma cama, com as
consequências que a imaginação
erótica concebe.
No final, as visitantes vão embora para namorar, e o casal continua a ser o que era. "A literatura
que se dane", diz a narradora de
primeira pessoa. As outras narrativas também vão nessa linha.
A Cidade Antiga
de Fustel de Coulanges, trad.
Fernando de Aguiar, ed. Martins
É um clássico sobre os costumes
da Antiguidade greco-romana.
Expõe, em linguagem acessível,
os mitos, ritos, sistemas de
crença e as instituições que sustentaram sociedades e tipos de
sociabilidade extintos, com uma
nitidez que torna possível ao leitor reconhecer-se em muitos dos
seus vestígios.
Basta citar como exemplo a cerimônia do casamento, na qual o
noivo carrega nos braços a noiva
vestida de branco "por cima" da
soleira da porta de entrada, momento a partir do qual ela irá
honrar os deuses lares do noivo
em detrimento dos seus.
Isso remete ao rapto das sabinas, que deu nascimento a Roma. Um livro fascinante.
Chantagistas Não Atiram
de Raymond Chandler, trad. Alves Calado, ed. Record
Para quem estiver entediado e
quer ser entretido, é altamente
recomendável "Chantagistas
Não Atiram", de Raymond Chandler. Embora o escritor achasse
que o seu gênero preferido era o
romance, é evidente que também no conto ele não erra o alvo.
Vale lembrar que Chandler é um
mestre e que seus relatos "policiais", segundo o poeta W.H. Auden, não são apenas "divertissement", mas obras de arte literárias. Mate o tempo lendo suas
histórias.
MODESTO CARONE é escritor, tradutor e ensaísta, autor de "Lição de Kafka" (Cia. das Letras) e "Metáfora e Montagem" (Perspectiva).
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