São Paulo, domingo, 27 de dezembro de 2009

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...quando se está só ou para espantar o tédio

MODESTO CARONE
ESPECIAL PARA A FOLHA

Meu Último Suspiro
de Luis Buñuel, tradução de André Telles, ed. Cosac Naify
Compõe um mosaico das memórias do cineasta espanhol (lembram-se de "A Bela da Tarde"?). Espanha, Paris, EUA e México são os cenários em que se passa esta existência brilhante e acidentada, com vaivéns montados de forma simples e fluente, que não dispensa o humor negro nem a crítica de um narrador anarcossurrealista.
Depois de tantas peripécias, Buñuel, surdo e quase cego, se afasta do mundo turbulento da política e do espetáculo e dá vazão à sua enraizada raiva contra o consumo fútil, a ciência e a tecnologia, que ameaçam o mundo. Uma vida que precisava realmente ser narrada.

O Imitador de Vozes
de Thomas Bernhard, trad. Sergio Tellaroli, Cia. das Letras
Thomas Bernhard é o maior escritor austríaco do século 20. Em "O Imitador de Vozes", o tom ácido, sarcástico, às vezes lírico -com frases cuja ambição é dizer tudo- acompanha casos curtos ou curtíssimos sobre o mundo à nossa volta, singularidades que se tornam universais graças à forma acabada da escrita e à finura do enfoque. A tradução do alemão é excelente.

A Via-Crúcis do Corpo
de Clarice Lispector, ed. Rocco
Causa espanto ao leitor voltado para a ficção de um romance pesado e profundo como "A Paixão segundo G.H.", onde a protagonista sofisticada esmaga uma barata e a engole no quarto desocupado da empregada. Aqui, a narradora penetra no universo fervilhante da vida da classe média baixa, com uma naturalidade à la Nelson Rodrigues (à moda da casa). Não é exagero afirmar que, neste livro, a mais que talentosa, linda e loira escritora brasileira é capaz de enfrentar a "baixaria" como alguém que a conhece bem.
Para dar um exemplo, o conto em que um casal carioca passa a dormir com a amante do marido, que por sua vez leva para casa uma amiga e os quatro compartilham a mesma cama, com as consequências que a imaginação erótica concebe.
No final, as visitantes vão embora para namorar, e o casal continua a ser o que era. "A literatura que se dane", diz a narradora de primeira pessoa. As outras narrativas também vão nessa linha.

A Cidade Antiga
de Fustel de Coulanges, trad. Fernando de Aguiar, ed. Martins É um clássico sobre os costumes da Antiguidade greco-romana.
Expõe, em linguagem acessível, os mitos, ritos, sistemas de crença e as instituições que sustentaram sociedades e tipos de sociabilidade extintos, com uma nitidez que torna possível ao leitor reconhecer-se em muitos dos seus vestígios.
Basta citar como exemplo a cerimônia do casamento, na qual o noivo carrega nos braços a noiva vestida de branco "por cima" da soleira da porta de entrada, momento a partir do qual ela irá honrar os deuses lares do noivo em detrimento dos seus.
Isso remete ao rapto das sabinas, que deu nascimento a Roma. Um livro fascinante.

Chantagistas Não Atiram
de Raymond Chandler, trad. Alves Calado, ed. Record Para quem estiver entediado e quer ser entretido, é altamente recomendável "Chantagistas Não Atiram", de Raymond Chandler. Embora o escritor achasse que o seu gênero preferido era o romance, é evidente que também no conto ele não erra o alvo.
Vale lembrar que Chandler é um mestre e que seus relatos "policiais", segundo o poeta W.H. Auden, não são apenas "divertissement", mas obras de arte literárias. Mate o tempo lendo suas histórias.


MODESTO CARONE é escritor, tradutor e ensaísta, autor de "Lição de Kafka" (Cia. das Letras) e "Metáfora e Montagem" (Perspectiva).


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