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Caçada aos tesouros
Repatriação
de objetos históricos pode fragmentar acervos
de grandes
museus e
empobrecer
o mundo
PETER BURKE
COLUNISTA DA FOLHA
Mais conhecido
por outros fatores, Napoleão
Bonaparte
[1769-1821] é
famoso -ou infame- na história cultural por ter incentivado
a pilhagem maciça de obras de
arte dos países que conquistou,
como Itália ou Espanha.
É claro que ele não foi o primeiro conquistador a agir dessa maneira -apenas colecionou em escala napoleônica.
Nem foi o último conquistador
a saquear: durante a Segunda
Guerra, os Exércitos alemão,
russo e americano levaram tesouros dos países derrotados.
O que não é igualmente bem
conhecido é a história de como
muitos objetos belos ou históricos chegaram a museus do
Ocidente.
Quando se faz uma visita ao
Museu Britânico, em Londres,
ao Louvre, em Paris, ou à Ilha
dos Museus de Berlim, é fácil
enxergar seus acervos como algo natural e garantido, presumindo que sempre estiveram
ali e esquecendo que foram adquiridos ao longo do tempo.
A palavra "adquiridos", empregada com frequência nos
círculos dos museus, é uma espécie de jargão resumido que
alude a doações, aquisições e
objetos pilhados -não pelo
museu, é claro, mas por alguns
marchands e doadores.
Tome-se o caso dos chamados "mármores de Elgin".
No início do século 19, lorde
Elgin [1766-1841], o então embaixador britânico no Império
Otomano (que, naquela época,
incluía a Grécia), obteve autorização para retirar esculturas
clássicas encontradas sobre o
solo ou debaixo dele perto do
Pártenon, em Atenas -mas
não para remover artefatos do
próprio templo, que foi o que
aconteceu de fato.
Elgin pretendia ficar com as
esculturas, mas precisava de
dinheiro, de modo que acabou
vendendo sua coleção ao Museu Britânico.
Outro caso: as enormes esculturas presentes no salão assírio do Museu Britânico foram
tiradas do Iraque (outra parte
do Império Otomano) por Austen Layard [1817-94], diretor
de escavações nesse país.
As esculturas de bronze que
o museu tem e que são originárias do [antigo reino do] Benin,
na África ocidental, chegaram à
Inglaterra após uma chamada
"expedição punitiva" do Exército britânico em 1897, enquanto alguns dos manuscritos
tibetanos chegaram após uma
expedição militar ao Tibete em
1903, na qual vários mosteiros
foram saqueados.
Outros manuscritos preciosos foram adquiridos depois de
o arqueólogo húngaro-britânico Aurel Stein [1862-1943] ter
descoberto e levado embora
cerca de 40 mil rolos de pergaminho (incluindo o famoso
"Sutra do Diamante") das cavernas Dunhuang, um complexo de templos budistas na fronteira ocidental da China.
Stein pagou 220 pelos pergaminhos, um valor pequeno
mesmo na época de sua expedição, 1907.
Meios questionáveis
Como inglês, senti-me constrangido quando tomei conhecimento dos meios pelos quais
o Museu Britânico obteve a
posse de alguns dos objetos maravilhosos com os quais estou
familiarizado desde minha infância. Mas ele não foi o único a
adquirir objetos por meios
questionáveis, especialmente
no século 19 e no início do 20.
Quando, em 1863, o imperador francês Napoleão 3º enviou
um exército ao México para reforçar as reivindicações de seu
colega imperador Maximiliano,
estudiosos acompanharam a
expedição e retornaram com
vários artefatos astecas.
As forças da aliança de oito
países que interveio na China
em 1900 para suprimir a chamada Revolta dos Boxers saquearam Pequim, levando embora muitos bronzes e peças de
porcelana e jade que acabaram
chegando a museus ocidentais.
Em Berlim, alguns objetos
famosos expostos na Ilha dos
Museus incluem o Portão de
Ishtar, retirado da Babilônia,
no atual Iraque, e o Altar de
Pergamon, um monumento da
Antiguidade grega levado da
atual Turquia.
O arqueólogo americano Hiram Bingham [1875-1956] tirou
cerca de 40 mil objetos, desde
esqueletos até artefatos de cerâmica, de Machu Picchu durante uma expedição ao Peru
promovida pela Universidade
Yale em 1912.
Seria fácil acrescentar mais
dados a essa lista resumida.
Esses objetos saqueados serão devolvidos? Deveriam ser
devolvidos? O Louvre só pôde
expor os objetos roubados por
Napoleão por poucos anos: a
queda de Napoleão, em 1815, levou à devolução dos artefatos.
Na maioria dos outros casos,
os pedidos de devolução são relativamente recentes, desde a
década de 1980, quando Melina
Mercouri, uma antiga atriz que
se tornou ministra da Cultura
da Grécia, encabeçou uma campanha defendendo a repatriação dos mármores de Elgin (ou
os mármores do Pártenon, como os gregos os chamam).
O governo nigeriano pediu a
devolução dos bronzes do Benin, por exemplo. Até agora
apenas alguns poucos pedidos
de repatriação de artefatos tiveram êxito.
Em 1971, por exemplo, o governo dinamarquês devolveu à
Islândia alguns manuscritos
medievais famosos.
Museus dos EUA e do Canadá já devolveram vários artefatos aos "primeiros povos" que
os reivindicaram, incluindo o
poste sagrado da tribo omaha,
devolvido pelo Museu Peabody, da Universidade Harvard, em 1989.
Em 2007, foi fechado um
acordo entre a Universidade
Yale e o governo peruano para a
devolução dos objetos levados
por Bingham de Machu Picchu.
O aumento dos pedidos de
repatriação vem ocorrendo em
um momento em que cresce
entre a Unesco [Organização
das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura],
governos nacionais, museus e o
público em geral a preocupação
com o que hoje é conhecido como "patrimônio cultural".
Controvérsia
Esses pedidos de devolução
suscitam uma pergunta ampla
e difícil de responder.
Será que cada objeto de um
patrimônio cultural dado que,
no passado, foi retirado de seu
ambiente original, quer tenha
sido doado, comprado ou roubado, deveria ser devolvido?
Se sim, a quem deveria ser
devolvido? Afinal, os donos originais de todos os artefatos
mencionados neste artigo já
morreram há muito tempo.
Terão os países modernos o
direito de propriedade sobre algo que foi produzido no passado em um território que hoje é
deles? Essas questões continuam a ser altamente controversas, e a controvérsia envolve
governos, museus, advogados e
marchands.
A meu ver, o mundo sairia
empobrecido se tudo fosse devolvido. O acúmulo de objetos
de muitos lugares diferentes
em grandes museus públicos
proporcionou a grande número
de pessoas a oportunidade de
apreciar as realizações de outras culturas: a pintura egípcia,
máscaras africanas, gravuras
japonesas e assim por diante.
Por outro lado, determinados objetos gozam de status especial porque se tornaram símbolos de identidade nacional.
Na minha opinião, os mármores do Pártenon deveriam
ser devolvidos à Grécia, o busto
de Nefertiti, ao Egito, e pelo
menos alguns dos bronzes do
Benin, à Nigéria, mas grandes
acervos internacionais como os
do Museu Britânico e do Louvre não deveriam ser fragmentados. Como mostra o número
de visitantes estrangeiros que
passam por esses museus, esses
acervos viraram parte de uma
cultura global.
PETER BURKE é historiador inglês, autor de "A
Tradução Cultural" (ed. Unesp) e "O Historiador
como Colunista" (ed. Civilização Brasileira). Escreve regularmente no Mais!.
Tradução de Clara Allain.
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