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+ política
O escritor ataca o filósofo Antonio Negri por defender que o premiê Berlusconi está
sendo vítima da mesma perseguição que sofreram as Brigadas Vermelhas nos anos 70
A lógica perversa de um terrorista
Não é por acaso que hoje na Itália diversas pessoas que nos anos 70 flertavam, pelo menos em palavras, com o terrorismo ocupam lugares importantes na sociedade e na política italianas
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Claudio Magris
especial para o "Le Monde"
Ignoro quantas pessoas sabem que
Antonio Negri, líder da Autonomia
Operária e condenado por um tribunal italiano por participação em grupo
armado, expressou em uma declaração
publicada pelo jornal italiano "Corriere
della Sera", em 5/5/2003, sua solidariedade a Silvio Berlusconi [premiê italiano]
pelas acusações que lhe foram feitas pela
magistratura italiana -os juízes que
Berlusconi acusa de ser pérfidos comunistas, revolucionários de esquerda.
Segundo Toni Negri, há uma continuidade proposital e planejada entre as perseguições infligidas pela magistratura
italiana aos terroristas durante os anos
de chumbo, aos que assassinaram juízes,
operários, sindicalistas, jornalistas e professores, e as perseguições hoje infligidas
a Berlusconi, que Negri evidentemente
considera uma "vítima da justiça burguesa". Em um artigo publicado no
"Corriere della Sera" em 5/6/2003, perguntei publicamente a Berlusconi, presidente do conselho, se essa aproximação
não o deixava em posição incômoda,
mas não tive resposta.
De seu ponto de vista, Toni Negri tem
razão. Berlusconi evidentemente não
tem nada a ver com o terrorismo daquele
período, mas ele também, quando acusado pelos juízes, não se limita a defender-se pela via judicial, como é seu direito, mas -incrível extravagância da parte
de um chefe de governo- deslegitima
os juízes e o sistema judicial, acusa os juízes de ser comunistas ou filocomunistas,
assim como Toni Negri e as Brigadas
Vermelhas os acusavam (e talvez ainda
acusem) de ser burgueses.
Não é por acaso que hoje na Itália diversas pessoas que nos anos 70 flertavam, pelo menos em palavras, com o terrorismo -proclamavam a necessidade
de derrubar por todos os meios o sistema
capitalista e suas instituições liberal-democráticas ou destruir publicamente os
livros como fetiches da cultura burguesa- ocupam lugares importantes na sociedade e na política italianas, em particular no mundo da informação, e sobretudo militam nas fileiras dos partidários
de Berlusconi. Vários dos que ontem diziam "nem com o Estado nem com as
Brigadas Vermelhas" hoje são intelectuais entusiásticos e agressivos ao lado
de Berlusconi.
Cisão secular
Em tudo isso há uma
lógica profunda, coerente e perversa.
Nos anos 70, a Itália vivia, embora em
meio a diversas contradições, um grande
momento de renovação e de esperança.
Foram os anos de lutas sociais que conduziram a conquistas sindicais significativas, anos em que a liberdade cresceu,
em que as massas sempre mais vastas se
integraram à vida política do país, preparando-se para remediar, pelo menos em
parte, a cisão secular entre a Itália legal e
a Itália real; em que o Partido Comunista, dirigido por Enrico Berlinguer, vivia
um processo de democratização libertadora para todo o país, porque transformava as massas exploradas, estrangeiras
e hostis ao Estado em elementos ativos
que trabalhavam por sua transformação
e seu aperfeiçoamento civil.
Certamente a Itália não era um modelo
nem um paraíso, com sua corrupção, a
Máfia, os complôs obscuros e assassinos
dos serviços secretos, que muitas vezes
souberam utilizar de maneira hábil e criminosa para seus fins essa tentativa de
subversão terrorista que acreditava ser
de esquerda, enquanto era útil à direita.
A Itália era um Estado defeituoso, mas
ainda um Estado de Direito e certamente
não era um Estado totalitário e terrorista,
contra o qual existe apenas a resistência
armada.
Era uma Itália que parecia se encaminhar para um futuro mais concretamente democrático, pluralista e aberto -a
Itália de Norberto Bobbio e de Sandro
Pertini, das forças mais progressistas.
O partido subterrâneo reacionário
transversal não tinha nada em comum
com o terrorismo, mas flertava com ele
porque sabia que se dedicava a atacar e
enfraquecer essa Itália civil. Na verdade,
os terroristas não atacaram de maneira
coerente os corruptos ou mafiosos, mas
assassinaram personalidades das mais
abertas e esclarecidas -do professor
Vittorio Bachelet ao operário comunista
Guido Rossa ao juiz Emilio Alessandrini,
para dar apenas alguns exemplos- porque eram os melhores homens para sustentar o Estado. Os que enfrentaram duramente o terrorismo foram grandes antifascistas, como Leo Valiani, combatente e chefe da Resistência.
Esse extremismo irresponsável, estupidamente estranho a qualquer contato
real com a sociedade italiana e seus processos e desprovido de qualquer inteligência e cultura política, foi o preâmbulo
lógico à virada de casaca reacionária que
se seguiu. Os que querem a revolução total e imediata, que o mundo esteja definitivamente (e muitas vezes sanguinariamente) redimido amanhã de manhã,
desprezando o interminável trabalho necessário para criar mais liberdade e mais
igualdade, esses mesmos, no dia seguinte
de manhã, quando vêem que o messias
não chegou, se convencem de que a situação existente não pode ser modificada, que toda tentativa de aperfeiçoá-la é
inútil e nefasta, e se declaram contra
qualquer progresso, sempre relativo.
É uma história tragicamente estúpida e
muito freqüente -a do extremista revolucionário que se torna reacionário.
Conversões fáceis
Diversos terroristas hoje parecem convertidos, às vezes
com o kitsch latente das conversões fáceis. Alguns anos atrás, um deles declarou à televisão italiana que havia encontrado uma companheira e tivera um filho e assim compreendera que a violência é má, "que não podemos matar um
pai", como se, por outro lado, fosse lícito
matar qualquer um que seja apenas um
tio. É preciso ter muito pouco poder de
imaginação se há necessidade de tornar-se fisicamente pai para compreender a
dor de perder um pai ou um filho.
Todo autor de crime deve ter seus direitos de cidadão protegidos, mesmo na
paixão que o pode ter levado a cometer
seus atos e a perder-se nessas confusões,
emoções, morgues intelectuais, utopias
generosas e exaltações ruidosas que,
combinadas com uma época e uma sociedade perturbadas, podem levar alguém à opção e às ações mais desesperadas e mais ilícitas.
A suposição cínica de alguns ex-terroristas é em si mesma cômica, como a suficiência dos personagens de uma novela, mas se torna intolerável para as vítimas. Podemos e devemos ter compreensão e indulgência por todos e tentar devolver o maior número possível de condenados -não somente por atos de terrorismo- à plenitude da vida civil, mas
é revoltante comparar -como fizeram
alguns- o terrorismo italiano dos anos
70 à Resistência. Seria como dizer que
Papon ou Barbie são heróis da Resistência francesa.
Claudio Magris é escritor e professor de língua e
literatura alemãs na Universidade de Trieste e autor de "Danúbio" e "Microscosmos" (ed. Rocco).
Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves.
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