São Paulo, domingo, 28 de setembro de 2008

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A superideologia

Abrindo o cofrinho


Penalizado com a intervenção do governo em banco e seguradoras, contribuinte americano deve fiscalizar e exigir contrapartida ao pacote

JAMES K. GALBRAITH
WILLIAM K. BLACK

Vivemos dias de milagres e maravilhas..." O mercado entrou em colapso, e só o governo pode nos salvar agora. Três décadas de papo furado desapareceram.
De repente, estamos todos juntos na parada. Henry Paulson [secretário do Tesouro dos EUA] e Ben Bernanke [presidente do Federal Reserve, o banco central do país] na liderança, o Congresso remando como escravos de galé pós-partidários, o presidente George W. Bush tentando passar despercebido e procurando, com certeza avidamente, pela porta de saída.
Alguma coisa precisa ser feita. Fato. Mas em que termos? O Tesouro propõe gastar US$ 700 bilhões na aquisição de títulos lastrados por hipotecas sem prestar contas a ninguém.
O secretário Paulson pede confiança. Mas ele fez por merecê-la? Lembrem-se: quando assumiu, seu projeto era destruir a Lei Sarbanes-Oxley [criada em 2002, estabeleceu critérios mais rigorosos de responsabilidade corporativa e controle contábil].
Posteriormente, ele tentou paralisar a Securities and Exchange Commission [órgão responsável pela fiscalização e regulamentação do mercado de valores mobiliários].
E, há apenas três semanas, recorreu ao banco Morgan Stanley -de forma alguma uma parte desinteressada- em busca de conselhos que levaram à nacionalização de Fannie Mae e Freddie Mac [empresas de crédito imobiliário].
Portanto, "devemos confiar, mas verificar", como Ronald Reagan diria (e disse).
O Congresso precisa agora impor condições que protejam o público, o interesse nacional e, não menos, os interesses do próximo governo. Segue uma lista sumária:

Cláusula de informação
O Tesouro deve ter acesso imediato e completo a informações sobre carteiras, contrapartes, os métodos internos de avaliação usados pelas companhias financeiras, seus modelos operacionais exclusivos e ao histórico dos ajustes feitos nesses modelos para reconhecer ou ocultar prejuízos à medida que a crise se desenrolava.

Cláusula de preços
O Tesouro precisa estabelecer um mecanismo claro a fim de determinar um valor justo de mercado para os títulos lastreados por hipotecas antes do resgate, estipular limites para o ágio a ser pago com relação a esse valor e requerer que as instituições financeiras avaliem suas carteiras plenas a preço de venda.
Em outras palavras, a prática de ocultar prejuízos -"leniência contábil"- deve ser abolida.

Contra fraudes
Os títulos adquiridos devem ser revisados e -no caso daqueles cujo valor se baseia em avaliações fraudulentas, documentação inadequada, práticas predatórias ou de outra forma abusivas- devem ser restituídos às instituições, com uma multa punitiva.

Policiamento
O Tesouro deve ser forçado a criar uma estrutura para investigações e para encaminhar acusações criminais às autoridades responsáveis e provar que essa estrutura está sendo utilizada de maneira agressiva.
As empresas participantes deveriam ser forçadas a investigar e documentar fraudes passadas, estabelecer controles internos contra fraudes e apresentar denúncias criminais quando necessário.
O FBI [polícia federal dos EUA] e os procuradores da Justiça Federal deveriam receber um "cheque em branco" para investigar os crimes que estão por trás desse fiasco.

Arbitragem
Um dos grandes perigos do plano de Paulson é o de que instituições, fundos de hedge e outras empresas de fora dos EUA aproveitem a oportunidade para vender seus maus papéis a instituições americanas elegíveis, reabastecendo o pântano que o Tesouro procura secar.
Todas as instituições financeiras dos EUA devem ser forçadas a apresentar informações básicas sobre suas posições em títulos lastreados por hipotecas e outros ativos elegíveis em 15 de setembro de 2008.

Transparência
As operações do Tesouro no cumprimento do plano, incluindo comunicações e consultas com assessores externos, devem ser transparentes para o Congresso, que deve receber toda a informação que deseje. Sem exceção.

Compadrio
O programa deve ser dirigido por pessoas que não estejam sujeitas a conflitos de interesse abusivos.
Para garantir que seja esse o caso, o Tesouro deve requerer informações financeiras completas sobre qualquer pessoa contratada para gerir o programa e impor regras e um sistema que estabeleça um código severo para prevenir conflito de interesses.
Recado especial ao Congresso: John McCain personifica e incorpora o sistema de compadrio. Não aprovem, então, um projeto de lei que daria a ele, como presidente, controle irrestrito sobre a maneira como o programa operaria.

Modificação
À medida que o número de hipotecas executadas cresce, o Tesouro termina no controle de propriedades físicas que se deteriorarão rapidamente caso não sejam vendidas, alugadas ou estejam ocupadas.
Para prevenir essa possibilidade deve ser estabelecida uma nova agência, para rapidamente modificar os contratos hipotecários existentes, administrar as conversões para locação e arrendar, vender ou demolir casas vazias.
A agência pode ser operada como os conselhos de recrutamento militar em guerras passadas, sob o comando de cidadãos em cada comunidade, mas respeitando normas federais.
Isso seria tudo? Não, apenas um começo.
Outras medidas precisam ser adotadas, entre as quais uma reforma abrangente do sistema regulatório, divisão de receitas para proteger os gastos públicos estaduais e locais à medida que caem as receitas com impostos imobiliários, apoio a investimentos de capital e à criação de empregos.
Mas essas outras medidas serão parte da agenda do novo governo. Sobreviver até que ela chegue é a tarefa do povo norte-americano agora.


JAMES K. GALBRAITH é economista e professor na Universidade do Texas, em Austin. É autor de "The Predator State - How Conservatives Abandoned the Free Market and Why Liberals Should Too" [O Estado Predador - Como os Conservadores Abandonaram o Livre Mercado e Por Que os Liberais Deveriam Fazer o Mesmo].

WILLIAM K. BLACK é professor de direito e economia na Universidade de Missouri e autor de, entre outros, "The Best Way to Rob a Bank Is to Own One" [A Melhor Maneira de Roubar um Banco É Ser Dono de Um].
Este texto foi publicado na "The Nation".
Tradução de Paulo Migliacci.


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