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Pequenas bruxarias
"Bons Dias!"
e "Comentários da Semana" reúnem crônicas de Machado de Assis publicadas na "Gazeta
de Notícias" e
no "Diário do
Rio de Janeiro"
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MARCELINO FREIRE
ESPECIAL PARA A FOLHA
Bons Dias!
Era assim que Machado de Assis iniciava suas crônicas
na "Gazeta de Notícias". Repito aqui, pois, a saudação. Acabam de sair mais
dois livros do Machado. Sim: na
calorosa e inflacionada comemoração dos seus cem anos de
morte. Fiquei pensando: de novo? O que de novo? Qual novidade? Oh!
Claro: Machado é, senão,
nosso escritor maior. E infindável será o que se falará dele.
Sempiternamente. Meu texto,
este por exemplo, soará pauperramente débil diante de tamanha grandeza.
Verdade, amigos, não é ironia. É esperteza.
Como escrevia feito diabo o
danado! Aos 22 anos já era um
gênio. Explico: as crônicas de
"Comentários da Semana", um
dos dois títulos ora lançados,
foram escritas pelo jovem Bruxinho em 1860 (e publicadas no
"Diário do Rio de Janeiro").
E ele já começa na sua fina
adrenalina. Na crônica número
um, comunica: "Eu devia escrever estas linhas em cima de um
capitel antigo, ou diante de um
livro de velha poesia grega. Pedem-mo o assunto e a disposição de meu espírito, que, ingênuo, se volta para as singelas
crenças antigas, enjoado da filosofia deste século desabusado. [...] Doloroso é o salto mortal que sou obrigado a dar".
Meu Cristo!
Ingênuo também (e doloroso) caminha o meu espírito.
Sem saber idem o que escrever.
Vagando entre outrora e os
tempos de agora.
Por exemplo: lugar-comum
dizer o quanto Machado é atual
e veloz. Na sua linguagem irônica, bem-humorada, inovadora. Para falar de ópera e operários. De peças de teatro. Correndo, corrosivo e ritmado, de
um assunto para o outro. Ora,
parágrafos sobre atores, diretores, músicos, dançarinos e platéias emplumadas. De repente,
sobre a morte de um poeta. Ou
sobre as diferenças entre um
cemitério turco e um cemitério
cristão.
Edições cuidadas
Não, não me peçam explicação. Não vou aqui encher de informação didática esse canto
de página. Poupemos nosso
tempo. Tão precioso e conturbado! Os dois volumes falarão
por si. Vêm repletos, enfim, de
notas explicativas muito bem
cuidadas.
No volume "Comentários da
Semana", por Lúcia Granja e
Jefferson Cano. No outro,
"Bons Dias!", a edição vem assinada por John Gledson. Sim,
aquele professor da Universidade de Liverpool, velho conhecedor do autor carioca.
Pincelei uma das muitas coisas curiosas: Machado inventou um nome com o qual subscrevia o seu lado cronista de variedades. A saber: Gil.
Inevitável não lembrar do
nosso ex-Ministro da Cultura.
Não pelo pseudônimo, mas por
causa de uma das crônicas do
"Bons Dias!", em que Machado
comemora:
"Antes de mais nada, deixem-me dar um abraço no Luís
Murat, que acaba de "não" ser
eleito [aspas minhas] deputado
pelo 12º distrito do Rio de Janeiro. Eu já tinha escovado a
casaca e o estilo para o enterro
do poeta e o competente necrológico: ninguém está livre de
uma vitória eleitoral. [...] Não é
que seja mau ter um lugar na
Câmara. Tomara eu lá estar.
Não posso; não entram ali relojoeiros. Poetas entram, com a
condição de deixar a poesia.
Votar ou poetar."
Sei lá.
Repito: fui lendo e traçando
paralelos. Observando o quanto somos velhos. Nas mesmas
pendengas e conflitos. Magistral é o jeito com que Machado
fala, em vários textos de "Bons
Dias!" (estes, escritos entre
abril de 1888 e agosto de 1889)
sobre a abolição da escravatura.
Não há "salvação" para os negros. A abolição os conduzirá a
salários miseráveis e à instabilidade de trabalho. E isso continuará por muito tempo.
É mesmo?
E aí pensei nos nossos modernos cortadores de cana, nos
catadores de lata, nas minas de
carvão. Mas Machado não pede
tamanho exagero. Toda vez que
o leio, ganho um sarcasmo sorrateiro, uma violência implícita, uma sombra de poética assombração. Acalmo os meus
nervos. E os meus olhos ressacados. E a minha alma em frangalhos.
"Quebrar a pena"
Perdão, amigos leitores, este
meu texto falho para tratar de
um dos nossos maiores e mais
atuais debochadores.
"O fim particular que levo
nas linhas que aí ficam escritas
é pedir-vos que, com o auxílio
da vossa poderosa lente moral,
me designeis qual a sorte desses comentários. [...] Se for boa
a predição, tornar-me-ei forte;
se contrária me for, quebrarei a
pena e me recolherei à tenda,
como o velho guerreiro, sem
me queixar de ninguém", precavia-se o mancebo escritor.
E assinava, ao fim dos relatos,
como assino, de minha parte e
hoje, a todos os meus sonoros:
boas noites.
MARCELINO FREIRE é escritor, autor de "Rasif
- Mar Que Arrebenta" (contos, ed. Record).
BONS DIAS!
Autor: Machado de Assis
Editora: Unicamp (tel. 0/xx/19/3521-7718)
Quanto: R$ 40 (320 págs.)
COMENTÁRIOS DA SEMANA
Autor: Machado de Assis
Editora: Unicamp
Quanto: R$ 28 (216 págs.)
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