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12 MESES & 6 DESTINOS
Mídia oculta tragédia ambiental
Essa percepção, que divorcia o ambiental e o social,
vem aumentando, ao contrário do que se poderia imaginar
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JOSÉ AUGUSTO PÁDUA
ESPECIAL PARA A FOLHA
Esta manchete, ou antimanchete, deveria ser
publicada em 2009.
Ela forneceria o
ponto de partida para
construir um entendimento
público mais lúcido e abrangente do assunto, para além
das superficialidades, lugares-comuns e estereótipos que cada vez se difundem mais.
O ponto básico é o seguinte: a
verdadeira crise ambiental não
está nos acidentes, nos momentos excepcionais, mas sim
na continuidade cotidiana e
despercebida de padrões de
produção e consumo ecologicamente insustentáveis.
O desgaste da capacidade do
planeta para sustentar as sociedades humanas, mesmo tendo
em conta as grandes diferenças
de escala e de contexto entre as
diversas regiões e grupos sociais, ocorre de forma acumulativa no dia-a-dia, ocasionalmente explodindo em situações dramáticas e de grande visibilidade.
A tendência dos meios de comunicação é focalizar apenas
esses momentos de forte energia emocional, quando ocorre
um vazamento de petróleo,
uma enchente, a apreensão de
um grande estoque de madeira
cortada ilegalmente na Amazônia etc.
O pior da crise, no entanto,
fica dissimulado na gigantesca
teia dos fluxos diários de matéria e energia que movimentam
a economia global e pressionam os recursos renováveis e
não-renováveis da Terra.
Enquanto isso, a opinião pública continua tendo uma visão
distante e fragmentada da crise
ambiental, como se ela passasse ao largo da vida social e econômica de todos os dias.
Uma pesquisa nacional de
opinião realizada em 2006 pelo
instituto Vox Populi revelou
que apenas 19% dos brasileiros
consideram que as cidades fazem parte do ambiente, contra 77% para as florestas e 75%
para os rios. As favelas caem para 14%!
É curioso que mais brasileiros (21%) incluam os planetas
do que as cidades no ambiente... Essa percepção, que divorcia o ambiental e o social, ao
contrário do que se poderia
imaginar, vem aumentando ao
longo do tempo, pois em uma
pesquisa semelhante, realizada
em 1992, a inclusão das cidades
no ambiente foi afirmada por
22% dos brasileiros.
Problemas sistêmicos
Apesar da enorme expansão
quantitativa da preocupação
ambiental na opinião pública, a
compreensão dos problemas
continua vaga e superficial, e as
manchetes pouco têm contribuído para melhorar esse quadro. As primeiras páginas, por
exemplo, abrem espaço para os
megaengarrafamentos na cidade de São Paulo.
Mas poucos se dão conta de
que a cada dia, silenciosamente, cerca de 800 novos automóveis são introduzidos na cidade, gerando um entupimento
estrutural das vias públicas que
não será resolvido com medidas pontuais de engenharia.
As imagens de depósitos de
mogno ilegalmente cortado na
Amazônia são apresentadas
com destaque, mas poucos saberão que, ao se cortar um pé
de mogno, cerca de 30 árvores
de diferentes espécies são destruídas em função dos métodos
rudimentares utilizados pelas
madeireiras.
São árvores que não serão
contabilizadas nas estatísticas
econômicas e não aparecerão
na mídia, apesar de deixarem
sua marca nos crescentes empobrecimento genético e vulnerabilidade ao fogo da floresta
amazônica, para não falar da
devastação pura e simples.
Esses são apenas alguns
exemplos, que continuarão se
multiplicando enquanto a opinião pública considerar o ambiente como alguma coisa "lá
fora" e não como uma realidade
material que se confunde com
todos os movimentos do existir
humano.
O enfrentamento da crise sobre a qual tanto se fala, portanto, não poderá ser feito por
meio de medidas pontuais ou
emergenciais.
Ele passa pela construção de
um novo entendimento sobre
os limites e possibilidades do
desenvolvimento humano em
um planeta finito.
JOSÉ AUGUSTO PÁDUA é professor do departamento de história da Universidade Federal do
Rio de Janeiro e autor de "Um Sopro de Destruição" (ed. Jorge Zahar).
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