São Paulo, domingo, 28 de dezembro de 2008

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12 MESES & 6 DESTINOS

Mídia oculta tragédia ambiental


Essa percepção, que divorcia o ambiental e o social, vem aumentando, ao contrário do que se poderia imaginar

JOSÉ AUGUSTO PÁDUA
ESPECIAL PARA A FOLHA

Esta manchete, ou antimanchete, deveria ser publicada em 2009.
Ela forneceria o ponto de partida para construir um entendimento público mais lúcido e abrangente do assunto, para além das superficialidades, lugares-comuns e estereótipos que cada vez se difundem mais.
O ponto básico é o seguinte: a verdadeira crise ambiental não está nos acidentes, nos momentos excepcionais, mas sim na continuidade cotidiana e despercebida de padrões de produção e consumo ecologicamente insustentáveis.
O desgaste da capacidade do planeta para sustentar as sociedades humanas, mesmo tendo em conta as grandes diferenças de escala e de contexto entre as diversas regiões e grupos sociais, ocorre de forma acumulativa no dia-a-dia, ocasionalmente explodindo em situações dramáticas e de grande visibilidade.
A tendência dos meios de comunicação é focalizar apenas esses momentos de forte energia emocional, quando ocorre um vazamento de petróleo, uma enchente, a apreensão de um grande estoque de madeira cortada ilegalmente na Amazônia etc.
O pior da crise, no entanto, fica dissimulado na gigantesca teia dos fluxos diários de matéria e energia que movimentam a economia global e pressionam os recursos renováveis e não-renováveis da Terra.
Enquanto isso, a opinião pública continua tendo uma visão distante e fragmentada da crise ambiental, como se ela passasse ao largo da vida social e econômica de todos os dias.
Uma pesquisa nacional de opinião realizada em 2006 pelo instituto Vox Populi revelou que apenas 19% dos brasileiros consideram que as cidades fazem parte do ambiente, contra 77% para as florestas e 75% para os rios. As favelas caem para 14%!
É curioso que mais brasileiros (21%) incluam os planetas do que as cidades no ambiente... Essa percepção, que divorcia o ambiental e o social, ao contrário do que se poderia imaginar, vem aumentando ao longo do tempo, pois em uma pesquisa semelhante, realizada em 1992, a inclusão das cidades no ambiente foi afirmada por 22% dos brasileiros.

Problemas sistêmicos
Apesar da enorme expansão quantitativa da preocupação ambiental na opinião pública, a compreensão dos problemas continua vaga e superficial, e as manchetes pouco têm contribuído para melhorar esse quadro. As primeiras páginas, por exemplo, abrem espaço para os megaengarrafamentos na cidade de São Paulo.
Mas poucos se dão conta de que a cada dia, silenciosamente, cerca de 800 novos automóveis são introduzidos na cidade, gerando um entupimento estrutural das vias públicas que não será resolvido com medidas pontuais de engenharia. As imagens de depósitos de mogno ilegalmente cortado na Amazônia são apresentadas com destaque, mas poucos saberão que, ao se cortar um pé de mogno, cerca de 30 árvores de diferentes espécies são destruídas em função dos métodos rudimentares utilizados pelas madeireiras.
São árvores que não serão contabilizadas nas estatísticas econômicas e não aparecerão na mídia, apesar de deixarem sua marca nos crescentes empobrecimento genético e vulnerabilidade ao fogo da floresta amazônica, para não falar da devastação pura e simples. Esses são apenas alguns exemplos, que continuarão se multiplicando enquanto a opinião pública considerar o ambiente como alguma coisa "lá fora" e não como uma realidade material que se confunde com todos os movimentos do existir humano.
O enfrentamento da crise sobre a qual tanto se fala, portanto, não poderá ser feito por meio de medidas pontuais ou emergenciais. Ele passa pela construção de um novo entendimento sobre os limites e possibilidades do desenvolvimento humano em um planeta finito.


JOSÉ AUGUSTO PÁDUA é professor do departamento de história da Universidade Federal do Rio de Janeiro e autor de "Um Sopro de Destruição" (ed. Jorge Zahar).


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