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+(p)olítica
O ônus do crescimento
Carta enviada por Obama a Lula e declaração de assessor da Presidência revelam luta do Brasil por maior influência geopolítica
KENNETH SERBIN
ESPECIAL PARA A FOLHA
Enquanto comentava
outro dia com minha
mulher, brasileira,
que o governo do Brasil se tornou o quarto
maior credor do governo dos
EUA, eu disse, brincando: "Lula vai comprar os EUA".
Nossa filha de 9 anos, que
viaja anualmente ao Brasil e
lembra com frequência de uma
charge de jornal que retratou o
presidente Lula como "O Incrível Hulk", perguntou, preocupada: "Lula pode comprar os
EUA de verdade?".
Nós a tranquilizamos, dizendo que era apenas brincadeira,
mas também que o Brasil realmente subiu de patamar no
mundo e que seu relacionamento com os EUA está mudando.
De fato, a notícia de que o Rio
de Janeiro irá sediar os Jogos
Olímpicos de 2016 foi seguida,
há três semanas, por uma reportagem especial de 14 páginas sobre o país na "Economist" -além de dois outros artigos sobre o Brasil na mesma
edição.
A primeira página dizia "O
Brasil decola", juntamente
com uma montagem do Cristo
Redentor decolando como um
foguete.
Parte do que foi muito comentado na reunião de 21 de
novembro do conselho executivo da Brazilian Studies Association (Brasa - Associação de
Estudos Brasileiros), que planeja seu décimo congresso internacional anual em Brasília,
em julho de 2010, foi relativo à
força do real.
Vários de nós que estávamos
presentes recordamos a hiperinflação brasileira dos anos
1980 e do início da década de
1990 -período em que fizemos
nossos estudos de pós-graduação no Brasil- e observamos
que hoje as coisas já não estão
tão baratas para os americanos
que viajam para o sul.
Duas décadas atrás, poucos
teriam imaginado uma reviravolta tão grande nos assuntos
brasileiros.
Esses e outros fatos ocorridos nesta última semana podem estar assinalando uma
mudança no equilíbrio de poder entre os dois gigantes do
hemisfério ocidental.
Está claro que os EUA vão
continuar na posição dominante por muito tempo ainda.
"Decepção"
Mas a estabilidade política e
a força econômica do Brasil não
apenas estão chamando a atenção como também lhe proporcionando a confiança necessária para falar em voz mais alta
nos assuntos hemisféricos,
além da alavancagem necessária para assumir posições independentes.
Foi claramente esse o tom
das declarações dadas na terça-feira por Marco Aurélio Garcia,
o assessor especial da Presidência para assuntos internacionais, ao expressar sua "decepção" com as posições assumidas pelo governo do presidente Obama com respeito à
crise política em Honduras, às
negociações comerciais e às
mudanças climáticas.
A conclusão implícita é que
Obama estaria demorando a
agir decisivamente sobre questões cruciais. E que, se essa linguagem continuar, ela pode se
constituir em um desafio.
No caso de Honduras, onde a
eleição presidencial acontece
hoje na esteira da crise que se
seguiu ao afastamento do presidente Manuel Zelaya, em junho passado, o Brasil assumiu
uma postura ousada -e arriscada- ao garantir proteção a
Zelaya em sua embaixada enquanto este tentava manobrar
para retornar ao poder.
Os EUA recuaram em relação
a seu apoio inicial a Zelaya. Em
um primeiro momento, a administração Obama não parecia
ter uma política clara com relação ao assunto e seguiu a posição do Brasil e da Organização
dos Estados Americanos.
Mas agora recuou para uma
posição mais neutra, aparentemente incentivando os partidos hondurenhos a resolver a
questão entre eles.
O governo Lula esperava firmeza maior de Obama, mas este agora está imerso em problemas internacionais muito mais
urgentes, especialmente a
guerra no Afeganistão e as pretensões nucleares do Irã.
Em um primeiro momento,
Obama encantou Lula e a liderança brasileira ao referir-se ao
presidente brasileiro como
"my man" (o cara).
Mas agora a equipe de Lula
está descobrindo que, por trás
da imagem de Obama como homem do diálogo e do multilateralismo, se perfila a obrigatoriedade de tratar de problemas
difíceis.
Os interesses nacionais e a
pressão da política doméstica,
mais que o discurso da cooperação internacional, vão moldar suas ações.
Agora a liderança política e o
corpo diplomático do Brasil
vão precisar de toda sua habilidade para levar adiante um engajamento pró-ativo não apenas com Obama, mas com o
resto do governo e da sociedade
americanos.
Isso servirá de ótimo treino,
à medida que o Brasil continua
a projetar-se como líder regional e mundial.
Ao mesmo tempo, o Brasil terá que se concentrar fortemente em seu desenvolvimento
econômico e social interno. São
essas as bases do tipo de liderança internacional autêntica e
sustentada -para melhor ou
para pior- que os EUA vêm
exercendo no hemisfério e no
mundo nos últimos cem anos.
KENNETH SERBIN é professor no departamento de história da Universidade de San Diego
(EUA) e presidente de honra da Brasa.
Tradução de Clara Allain .
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