São Paulo, domingo, 29 de novembro de 2009

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+(c)ultura

As caras de um país

Coletânea revisita pensadores-chave para a interpretação do Brasil, como Gilberto Freyre e Sérgio Buarque de Holanda

JOÃO MARCEL CARVALHO FRANÇA
ESPECIAL PARA A FOLHA

Tal como aqueles pais atônitos com os descaminhos de um filho com constantes problemas para tocar sua vida, os estudiosos que se dedicam a pensar o passado e o presente da sociedade brasileira, não raro, se perguntam: onde será que erramos?
Indaga-se o passado -os decisivos tempos de formação-, esquadrinha-se o presente -que não se cansa de reproduzir o passado- e eis que, depois de uma vida quebrando a cabeça com o problema, um punhado desses angustiados pensadores consegue elaborar uma resposta razoavelmente plausível e articulada para a questão.
Para aqueles leitores igualmente angustiados que querem conhecer mais de perto uma amostragem substantiva dessas respostas -sempre parciais e provisórias-, é imprescindível a leitura de "Um Enigma Chamado Brasil". Trata-se de uma coletânea de ensaios organizada por André Botelho e Lilia Moritz Schwarcz, que acaba de ser editada pela Companhia das Letras [448 págs., R$°53]. "Um Enigma..." reúne 29 ensaios sobre 29 "intérpretes do Brasil", de Paulino José Soares de Souza, o Visconde do Uruguai, ao crítico literário Roberto Schwarz, passando pelos incontornáveis Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Holanda e Caio Prado Jr. e por duas dezenas de outros nomes de destaque da intelectualidade brasileira dos séculos 19 e 20.

Introdução ao Brasil
A seleção dos tais "intérpretes", que em livros dessa natureza nunca agradam a gregos e a troianos, tem uma perceptível marca sociológica, o que, no entanto, não compromete minimamente sua abrangência e seu interesse.
Em linhas gerais, trata-se de um livro concebido de maneira inteligente e coesa, redigido com clareza e simplicidade, que cumpre inteiramente o objetivo a que é destinado pelos organizadores: funcionar "como uma introdução ao pensamento social brasileiro". É evidente que, num universo de 29 ensaios, há escritos de qualidade variada. Uns poucos colaboradores, muito poucos, pecam ligeiramente pelo carregado da linguagem, carregado tanto mais problemático num livro que se quer acessível e "avesso ao hermetismo conceitual", como esclarecem os organizadores.
Outros, também poucos, empolgam-se em demasia ao apresentar as ideias dos seus analisados e exageram na atualidade do seu pensamento, esquecendo-se por vezes de que, gostemos ou não, todo modo de pensar tem seu tempo. Há ainda aqueles cuja análise oscila, não se decidindo ao certo se a apresentação deve incidir sobre a obra mestra ou sobre a totalidade das obras de um determinado autor.
A maioria dos ensaios, porém, cumpre com competência a missão de colocar à disposição do leitor interessado uma breve, mas informativa, visada sobre nomes e obras cruciais para a formação do pensamento brasileiro, muitas das quais pouco conhecidas do público.

Panoramas instrutivos
Merecem destaque, entre outros, a excelente síntese que José Murilo de Carvalho traça do pensamento radical do Segundo Reinado [1840-89], a esclarecedora articulação entre as vidas e as obras de André Rebouças e Paulo Prado, que promovem, respectivamente, Maria Alice Rezende de Carvalho e Carlos Augusto Calil. Ou, ainda, os instrutivos panoramas das ideias mestras que amparam as interpretações do Brasil -de aspectos, melhor dizendo- de Nina Rodrigues (Lilia M. Schwarcz), Euclydes da Cunha (Nísia Trindade Lima), Mário de Andrade (Sérgio Miceli), Raymundo Faoro (Luiz Werneck Vianna), Costa Pinto (Marcos Chor Maio) e Fernando Henrique Cardoso (Leôncio Martins Rodrigues). Trata-se de um empreendimento oportuno e bem realizado, que certamente se tornará, ao menos no meio universitário, uma obra introdutória de consulta indispensável. Nele, os futuros historiadores, críticos, cientistas sociais -enfim, os futuros decifradores do Brasil- poderão tomar um contato inicial com muitas daquelas interpretações da sociedade brasileira. De tão poderosas, ganharam entre nós o estatuto de verdade e acabaram se incorporando profundamente no modo como nos produzimos a nós próprios e nos comportamos em relação aos nossos concidadãos.


JEAN MARCEL CARVALHO FRANÇA é professor de história na Universidade Estadual Paulista, em Franca (SP), e organizador de "Visões do Rio de Janeiro Colonial" (ed. José Olympio).


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