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+(c)ultura
As caras de um país
Coletânea revisita pensadores-chave para a interpretação do Brasil, como Gilberto Freyre e Sérgio Buarque de Holanda
JOÃO MARCEL CARVALHO FRANÇA
ESPECIAL PARA A FOLHA
Tal como aqueles pais
atônitos com os descaminhos de um filho
com constantes problemas para tocar sua
vida, os estudiosos que se dedicam a pensar o passado e o presente da sociedade brasileira,
não raro, se perguntam: onde
será que erramos?
Indaga-se o passado -os decisivos tempos de formação-,
esquadrinha-se o presente
-que não se cansa de reproduzir o passado- e eis que, depois
de uma vida quebrando a cabeça com o problema, um punhado desses angustiados pensadores consegue elaborar uma
resposta razoavelmente plausível e articulada para a questão.
Para aqueles leitores igualmente angustiados que querem conhecer mais de perto
uma amostragem substantiva
dessas respostas -sempre parciais e provisórias-, é imprescindível a leitura de "Um Enigma Chamado Brasil".
Trata-se de uma coletânea de
ensaios organizada por André
Botelho e Lilia Moritz
Schwarcz, que acaba de ser editada pela Companhia das Letras [448 págs., R$°53].
"Um Enigma..." reúne 29 ensaios sobre 29 "intérpretes do
Brasil", de Paulino José Soares
de Souza, o Visconde do Uruguai, ao crítico literário Roberto Schwarz, passando pelos incontornáveis Gilberto Freyre,
Sérgio Buarque de Holanda e
Caio Prado Jr. e por duas dezenas de outros nomes de destaque da intelectualidade brasileira dos séculos 19 e 20.
Introdução ao Brasil
A seleção dos tais "intérpretes", que em livros dessa natureza nunca agradam a gregos e
a troianos, tem uma perceptível marca sociológica, o que, no
entanto, não compromete minimamente sua abrangência e
seu interesse.
Em linhas gerais, trata-se de
um livro concebido de maneira
inteligente e coesa, redigido
com clareza e simplicidade, que
cumpre inteiramente o objetivo a que é destinado pelos organizadores: funcionar "como
uma introdução ao pensamento social brasileiro".
É evidente que, num universo de 29 ensaios, há escritos de
qualidade variada. Uns poucos
colaboradores, muito poucos,
pecam ligeiramente pelo carregado da linguagem, carregado
tanto mais problemático num
livro que se quer acessível e
"avesso ao hermetismo conceitual", como esclarecem os organizadores.
Outros, também poucos, empolgam-se em demasia ao apresentar as ideias dos seus analisados e exageram na atualidade
do seu pensamento, esquecendo-se por vezes de que, gostemos ou não, todo modo de pensar tem seu tempo.
Há ainda aqueles cuja análise
oscila, não se decidindo ao certo se a apresentação deve incidir sobre a obra mestra ou sobre a totalidade das obras de
um determinado autor.
A maioria dos ensaios, porém, cumpre com competência
a missão de colocar à disposição do leitor interessado uma
breve, mas informativa, visada
sobre nomes e obras cruciais
para a formação do pensamento brasileiro, muitas das quais
pouco conhecidas do público.
Panoramas instrutivos
Merecem destaque, entre
outros, a excelente síntese que
José Murilo de Carvalho traça
do pensamento radical do Segundo Reinado [1840-89], a esclarecedora articulação entre
as vidas e as obras de André Rebouças e Paulo Prado, que promovem, respectivamente, Maria Alice Rezende de Carvalho e
Carlos Augusto Calil.
Ou, ainda, os instrutivos panoramas das ideias mestras que
amparam as interpretações do
Brasil -de aspectos, melhor dizendo- de Nina Rodrigues (Lilia M. Schwarcz), Euclydes da
Cunha (Nísia Trindade Lima),
Mário de Andrade (Sérgio Miceli), Raymundo Faoro (Luiz
Werneck Vianna), Costa Pinto
(Marcos Chor Maio) e Fernando Henrique Cardoso (Leôncio
Martins Rodrigues).
Trata-se de um empreendimento oportuno e bem realizado, que certamente se tornará,
ao menos no meio universitário, uma obra introdutória de
consulta indispensável.
Nele, os futuros historiadores, críticos, cientistas sociais
-enfim, os futuros decifradores do Brasil- poderão tomar
um contato inicial com muitas
daquelas interpretações da sociedade brasileira.
De tão poderosas, ganharam
entre nós o estatuto de verdade
e acabaram se incorporando
profundamente no modo como
nos produzimos a nós próprios
e nos comportamos em relação
aos nossos concidadãos.
JEAN MARCEL CARVALHO FRANÇA é professor de história na Universidade Estadual Paulista, em Franca (SP), e organizador de "Visões do
Rio de Janeiro Colonial" (ed. José Olympio).
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