São Paulo, domingo, 30 de abril de 2006

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+ sociedade

Desigual, mas escrita por especialistas e visando a um público mais amplo, coleção enfoca figuras centrais na formação histórica e cultural do país, como Nassau, dom Pedro 1º, Castro Alves e Getúlio Vargas

Três por quatro do Brasil

MARCO ANTONIO VILLA
ESPECIAL PARA A FOLHA

A história do Brasil é pouco conhecida. Para muitos, d. Pedro 1º não passa de uma denominação de avenida; Castro Alves é uma praça de Salvador, local de encontro, no Carnaval, dos trios elétricos; Getúlio Vargas é o nome de uma fundação, e Maurício de Nassau é, como afirmou o deputado Professor Luizinho, deputado federal do PFL pernambucano.
Daí a importância da coleção Perfis Brasileiros, da Companhia das Letras, coordenada por Elio Gaspari e Lilia Moritz Schwarcz. Acabaram de sair os quatro primeiros livros: "Getúlio Vargas", escrito por Boris Fausto; "Maurício de Nassau", por Evaldo Cabral de Mello; "Castro Alves", por Alberto da Costa e Silva, e "D. Pedro 1º", por Isabel Lustosa.


Os coorde-nadores foram felizes na escolha dos autores e persona-gens retratados, dando uma visão inicial da amplitude e ousadia da coleção


Os coordenadores foram felizes na escolha dos autores e dos personagens retratados, dando uma visão inicial da amplitude e ousadia da coleção. É sabido, espera-se, que Nassau não nasceu no Brasil -era alemão-, mas a marca deixada no "Brasil Holandês" foi tão importante que mereceu fazer parte da coleção -assim como, é óbvio, d. Pedro 1º, personagem central da Independência, era português.

Nassau brilhante
A coleção não está padronizada na extensão dos volumes e na abordagem dos autores, mas é inegável o brilhantismo do volume dedicado a Nassau. Em 320 páginas, Evaldo Cabral de Mello desenhou um retrato de seu personagem tanto no período pré-Brasil holandês quanto dos sete anos da permanência em Pernambuco e, ainda que breve, dos 35 anos que viveu na Europa, desde o regresso aos Países Baixos, em 1644, até a morte, em 1679, em Bergendal.
Nassau foi designado pela Companhia das Índias Ocidentais (WIC), que tinha conquistado Pernambuco em 1630, para governar o Brasil holandês. Sete anos depois, em janeiro de 1637, aos 32 anos, chegou a Recife. A WIC objetivava controlar a produção de açúcar e enfraquecer o império espanhol, seu inimigo na Europa, e que ocupava o Brasil desde 1580, quando houve a união das coroas ibéricas.
Uma das principais características do seu governo foi a tolerância religiosa. Em Recife conviviam católicos, protestantes e judeus, ainda que ocorressem momentos de tensão, isso quando a própria Europa era varrida por guerras religiosas. O governo se preocupou com o planejamento urbano de Recife e realizou diversas obras públicas. Contudo a ação do conde transcendeu a esfera econômica e urbanística.
Até hoje admiramos os quadros do paisagista Frans Post e suas 32 gravuras que ilustram a "história dos feitos" de Gaspar de Barleus, os retratos de Albert Eckhout, as observações do astrônomo Georg Markgraf (que registrou no Recife o eclipse solar de 1640) e que, com Piso, fez a "História Natural do Brasil" (e que teve publicadas na Europa suas notas e desenhos sob patrocínio de Nassau).
A "Brasiliana" acabou na França, mas Luís 14 não chegou a recompensá-lo, pois o príncipe -título que recebeu em 1653- morreu três meses depois da exposição da coleção no Louvre -que deveria contar com a presença de Post, mas o alcoolismo do pintor não permitia mais que aparecesse em público.
"Castro Alves" é um volume mais leve do que o perfil de Nassau, mas não menos erudito. Escrito com maestria por Alberto da Costa e Silva, o livro apresenta a vida do célebre poeta baiano, especialmente entre os 16 anos, quando chegou a Recife para o preparatório da Faculdade de Direito, até a morte, aos 25 anos, em 6 de julho de 1871, em Salvador. O "poeta dos escravos", que antecede a pregação abolicionista em um decênio, marcou sua breve vida principalmente pelos célebres poemas de combate à escravidão, apesar de sua madrasta, no primeiro casamento, ter enriquecido com o comércio de escravos.

Poeta consagrado
Costa e Silva apresenta muito bem a sociedade da época, marcada pela escravidão, e dá destaque especial ao romance do poeta com a atriz Eugênia Câmara, sua maior paixão. Transferindo-se para a Faculdade de Direito de São Paulo, onde permaneceu pouco mais de um ano, já era um poeta consagrado.
Conviveu com Joaquim Nabuco, Luís Gama, Brasílio Machado, Américo de Campos e Rui Barbosa. Foi em São Paulo onde recitou pela primeira vez "O Navio Negreiro", para Costa e Silva, "o mais perfeito de todos os seus poemas para voz alta".
Também foi aqui que rompeu com Eugênia. E foi no Brás que sofreu grave acidente: ao saltar uma vala, com uma espingarda a tiracolo, a arma disparou e atingiu seu calcanhar esquerdo. O ferimento se agravou e teve, meses depois, de amputar o pé esquerdo.
A tuberculose que o acompanhava desde Recife voltou a se manifestar: dificuldade de respirar e tosses constantes, além de hemoptises.
Saiu de São Paulo, passou alguns meses no Rio de Janeiro e depois retornou a Salvador. Apesar de doente, Antonio Frederico de Castro Alves continuou tendo vários casos amorosos e escrevendo muitos poemas, como "A Cachoeira de Paulo Afonso", mas em vida teve somente um livro publicado: "Espumas Flutuantes". Como outros poetas do século 19, morreu jovem, mas não tanto quanto Álvares de Azevedo, antes de completar 21 anos, ou como Casimiro de Abreu, com quase 22. Mas antes de Fagundes Varela, aos 34 anos ou do "velho" Gonçalves Dias, aos 41 anos.
"Getúlio Vargas" traça um amplo painel da vida e da ação política do presidente que por mais tempo ficou à frente do governo: quase 19 anos.
Dada a importância do personagem na vida política brasileira até hoje, é o volume mais difícil de ser escrito. Fausto apresenta o período de formação no Rio Grande do Sul, o revolucionário de 30, o ditador do Estado Novo, o retorno triunfal em 51, a crise de agosto de 54 e um capítulo final sobre os herdeiros do varguismo. Como em todo livro, sempre há escorregões, porém alguns podem induzir o leitor a conclusões analiticamente problemáticas.
Apenas um exemplo: Fausto diz que Brizola ia "pessoalmente colocar flores em seu túmulo (de Getúlio) todos os anos, no aniversário da implantação do Estado Novo". Os varguistas iam (e vão) a São Borja no dia 24 de agosto, data da morte de Getúlio. No que diferem os dois acontecimentos? Ir no 10 de novembro significa dizer que o ideário a ser seguido é a Constituição de 1937, a "Polaca", ou seja, a ditadura; ir no 24 de agosto representa para os getulistas a defesa do nacionalismo e da democracia simbolizados na carta-testamento.

O caráter do imperador
"D. Pedro 1º" é o volume mais longo da coleção. Até por isso, a autora algumas vezes esquece o personagem central e apresenta diversas biografias, como de Carlota Joaquina, D. João 6º, imperatriz Leopoldina ou do Chalaça, amigo do imperador. Ao leitor é apresentada uma ampla visão do personagem e da vida cotidiana da corte; contudo o que fica a desejar é a história política dos anos 1820-1834, relegada por Lustosa a um plano secundário.
Isso pode explicar até o subtítulo do livro: "Um herói sem nenhum caráter". É evidente a relação com Macunaíma, mas como explicar que esse herói sem nenhum caráter tenha dado duas Constituições -uma para o Brasil e outra para Portugal- em um momento da história do mundo ocidental marcado pelo absolutismo e pela reação simbolizada na Santa Aliança?

As obras
"Nassau - Governador do Brasil Holandês", de Evaldo Cabral de Mello (320 págs., R$ 37).
"Castro Alves - Um Poeta Sempre Jovem", de Alberto da Costa e Silva (224 págs., R$ 33).
"Getúlio Vargas - O Poder e o Sorriso", de Boris Fausto (264 págs., R$ 34).
"D. Pedro 1º - Um Herói sem Nenhum Caráter", de Isabel Lustosa (368 págs., R$ 38).

Marco Antonio Villa é professor de história da Universidade Federal de São Carlos (SP) e autor de, entre outros livros, "Vida e Morte no Sertão - História das Secas no Nordeste nos Séculos 19 e 20" (ed. Ática).


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