São Paulo, domingo, 30 de abril de 2006

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ACADÊMICOS NO CAMARIM

OS PROFESSORES JACÓ GUINSBURG E JOÃO ROBERTO FARIA, QUE, JUNTAMENTE COM A CRÍTICA MARIÂNGELA ALVES DE LIMA, ORGANIZARAM O "DICIONÁRIO DO TEATRO BRASILEIRO", FALAM SOBRE A ABRANGÊNCIA DO PROJETO, QUE INCORPOROU PESQUISADORES DE TODO O PAÍS

NELSON DE SÁ
COLUNISTA DA FOLHA

Há três décadas, pouco mais, segundo Jacó Guinsburg, ou menos, segundo João Roberto Faria, que a pesquisa do teatro no Brasil vive uma "explosão".
Guinsburg, 84, editor da Perspectiva e professor aposentado da Escola de Comunicações e Artes da USP, e Faria, professor na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, na cadeira que foi de Décio de Almeida Prado, são os organizadores, ao lado da crítica Mariângela Alves de Lima, da primeira obra coletiva que busca dar forma ao sem-número de estudos pelo país -o "Dicionário do Teatro Brasileiro" (Perspectiva/Sesc-SP, 356 págs., R$ 70), que chega às livrarias na terça.
Os números impressionam. Cinco anos em elaboração, 39 colaboradores, 250 verbetes, bibliografia com quase 700 títulos. Guinsburg, o idealizador da obra, explica como foi possível chegar a isso.
"O aspecto fundamental é que a produção acadêmica, com respeito à pesquisa da história e estética do teatro, sofreu uma transformação vital nos últimos 30 anos, a partir da década de 60, mais ou menos. Na pesquisa, o conhecimento é infinitamente maior. E a incorporação ainda não se fez em termos mais formais. Por sua própria natureza e colaboradores, o dicionário reflete exatamente esse aspecto. Foi o nosso objetivo mesmo."

Explosão nas pesquisas
Faria vai na mesma direção.
"A idéia de fazer o dicionário e convidar todas as pessoas é vinculada a um fenômeno recente no Brasil, que tem de 25 a 30 anos: o aumento dos cursos de graduação e depois de pós-graduação em artes cênicas. O profissional no ensino superior é muito cobrado, exige-se pesquisa. Se você pensar em quantos especialistas o Brasil tem na área de literatura e teatro, a explosão de produção científica é muito grande. E é preciso aproveitar, em obras como este dicionário, o conhecimento que está por aí."
"Por aí" também no sentido de incluir todo o país. Guinsburg sublinha a diversidade geográfica dos estudos refletidos no livro, relatando que buscou colaboradores "por toda parte" para mostrar "a existência de um movimento de envergadura muito maior do que em geral estava registrado".
Não por preconceito, destaca ele, mas por dificuldade de acesso: "O que a atual pesquisa acadêmica, no Brasil inteiro, vem demonstrando é exatamente a amplitude da prática do teatro em lugares nos quais não se supunha que existisse. A idéia dominante, meio século atrás, era de que havia Rio, São Paulo, eventualmente Belo Horizonte ou Recife, e que o resto era circo. (risos) E não é verdade. Não é verdade."

Enciclopédico
O editor reconhece, com alguma relutância, que uma das inspirações do "Dicionário do Teatro Brasileiro" foi o "Dicionário de Teatro", de Patrice Pavis, publicado em 1999 pela mesma Perspectiva -editora criada por ele em 1965 e que, com a "explosão" da pesquisa teatral, já bate nos 200 títulos voltados para a área.
"É claro que o Pavis foi um elemento, por que negar? Mas o nosso interesse levou a isso, todo o nosso trabalho como professores, pesquisadores, o trabalho do Décio [de Almeida Prado], do Sábato Magaldi, Yan Michalski, tudo levou realmente a privilegiar um pouco o problema não só da diacronia mas também da sincronia."
O resultado foi um dicionário "o mais abrangente" -e por vezes desigual- de temas, formas e conceitos do teatro brasileiro, segundo Faria: "É como se a modéstia impedisse a gente de usar o adjetivo enciclopédico. Mas é quase. Quer dizer, é um dicionário sobre a encenação, com todos os gêneros dramáticos contemplados, há verbetes sobre o edifício teatral, a censura, a legislação, a formação do ator, o teatro de revista, de bonecos, uma enorme abrangência".
Não falta também, destaca ele, a interface com outros meios e artes, nas "entradas sobre dança-teatro, ópera, radionovela, teleteatro, o léxico do circo" (leia trechos dos verbetes na pág. seguinte). Pontualmente, os três organizadores se permitiram até brincar, como no verbete conciso "merda": "Gíria teatral utilizada para desejar sucesso aos artistas, antes da estréia do espetáculo. É costume francês, adotado no Brasil".


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