São Paulo, domingo, 30 de maio de 2004

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Baseado em entrevistas e estatísticas, "Brasil Fora de Si", do historiador José Carlos Sebe Bom Meihy, apresenta um perfil dos brasileiros radicados em Nova York

Emigrantes na colônia penal

Wanderlan Silva - 5.set.1999/Associated Press
Brasileiros comemoram o Sete de Setembro, em Nova York


Gerald Thomas
especial para a Folha, de Nova York

Emigração na terra dos emigrantes é um assunto complexo. Principalmente porque quem veio pra cá assim o fez, muitas vezes, nesse último século e meio, por causa de perseguições políticas em seus países nativos ou por falta de comida ou por questões de superpopulação e até em busca de um sonho qualquer que lhe foi vendido ao longo dos tempos. É mais ou menos aí que encontramos esse autor e seus brasileiros "sofredores". O autor de "Brasil Fora de Si" não deixa muito claro o propósito do livro. Ou, se deixou, fui eu que não o entendi. Mas, em linhas gerais, o que se entende é que o emigrante brasileiro é um grande "sofredor" e que pega pesado aqui. Pena que o pesquisador (que teve um ano pra fazer sua pesquisa, alojado na Universidade Columbia) não tenha andado um pouco no Lower East Side e aprendido um pouco sobre os lituanos que aqui aportaram no início do século, para saber o que era uma barra-pesada. Ou, pra não ir muito longe no tempo, bastasse dar um pulo ao sul de Canal Street pra ver o que os chineses passam, que até hoje chegam em contêineres de navio "camuflados" (muitos deles morrem no meio da viagem, assim como acontecia com os escravos durante a travessia), no porto de Elizabeth, Nova Jersey, ou como vivem todos os mexicanos que escapam da Califórnia, onde são verdadeiramente caçados, e rumam para o norte e acabam aqui em Nova York, fazendo toda sorte de serviços, esses sim, "pesados"!

Velhos clichês
Bem, mas a proposta evidentemente era sobre os brasileiros. O autor escreve em tantos tons, pinta com tantas cores, que não se pode dizer que o livro é desinteressante de todo. Mas em sua infeliz introdução, "Pressupostos de uma Emigração", já recebemos uma pitada do que virá pela frente, ou seja, os velhos clichês sobre o eterno amor e ódio pelos EUA. E dá-lhe clichê sobre "the American dream", que, como não poderia deixar de ser, descreve sua infância como sendo pontuada por músicas de Sinatra ou produtos americanos que "todos nós queríamos ter". Meu Deus, será que ninguém consegue mais escrever uma linha original nos dias de hoje?
Talvez não. Mas não importa. Em questão está um livro (talvez o único de sua espécie, será?) com estatísticas, já que José Carlos Sebe Bom Meihy entrevistou centenas de sofredores, lavadores de pratos, "strippers", prostitutas, garçons em Manhattan, em Newark e outras redondezas, guiado por quem verdadeiramente "entende" da coisa. Será?
Citando Luiz Gonzaga Jr, Cazuza e outros compositores, para colocar um tom "lírico" no livro, o autor conduz sua estatística sempre para o lado da solidão. Mas há que perguntar sempre se esses brasileiros que estão aqui estão aqui nesse "sofrimento" todo por questões masoquistas.
E a pergunta que me vem à cabeça: por que, diabos, não voltam para o Brasil?
Ou será a falta de um enorme elemento cultural que não os deixa se integrarem ao resto da comunidade? É isso! Os brasileiros emigrantes não foram capazes de criar uma infra-estrutura (por questões de imaturidade cultural) como os poloneses, como os russos e tantos outros que nada sofrem, morando aqui.
A condescendência do autor é muito irritante. No entanto, para os que se interessam pelos números, a estatística e os gráficos estão lá, todinhos no final. Deve dar uma boa tese para quem se interessa, talvez até uma boa palestra. Como livro, fiz um esforço cão pra tentar virar as páginas e só o fiz por obrigação, por causa dessa resenha -e nem isso estou conseguindo fazer direito. Não acho que ele tenha conseguido espelhar direito o espírito brasileiro daqueles que moram aqui. Afinal, a escolha de quem entrevista é arbitrária. A pergunta é feita de forma subjetiva e, conseqüentemente, a resposta que se recebe também o é.
Mas como minha amiga e excelente autora Tereza Albues ("O Berro do Cordeiro em Nova York") era citada no índice, fui avidamente procurando a página dela (não achei), passando por todas as citações de mais e mais compositores, como Edu Lobo, Chico Buarque e tantos outros, e cheguei ao final exausto.
Enfim, aqui está. Não é uma resenha ou crítica. Acho que alguém mais competente do que eu deveria fazê-la. Alguém especializado em "melancolia e estatística", se é que tal mescla existe na USP ou em qualquer outra universidade. Tal pessoa seria a mais indicada para fazer a crítica apropriada, já que "Brasil Fora de Si" está tão fora de mim que eu não o li, propriamente. Quer dizer, li sim, mas as palavras melancólicas não estavam embasadas em nenhum contexto histórico. E não colocar Nova York em contexto histórico, quando se fala em emigração, é como falar em feijoada sem mencionar a couve, a farofa e a laranja fatiada que cercam o feijão preto.


Gerald Thomas é dramaturgo e diretor de teatro.

Brasil Fora de Si 384 págs., R$ 39,00 de José Carlos Sebe Bom Meihy. Ed. Parábola (r. Clemente Pereira, 327, CEP 04216-060, São Paulo, SP, tel. 0/xx/11/6914-4932.)


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