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Cravo, canela e pimenta
Em palestra dada em Oxford e agora publicada, Ana Maria Machado tenta resgatar Jorge Amado de seus críticos
MARCELO BACKES
ESPECIAL PARA A FOLHA
Ana Maria Machado
começa dando a
motivação de "Romântico, Sedutor e
Anarquista" e quase
pede desculpas por ter escolhido o autor baiano, e não Graciliano Ramos ou Clarice Lispector -Sergio Rouanet já escolhera Machado de Assis- para
um curso em Oxford, ministrado todos os anos por um dos
membros da Academia Brasileira de Letras.
Ao fim, o dedo de açougueiro
que fez a balança pender para
Jorge Amado teria sido o "puro
prazer"; sem contar que o autor
estaria merecendo uma reavaliação crítica.
Embora não pare de se queixar da negatividade da crítica
em relação ao autor, Ana arrola
dezenas de críticos -da literatura e adjacências- que falam
bem de Amado, inclusive estrangeiros, como Blaise Cendrars e Camus; e chega a citar
um menos conhecido, que vê
nele "el más leído, el más odiado" autor brasileiro. Existe alguém que odeia o baiano?
Vargas Llosa vira oráculo ao
falar da "visão sadia da existência" na obra de Amado e é parafraseado em vários conceitos
que giram em torno da celebração da vida, foco dos elogios
juntamente com a miscigenação e o hibridismo cultural trazidos pelo autor à representação ficcional. Amado é contraposto ao modernismo paulista,
vanguardista e experimental,
como se o fato de este não ter
produzido -e sou eu que o digo- nenhum romance grandioso significasse uma vantagem para o simplismo serial
daquele, que esteve ainda mais
longe de alcançar o feito.
Só pra lá da metade do livro é
que Ana cita dois críticos de
Amado: Álvaro Lins e Wilson
Martins, cujos elogios a Erico
Verissimo, aliás, são usados para sancionar o autor; assim como os de Silviano Santiago a Lima Barreto. Até Machado, folhetinesco antes de "Dom Casmurro", acaba respaldando a
obra do baiano.
De um jeito ou de outro, apesar da defesa desesperada, é
possível perceber a qualidade
duvidosa da obra de Amado; e
esse é o maior mérito do livro.
Quando Ana chama o autor
de "escritor solar", o leitor inteligente poderá ler otimista
tacanho, por exemplo. Não há
quem não desconfie de tanto
folhetinismo e pasticho. E Tereza Batista e Tieta, que fazem
a Bahia parecer o planeta
Krypton do Brasil? E Gabriela,
jovem, cheirosa, bela, que cozinha e dança divinamente e ainda gosta de sexo e não quer casar? Ela sim é que é a mulher
ideal! Melhor que a do romantismo oitocentista!
O exotismo e o folclórico da
obra de Amado, que elevam a
Bahia a cartão-postal onde até
os miseráveis são felizes, também podem ser deduzidos da
leitura defensora de Ana. Que
exagera muito quando diz que,
em termos de oralidade, Amado alcançou "intensidade poucas vezes comparável na criação de outros ficcionistas brasileiros".
Diante de tantos elogios destilados à força, sou obrigado a
dizer que o próprio autor acertou mais perto quando disse
ser apenas um contador de histórias e um rebento baiano da
família de Alencar.
Ana também desliza em lugares-comuns (Amado faz o
mesmo peixe, mas inventa
sempre uma nova receita),
usando chavões como "quem
conta um conto aumenta um
ponto" ou ainda "o caminho se
faz ao caminhar", que já citara
na abertura do discurso de posse na academia que a mandou a
Oxford.
Jorge Amado marcou a literatura brasileira. Por causa dele, a Alemanha -que é país circunspecto editorialmente-,
lança um autor da qualidade de
Milton Hatoum e volta ao discurso exótico para, depois, se
proclamar pasma diante de
uma novela citadina e psicologicamente grandiosa como
"Jóias de Família", de Zulmira
Ribeiro Tavares. E isso é uma
pena! É uma pena, também,
que Oxford não tenha tido um
seminário sobre Graciliano ou
mais um sobre Machado.
MARCELO BACKES é doutor em germanística e
romanística pela Universidade de Freiburg
(Alemanha) e autor de "Estilhaços" (Record).
ROMÂNTICO, SEDUTOR E ANARQUISTA - COMO E POR QUE LER JORGE AMADO HOJE
Autor: Ana Maria Machado
Editora: Objetiva
Quanto: R$ 27,90 (148 págs.)
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