São Paulo, domingo, 30 de julho de 2006

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Cravo, canela e pimenta

Em palestra dada em Oxford e agora publicada, Ana Maria Machado tenta resgatar Jorge Amado de seus críticos

MARCELO BACKES
ESPECIAL PARA A FOLHA

Ana Maria Machado começa dando a motivação de "Romântico, Sedutor e Anarquista" e quase pede desculpas por ter escolhido o autor baiano, e não Graciliano Ramos ou Clarice Lispector -Sergio Rouanet já escolhera Machado de Assis- para um curso em Oxford, ministrado todos os anos por um dos membros da Academia Brasileira de Letras.
Ao fim, o dedo de açougueiro que fez a balança pender para Jorge Amado teria sido o "puro prazer"; sem contar que o autor estaria merecendo uma reavaliação crítica.
Embora não pare de se queixar da negatividade da crítica em relação ao autor, Ana arrola dezenas de críticos -da literatura e adjacências- que falam bem de Amado, inclusive estrangeiros, como Blaise Cendrars e Camus; e chega a citar um menos conhecido, que vê nele "el más leído, el más odiado" autor brasileiro. Existe alguém que odeia o baiano?
Vargas Llosa vira oráculo ao falar da "visão sadia da existência" na obra de Amado e é parafraseado em vários conceitos que giram em torno da celebração da vida, foco dos elogios juntamente com a miscigenação e o hibridismo cultural trazidos pelo autor à representação ficcional. Amado é contraposto ao modernismo paulista, vanguardista e experimental, como se o fato de este não ter produzido -e sou eu que o digo- nenhum romance grandioso significasse uma vantagem para o simplismo serial daquele, que esteve ainda mais longe de alcançar o feito.
Só pra lá da metade do livro é que Ana cita dois críticos de Amado: Álvaro Lins e Wilson Martins, cujos elogios a Erico Verissimo, aliás, são usados para sancionar o autor; assim como os de Silviano Santiago a Lima Barreto. Até Machado, folhetinesco antes de "Dom Casmurro", acaba respaldando a obra do baiano.
De um jeito ou de outro, apesar da defesa desesperada, é possível perceber a qualidade duvidosa da obra de Amado; e esse é o maior mérito do livro.
Quando Ana chama o autor de "escritor solar", o leitor inteligente poderá ler otimista tacanho, por exemplo. Não há quem não desconfie de tanto folhetinismo e pasticho. E Tereza Batista e Tieta, que fazem a Bahia parecer o planeta Krypton do Brasil? E Gabriela, jovem, cheirosa, bela, que cozinha e dança divinamente e ainda gosta de sexo e não quer casar? Ela sim é que é a mulher ideal! Melhor que a do romantismo oitocentista!
O exotismo e o folclórico da obra de Amado, que elevam a Bahia a cartão-postal onde até os miseráveis são felizes, também podem ser deduzidos da leitura defensora de Ana. Que exagera muito quando diz que, em termos de oralidade, Amado alcançou "intensidade poucas vezes comparável na criação de outros ficcionistas brasileiros".
Diante de tantos elogios destilados à força, sou obrigado a dizer que o próprio autor acertou mais perto quando disse ser apenas um contador de histórias e um rebento baiano da família de Alencar.
Ana também desliza em lugares-comuns (Amado faz o mesmo peixe, mas inventa sempre uma nova receita), usando chavões como "quem conta um conto aumenta um ponto" ou ainda "o caminho se faz ao caminhar", que já citara na abertura do discurso de posse na academia que a mandou a Oxford.
Jorge Amado marcou a literatura brasileira. Por causa dele, a Alemanha -que é país circunspecto editorialmente-, lança um autor da qualidade de Milton Hatoum e volta ao discurso exótico para, depois, se proclamar pasma diante de uma novela citadina e psicologicamente grandiosa como "Jóias de Família", de Zulmira Ribeiro Tavares. E isso é uma pena! É uma pena, também, que Oxford não tenha tido um seminário sobre Graciliano ou mais um sobre Machado.


MARCELO BACKES é doutor em germanística e romanística pela Universidade de Freiburg (Alemanha) e autor de "Estilhaços" (Record).

ROMÂNTICO, SEDUTOR E ANARQUISTA - COMO E POR QUE LER JORGE AMADO HOJE
Autor:
Ana Maria Machado
Editora: Objetiva
Quanto: R$ 27,90 (148 págs.)


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