São Paulo, domingo, 30 de novembro de 2008

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Passagem estreita para a Índia


Para pesquisador da UnB, divisões étnica, religiosa e econômica podem explicar atentado de quarta passada em Mumbai

DA REDAÇÃO

Centro financeiro e cidade mais populosa da Índia, Mumbai foi alvo de explosões de granada e tiros de fuzil a esmo, num ataque terrorista iniciado na quarta-feira passada. O país de Gandhi, da conquista pacífica da independência, vem se acostumando com o terror -a mesma cidade foi alvo, em 2006, de um atentado a estações de trem que matou 187 pessoas.
Na entrevista abaixo, o sociólogo Lytton Leite Guimarães, do Núcleo de Estudos Asiáticos da Universidade de Brasília, explica a realidade política e ideológica do país em meio aos ataques, que deixaram 125 mortos até a última quinta-feira.
Na mesma noite, Guimarães partiria para um congresso em Nova Déli: "Estou até um pouco apreensivo", confessou, apesar de garantir que o terrorismo não representa uma ameaça à estabilidade política do país. (ERNANE GUIMARÃES NETO)

 

FOLHA - Qual é a situação política interna da Índia?
LYTTON LEITE GUIMARÃES
- A Índia tem problemas de segurança.
Em nível regional, o problema mais sério relaciona-se com o Paquistão, um problema histórico. Houve a partilha de território [com a saída dos colonizadores ingleses], e os dois lados ficaram descontentes. O objetivo, segundo os ingleses, era separar hindus e muçulmanos, mas há mais de 100 milhões de muçulmanos na Índia.

FOLHA - Como o país é dividido politicamente?
GUIMARÃES
- Há o partido que está no poder -com uma coalizão-, o Partido do Congresso, fundado nos anos 1890, que teve o Mahatma Gandhi, é o mais tradicional.
Desde a saída dos ingleses, em 1947, ficou quase todo o tempo no poder -exceto pelos oito anos em que o partido nacionalista hindu BJP governou.
Este é mais radical, da tradição hindu, que quer voltar à grandeza da Índia.
O Partido do Congresso é criticado por seu elitismo, ser dominado pela família Gandhi.
Há partidos menores, como três partidos comunistas, que gravitam em torno deles. Há forças regionais, e por isso a composição política para a sustentação do governo não é fácil.

FOLHA - O ato de violência pode ser conseqüência de etnias serem politicamente subrepresentadas?
GUIMARÃES
- O caso não é político. Tem fundo religioso, étnico e, às vezes, econômico.
Na zona rural, por exemplo, já há movimentos como os dos sem-terra brasileiros. Hoje há 650 milhões de indianos [para uma população de 1,1 bilhão] abaixo da linha de pobreza -definida pela renda de US$ 1,35 por dia.
A situação é pior para os agricultores, que são afastados da zona rural pelo crescimento industrial. Ainda há as castas, estamentos sociais que marcam o comportamento cotidiano das pessoas.
Mas os casos extremos de violência também têm raízes nacionalistas. Os nacionalistas são acusados pelo ataque ao trem que levava principalmente muçulmanos. Há a Caxemira [região disputada], que não quer ficar nem com a Índia nem com o Paquistão, mas a Índia ocupa uma parte dela. E há acusações de que terroristas treinados no Paquistão entram na Índia via Caxemira.

FOLHA - Grupos terroristas como a Al Qaeda têm influência no país?
GUIMARÃES
- Mais no Paquistão, embora também se infiltrem na Índia. Há os ataques a estradas de ferro, por terroristas aparentemente treinados no Paquistão -não membros da Al Qaeda, mas com identificação religiosa e ideológica.

FOLHA - Testemunhas afirmaram que os terroristas procuravam especificamente ingleses e norte-americanos como alvos. É ainda outro tipo de conflito?
GUIMARÃES
- Os ingleses são os antigos "donos", os colonizadores. No caso dos EUA, acho que é o problema do mundo inteiro, contra a hegemonia.

FOLHA - O terror ameaça a estabilidade da maior democracia mundial?
GUIMARÃES
- Não acredito na possibilidade de ditadura. Há eleições, há vitória da oposição nas eleições.

FOLHA - Esses atentados afetarão o status de Bric da Índia, quanto a atrair investimentos externos?
GUIMARÃES
- É possível que, por um certo período, os investimentos prometidos aguardem um pouco, mas nada que afete a economia a médio prazo. A situação atual já é ruim para investimentos no país. Há também outros problemas como corrupção, má infra-estrutura, que inibem os investimentos.
A Índia já não atrai tantos investimentos. Ela é que tem investido, tem se valido de capital doméstico.


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