São Paulo, segunda-feira, 28 de abril de 2008

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Educação financeira

A pedagogia do dinheiro

Mesadas, aulas de finanças para adolescentes e visitas de escolas à Bolsa podem ter função didática

por ANA WEISS


Um dos grandes desafios dos pais é ensinar aos filhos algo que eles nem sempre dominam. É o caso das questões financeiras. A educação financeira no Brasil tem menos de dez anos. Mas o assunto é antigo. Para quem tem dúvida se a relação entre criança e dinheiro preocupa as famílias de qualquer lugar do mundo, basta entrar no site da Amazon, o paraíso das compras virtuais: uma busca combinando as palavras "child" e "money" traz mais de 15 mil títulos sobre o tema.

O desafio dos pais brasileiros é potencializado por duas particularidades: eles próprios não tiveram tal educação e, na prática, assimilaram noções sobre o dinheiro distorcidas pelos períodos de hiperinflação, quando o longo prazo praticamente inexistia.

"Uma das conseqüências dessa memória é a dificuldade em comprar imediatamente o que se quer, porque a sensação aprendida pelos 'traumas inflacionários' é que no dia seguinte o barco do real vira e o sonho naufraga", afirma Cássia D'Aquino, especialista em educação financeira. Esse perigo, porém, não está no horizonte. Os tempos são de estabilidade, e, nesse contexto de maior segurança, saber gastar -o que não deve ser confundido com consumismo- é uma virtude. "É importante ensinarmos nossos filhos a controlar impulsos de compra, mas também a cultivar a satisfação em adquirir algo importante para eles", diz Cássia, autora do livro "Educação Financeira - como Educar seu Filho".

Se os pais não dominam o assunto, a escola pode ajudar. Bruno Mader Lins, 17, estuda na Escola Suíço-Brasileira, de São Paulo, que tem economia no currículo. Entre outras coisas, Bruno aprendeu a fazer orçamento doméstico e a criar um grupo de investimentos capaz de ganhar dinheiro (virtual) na Bolsa de Valores. Gostou tanto que decidiu estudar economia na Suíça. Seu plano é ser corretor do mercado de ações no Brasil. Por enquanto, vai treinando. Com o apoio da mãe, investe o dinheiro economizado na Bolsa.

A Bovespa tem interesse em se mostrar para futuros investidores em potencial. Desde 2006, recebe em média cinco grupos de alunos por dia. As crianças aprendem desde o que é uma ação até a utilizar uma informação microeconômica para selecionar onde investir. Também participam de simulações de compra e venda de papéis. Há um programa em que escolas são sorteadas para participar de uma competição simulada. O grupo vencedor leva R$ 25 mil em créditos para a formação de clubes de investimentos reais entre os alunos.

Os estímulos não são apenas externos. As próprias escolas introduzem cada vez mais cedo conteúdos ligados às questões monetárias e financeiras. A Magno/Mágico de Oz, de São Paulo, mantém uma estrutura lúdica, a cidade virtual Vila Oz, onde crianças realizam atividades que simulam a vida adulta real. Elas fazem compras no mercado e aprendem a gerenciar as despesas, por meio de dinheiro e cheques de brinquedo.

Renata Cezarini de Freitas, 41, mãe de Theo Freitas de Holanda, 9, estudante da Magno/Mágico de Oz, aprova as atividades. "A primeira coisa que o Theo quis mostrar pra gente na escola quando estivemos aqui foi a Vila Oz", conta. Ela diz que o filho tem uma relação muito equilibrada com dinheiro. "Ele anda com carteira, tem cofres diferentes para moedas de valores diferentes e tem uma boa noção de poupança", diz.

Segundo lugar no ranking do Enem deste ano, a Escola Móbile, de São Paulo, tem uma regra geral para as atividades que de alguma forma se relacionam com o dinheiro: trabalhar o bom senso dentro de problemas verossímeis.

Coordenador do nível fundamental, o professor de matemática Antonio Freitas da Corte diz que a escola faz, por exemplo, uso do sistema monetário nos primeiros passos da criança pelo sistema decimal. "Mas não é simplesmente para que ela aprenda a conferir o troco", afirma. "Sendo o dinheiro parte do cotidiano, a criança cria uma relação real com a possibilidade de fazer cálculos. E acaba aprendendo a calcular corretamente o troco como conseqüência."

Coerente com essa diretriz, a Móbile, em suas aulas de matemática, acaba abordando temas como comércio e indústria. Os alunos aprendem, entre outras coisas, os motivos e destinos das contribuições descontadas nas operações comerciais. "Neste ano tivemos no ensino médio um trabalho de simulação de declaração do Imposto de Renda, no qual calculamos descontos em função dos dependentes e discutimos questões como a sonegação." Quando chegam ao nono ano, os alunos da Móbile são apresentados aos primeiros conceitos de finanças.

Cássia D'Aquino não vê precocidade nessa pedagogia. "Até os seis anos de idade se define a forma de pensar sobre o dinheiro", diz a consultora, que hoje trabalha com a Stace Dual, escola em São Paulo. Pensar em dinheiro não significa estimular o consumo. Muitas vezes, ocorre o contrário. A própria Stace Dual, por exemplo, adota programas anticonsumo ligados a ONGs internacionais, como o Dia sem Consumo, cuja proposta é passar um dia sem comprar nada, nem mesmo o lanche.

A semanada desde cedo também é aconselhável. Muitos pais se perguntam qual o valor ideal. Cássia sugere R$ 1 por ano de vida até os 12 anos, quando os programas com os amigos e os objetos de desejo mudam de patamar. A partir dessa idade, o reajuste deve ser estabelecido e mantido. A especialista calcula que o valor mensal possa ser de R$ 8 por ano de vida até os 15 anos e de R$ 12 dos 15 aos 18 anos.

Por esse critério, um adolescente de 14 anos teria R$ 112 por mês (8 x 14) e um de 17 anos ganharia R$ 204 (12 x 17). Mas, evidentemente, trata-se de apenas um parâmetro.

Algumas instituições financeiras têm até cartões de crédito destinados a crianças a partir de 12 anos. O instrumento divide opiniões. Para Maria Regina Botter, superintendente de produtos do Banco Real, o cartão, cuja fatura é enviada aos pais, é uma maneira prática de administrar os gastos dos filhos. "Os pais podem monitorar os gastos dos filhos e orientá-los", diz Botter. Já Cássia D'Aquino não aconselha a posse de cartões por adolescentes. Em outros países, diz ela, essa experiência foi desastrosa. Para ela, o cartão acaba com a proposta de poupança que a política de mesada estimula.

Além disso, sendo os pais os fiadores, o adolescente fica protegido das conseqüências de se endividar demais, em prejuízo do efeito didático. "O cartão de crédito, a não ser em casos de necessidade, funciona apenas para filhos maduros, que tenham tido consistência nas etapas de sua formação financeira", adverte.

O que fazer, e não fazer, para estimular seu filho a lidar bem com o dinheiro

SIM
1) Ensine-o a distinguir o que compramos por necessidade do que compramos por desejo.
2) Transmita-lhe a noção de que não se deve desperdiçar dinheiro.
3) Convide-o a participar da preparação da lista de compras do supermercado.
4) Explique o tipo de trabalho que você realiza e estimule-o a conhecer seu ambiente profissional.
5) Em padarias, supermercados e lojas, aponte a diferença entre produtos caros e baratos.
6) Assuma, com tranqüilidade, suas próprias deficiências no conhecimento do assunto.
7) Estimule-o a participar da elaboração do orçamento doméstico.
8) Até os dez anos, dê semanada; a partir dessa idade, passe para mesada.
9) Não desanime se ele não souber administrar o dinheiro; pequenos erros encerram grandes lições.
10) Reforce os conceitos de ética e responsabilidade social no ganho e no uso do dinheiro.


NÃO
1) Resista à tentação de presentear seu filho a todo o momento.
2) Não estabeleça relação entre notas boas na escola e ganho de dinheiro.
3) Evite que os avós quebrem as regras.
4) Seja prudente e sensato com a mesada.
5) Não suspenda a mesada como forma de castigo; sua única função é didática.
6) Fixe um dia para o pagamento da mesada.
7) Não condicione a mesada à realização de tarefas domésticas.
8) Quando seu filho estiver mais maduro, estimule-o a poupar, mas não palpite sobre seus gastos.
9) Restrinja apenas alguns gastos, como os com cigarro ou álcool.
10) Não só não dê, como não sofra por não dar tudo o que seu filho pede.


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