São Paulo, segunda-feira, 28 de abril de 2008

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Baú do Rubem

Os preços do diploma

Uma breve história da lógica capitalista na formação das escolas, cursinhos e universidades brasileiras

por RUBEM ALVES


No meu tempo de criança as coisas eram mais simples, fáceis de entender. Os pobres matriculavam seus filhos nos grupos escolares para aprender as quatro operações e a escrever. Pobre não precisava saber mais do que isso. As famílias de classe média tratavam de arranjar para os seus filhos um emprego no Banco do Brasil, o que lhes garantiria uma vida segura e monótona. E as mocinhas iam para a Escola Normal. Como era gostoso ver as meninas indo para a escola com blusa branca e saia azul! Na verdade o futuro que se pensava para as filhas não era intelectual: era um casamento, marido sólido de bons antecedentes, que seria o responsável econômico pelo bem-estar da esposa e dos filhos. O diploma de normalista seria de valia caso o casamento não acontecesse. Sempre haveria emprego para normalistas, nem que fosse numa escola da roça.

Já os ricos tratavam de mandar seus filhos para as capitais, para tirar diploma de médico, engenheiro, advogado, dentista. Esse era o caminho normal. Para essas profissões sempre haveria trabalho. Um diploma superior era garantia de riqueza. Os médicos depois de uns poucos anos de clínica se tornavam fazendeiros.

Os donos de colégio não pensavam em ficar ricos. Na verdade não havia donos. Os colégios pertenciam a ordens religiosas católicas e a missionários protestantes, sendo o seu objetivo primordial, além do ensino, a salvação das almas e o preparo de lideranças que levas­sem o país à frente -uma missão espiritual que não combinava com o espírito capitalista do lucro.

Mas o tempo passou, as coisas mudaram, a população cresceu. Muita gente querendo estudar, poucos colégios. Entra em funcionamento a lei da oferta e da procura: se existe uma demanda de algum tipo, a sociedade, através dos seus vários mecanismos, cria meios para satisfazê-la. Criaram-se colégios de todos os tipos. O nome do colégio em que se matriculava um filho era indicação do status econômico do pai. O custo era índice de excelência. Muitos desses colégios se tornaram mitos.

Já nessa época, início dos anos 50, para se entrar na universidade era preciso freqüentar as melhores escolas e fazer cursinho. Porque a demanda era maior que a oferta: um número cada vez maior de candidatos querendo entrar, e vagas fixas que não aumentavam. Era preciso selecionar. Segundo a sabedoria evangélica, muitos seriam os chamados, mas poucos seriam os escolhidos. Somente os mais aptos entrariam.

É assim que se inicia essa fantástica rede de instituições que se dedicam a preparar os alunos para passar no vestibular. Não importa o preço. Os ricos podem pagar. E, com isso, tornaram-se potências econômicas.

Para os ricos o custo não importa. Mas pesa muito sobre os ombros dos mais pobres. Nem é preciso dizer que os pobres mesmo não têm dinheiro para pagar o preço. Eles ficam de fora. Mas os cursinhos não resolvem o problema: se há cem vagas e mil candidatos, novecentos terão de ficar de fora. O que fazer com os novecentos que não entraram?

Uma coisa certa: eles estão insatisfeitos e querem entrar. Se cem pessoas querem entrar num ônibus que só tem lugar para cinqüenta, o jeito é... trazer mais um ônibus!

Inicia-se então, movido pela lei da oferta e da demanda, um processo de criação de faculdades e universidades. Ter uma faculdade de educação na sua pequena cidade é um atestado de excelência administrativa e cultural! Não sei quantas faculdades e universidades há no Brasil, mas é claro que a maioria é privada.

A multiplicação de faculdades e universidades não significa que o povo esteja ficando mais educado e a educação tenha melhorado e se democratizado. É antes uma evidência de que a lógica econômica capitalista conseguiu transformar a educação em mercadoria.

Quando um jovem se matricula numa faculdade particular e o pai paga as contas eles o fazem por dois motivos. Primeiro, o orgulho paterno: "Meu filho está na universidade!" E, segundo, é a esperança de que aquele curso universitário será a chave para ingressar no mercado de trabalho. Acontece, entretanto, que o número de diplomas distribuídos é muito maior que a quantidade de empregos oferecidos. Ou seja, o problema que era entrar numa universidade - que não mais existe, porque com o aumento da oferta de vagas matricular-se num curso superior ficou fácil - foi transferido agora para a entrada no mercado de trabalho, que é o vestibular para a vida. Defrontamo-nos então com a triste situação de jovens diplomados, desempregados, que continuam a depender dos seus pais para sobreviver.

Não vejo nenhuma razão para que um diploma universitário seja o objetivo nobre da educação. O sociólogo americano Paul Goodman observava que muitos jovens que estão nas universidades não deveriam estar lá porque a sua vocação é outra. Mas toda a propaganda relativa à educação leva pais e jovens a crer que esse é o único caminho. Conheci, nos Estados Unidos, um professor universitário infeliz que só encontrou sua realização pessoal quando se demitiu de sua posição acadêmica e se transformou num motorista de caminhão...

Rubem Alves é educador, psicanalista, escritor e colunista da Folha.

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