São Paulo, segunda-feira, 28 de abril de 2008

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CAPA

A tábua da prosperidade

Os dez mandamentos do planejamento financeiro para você não perder o sono com a administração do seu dinheiro

por ANDRÉ PALHANO


A vida financeira era bem mais fácil até algum tempo atrás. Fazer um investimento se resumia a pouco mais do que escolher entre um fundo DI ou a caderneta de poupança. Comprar um imóvel também era simples, embora demorado, uma vez que, sem financiamento adequado, havia a necessidade de acumulação de recursos.

Tudo isso mudou radicalmente. Com a estabilidade trazida pelo Plano Real de 1994, que permitiu o alongamento do horizonte dos gastos, criou-se no Brasil um ambiente econômico no qual é possível -e necessário- fazer planejamento financeiro.

Planejamento financeiro nada mais é do que cuidar bem do dinheiro: saber o que fazer para engordá-lo nos momentos em que isso é possível, evitar surpresas desagradáveis ao longo da vida e, acima de tudo, conseguir não se preocupar demais com o assunto.

As questões financeiras que afligem o cidadão são variadas e às vezes complexas. O leque de investimentos é amplo, muito maior do que o de alguns anos atrás. Pode-se aplicar na Bolsa de Valores, investir em planos de previdência complementar, montar um fundo de renda fixa, comprar CDBs ou adquirir títulos do governo no Tesouro Direto -só para citar as opções mais conhecidas.

Com a ajuda de consultores, a Folha elencou os dez mandamentos do planejamento financeiro, um pequeno guia para você não perder o sono com a administração do seu dinheiro.

1 - Garantirás a aposentadoria
A importância de entrar na terceira idade sem depender do INSS ou da ajuda de parentes é muitas vezes percebida tarde demais. Não se deve esperar a aposentadoria para se preocupar com despesas que crescem nessa etapa da vida, como as de saúde. É preciso pensar nisso com antecedência.

Há basicamente duas maneiras de garantir uma boa aposentadoria: fazer um investimento de longo prazo ou um plano de previdência complementar. Na primeira você decide qual é o investimento que garantirá sua renda futura. Na segunda, delega essa decisão ao gestor do plano.

Ambas maneiras têm vantagens e desvantagens. Investir o próprio dinheiro torna-o disponível para emergências e pode ser mais rentável. Porém, são grandes os riscos de perda, por causa da inexperiência e, sobretudo, da tentação de gastar antes da aposentadoria. Já os planos de previdência estão cada vez mais flexíveis e atrativos, mas ainda cobram taxas de administração elevadas, em alguns casos acima de 38.

Para quem é empregado, há também a opção da previdência associada ao fundo de pensão da empresa. Mas mesmo assim é precisar ficar atento. Os recursos estão sendo bem geridos? A empresa oferece perspectivas profissionais? E tem boa saúde financeira?

Uma aposentadoria tranqüila não depende de um grande aporte inicial. Mas é bom começar cedo. Quanto antes, melhor. Se possível, até com os filhos.

2 - Investirás em educação
Investir na própria educação e na educação dos filhos faz diferença. Pesquisas mostram que, embora muitos empresários bem-sucedidos não tenham sequer o curso superior completo, quanto maior o nível de educação, maior o nível salarial. Para se ter uma idéia, uma pesquisa da FGV-RJ mostra que um profissional graduado em economia ganha em média R$ 4,6 mil. Para quem possui pós-graduação na mesma área, a média sobe para R$ 7 mil. Uma boa formação é pré-requisito cada vez mais demandado pelas empresas.

A vantagem não é apenas financeira. "A educação continuada é uma alavanca para o bem-estar pessoal e coletivo. As escolhas são feitas a partir de informações e, portanto, quanto mais conhecimento, maior as chances de escolhas bem feitas, tanto no âmbito financeiro, quanto no aspecto emocional", afirma a consultora Márcia Tollotti.

3 - Fugirás do aluguel
Vale a pena substituir o aluguel pela prestação de um financiamento? Depende. As condições do financiamento imobiliário no Brasil, sobretudo as do Sistema Financeiro da Habitação (SFH) estão cada vez melhores, com taxas de juros de um dígito e prazos tentadores, de até 30 anos, dependendo do perfil do imóvel e do tomador. E, com a valorização dos imóveis, você ganha duas vezes: não paga o aluguel e aumenta o patrimônio.

Além disso, o financiamento aumenta o seu fôlego financeiro: para quem é jovem e está comprando a casa própria, continuar pagando aluguel enquanto poupa dinheiro para o negócio é muitas vezes impraticável.

O contraponto é o tamanho do compromisso a ser assumido e a baixa liquidez do negócio, o que pode amarrá-lo por longos anos. Por isso, antes de decidir, reflita neste argumento contra a compra: "Você pode pensar no aluguel como o pagamento de um serviço. Assim como você paga a conta da luz, você pode pagar a 'conta' do aluguel", afirma Sandra Blanco, consultora financeira. O aluguel tem a vantagem da maior mobilidade. "Às vezes vale mais alugar um imóvel bem localizado, perto do trabalho, da escola das crianças, do que gastar horas no trânsito, ou, pior, comprar um mico que não vai conseguir vender", diz a consultora.

Já a opção do consórcio é cada vez menos indicada pelos especialistas. "O consórcio só é mais atraente para quem tem sorte, ou seja, os primeiros a serem contemplados. Por ser de longo prazo, o consórcio imobiliário acaba punindo os que ficam para depois. E dar lances para antecipar o dinheiro costuma pesar no bolso do participante. Além disso, dificilmente o valor da carta de crédito acompanha o ritmo de valorização dos imóveis. Ou seja, um apartamento que hoje se compra por R$ 200 mil provavelmente não será comprado pelo mesmo valor em poucos anos; estará bem mais caro ", afirma o especialista Mauro Halfed.

4 - Planejarás o orçamento
Preocupação excessiva não ajuda em nada no planejamento orçamentário. A consultora Márcia Tollotti ensina que o importante é não utilizar nem a lógica do Tio Patinhas, que chora por uma moeda, nem a do Zé Carioca, que vive fugindo dos credores e nunca esquenta a cabeça. "O corte drástico das despesas ou a tirania da satisfação dos 'pequenos prazeres' são as principais causas do fracasso do planejamento", diz ela.

Há que se gastar algum tempo nessa tarefa. É preciso definir, antes de tudo, quais são os objetivos que você tem em mente. Pode ser a viagem de lua-de-mel, a escola dos filhos, os gastos com saúde. Com o objetivo em mente, o passo seguinte é saber quanto eles custam e em quanto tempo você pretende alcançá-los. Botar tudo no papel ajuda bastante.

Definidos os objetivos, procure identificar possíveis receitas adicionais (horas extras no trabalho, a venda de um bem sem uso) e também os gastos que podem ser cortados.

5 - Não esbanjarás nem serás avaro
Antes de cortar um gasto desnecessário, é preciso identificá-lo. E para isso não há mágica: é preciso botar as contas no papel. "Fazer um diagnóstico honesto sobre sua situação financeira é uma das coisas mais difíceis que existe, mas é um tremendo sinal de maturidade na sua relação com o dinheiro", afirma Augusto Sabóia, da Sabóia Advisors.

Comparar os gastos mensalmente permite a identificação de pontos fora da curva nas despesas normais. Um consumo excessivo de água, por exemplo, ou de energia elétrica.

Identificar os gastos que não trazem nenhum retorno é igualmente importante. Uma mensalidade barata que não traga benefício é, em termos relativos, cara. De nada adianta pagar a academia de ginástica se não freqüentá-la.

Vale a pena também rever antigos planos de telefonia, conta bancária e outros serviços. Em boa parte dos casos, você pode barganhar descontos ou trocar o prestador do serviço obtendo uma economia considerável.

Mas não exagere. Evite cortar gastos que apenas parecem supérfluos. A própria academia (se freqüentada), a leitura e o lazer são gastos importantes para seu bem-estar. São despesas que podem fazer a diferença para uma vida mais produtiva.

6 - Diversificarás as aplicações
Nunca botar todos os ovos em um mesmo cesto é uma regra de ouro para os investimentos pessoais. Embora seja grande a tentação de aplicar todo o seu dinheiro em ações depois de ver uma alta de 10% na Bolsa -contra os minguados 1% do seu fundo DI-, o risco de fazer isso é maior ainda.

Diversificar aplicações é diversificar riscos. E isso depende essencialmente de seu perfil como investidor e dos objetivos que tem para cada investimento. Basicamente, os recursos de que você realmente necessita (reservas para uma emergência, o dinheiro da compra de um imóvel) devem ser aplicados em opções conservadoras, como a renda fixa ou a poupança, onde, apesar da menor rentabilidade, o risco de perda é praticamente nulo.

Para os recursos de mais longo prazo, como a poupança dos filhos ou a própria aposentadoria, vale arriscar uma parcela do dinheiro em opções de maior risco, como a Bolsa, que podem engordar o total dos recursos.

O ideal é que você monte, a partir dessas definições, uma carteira de investimentos, que nada mais é do que uma divisão do seu dinheiro aplicado nas diferentes opções que o mercado oferece.

7 - Cuidarás de boladas extras
Não é sempre, mas às vezes você recebe um dinheiro inesperado. A restituição do Imposto de Renda que já tinha esquecido, o pagamento de uma antiga dívida que considerava irrecuperável, a participação nos lucros da empresa, até uma herança.

O que fazer com esse dinheiro? A vontade talvez seja simplesmente gastá-lo, já que não se contava mesmo com ele. Mas há também outras opções. "Tenho três sugestões para esses recursos: poupe, poupe e poupe. Esse pode ser o ingresso para a riqueza", afirma o consultor Raphael Cordeiro, lembrando que, justamente por ser inesperado, esse é o dinheiro mais fácil de poupar. Pagar dívidas pode ser outro bom destino, já que os juros costumam superar os rendimentos das aplicações financeiras.

No caso do FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço), que costuma ser resultado de um imprevisto, a ordem é ter cautela. Como é um valor muitas vezes significativo, pode dar a impressão de conforto financeiro. É uma impressão que pode resultar falsa se o dinheiro não for bem empregado.

As orientações valem também para os extras esperados, como o 13º e, para alguns, o 14º salário.

8 - Domarás o leão
Existem algumas maneiras de reduzir o tamanho da mordida do leão, e nem é preciso contratar um advogado tributarista para conseguir isso.

Uma delas é fazer planos de previdência complementar nas modalidades que permitem descontos: no PGBL (indicado para quem faz declaração completa) você abate até 12% da renda tributável. No VGBL (para quem faz declaração simplificada), o imposto incide apenas sobre os rendimentos, não sobre o volume aplicado.

Juntar as diversas notas fiscais de itens que podem ser abatidos do IR, como os gastos com saúde, educação e algumas doações, também é uma boa pedida, mas é preciso observar detalhadamente os limites de abatimento de cada categoria.

Em alguns casos, vale estudar a possibilidade de se tornar pessoa jurídica, ou seja, abrir uma empresa. Nesse caso, você se torna um prestador de serviços e seu antigo chefe passa a ser seu cliente.

Entre as vantagens, estão possivelmente uma maior renda (já que seu empregador não terá despesas trabalhistas e previdenciárias que hoje custam o mesmo que o seu salário) e menor carga tributária (a soma do custo de um contador, em torno de um salário mínimo por mês, mais os impostos da empresa, de 12% a 18%, é menor do que o teto do IR da pessoa física, de 27,5%).

As desvantagens também são relevantes: você perde benefícios, como FGTS, seguro-desemprego e contribuição previdenciária, além de férias remuneradas e 13º salário. É preciso, portanto, botar tudo na ponta do lápis.

9 - Refletirás antes de abrir negócio
Ser dono do próprio nariz é o sonho de muita gente. Mas é preciso ter perfil e conhecimento do negócio para realizar esse sonho. Para se ter uma idéia, nada menos do que sete em cada dez empresas no Brasil morrem antes de completar cinco anos de vida. E nem é sempre a má gestão a responsável pela elevada mortalidade: há a pesada carga tributária, os riscos inerentes ao negócio e uma série de outras dificuldades.

Para minimizar o risco, siga o roteiro:1) certifique-se de que domina o ramo;2) avalie se o seu capital é suficiente, levando em conta os imprevistos e os possíveis períodos de vacas magras;3) na medida do possível, evite se endividar;4) pesquise bem antes de escolher o ponto; 5) não empate capital em itens que não são o foco da empresa (exemplo: sede própria); 6) mantenha no mínimo necessário as despesas fixas.

"Há pessoas que funcionam melhor com um chefe do que trabalhando sozinhas. E é preciso entender do negócio, se possível com um mínimo de experiência de gestão", explica Augusto Sabóia. Também é preciso ter em mente que ter o próprio negócio nem de longe significa trabalhar menos horas ou esquentar menos a cabeça. Pelo contrário.

10 - Duvidarás das respostas fáceis
Tome sempre muito cuidado com os especialistas de plantão nos assuntos financeiros, geralmente amigos ou parentes, com suas dicas sobre "investimentos imbatíveis", "oportunidades únicas" e "dinheiro fácil". Seja ele bem intencionado ou aproveitador, você poderá ser igualmente prejudicado.

Obviamente, conhecer experiências financeiras -boas e más- é um passo importante para o seu aprendizado, mas não se baseie unicamente nisso para tomar as próprias decisões. Consultar seu gerente bancário ou algum especialista para tirar dúvidas pode ser uma boa saída, ainda que seja preciso ficar atento para o interesse que eles têm em vender seus produtos ou serviços. Procure também ler sobre o assunto. Ou seja, escute todos e decida sozinho.

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