São Paulo, terça-feira, 02 de agosto de 2011

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BENJAMIN STEINBRUCH

Mundo novo, mundo louco


Os ferozes cobradores de ontem, senhores do FMI e do Clube de Paris, são hoje os candidatos a caloteiros


Quem enfrentou os anos terríveis da década de 80 e parte da de 90, quando os países latino-americanos foram achincalhados e marginalizados por causa da incapacidade de pagar suas dívidas, certamente não esperava viver para ver o que se passa hoje na economia mundial.
Os ferozes cobradores de ontem, senhores do FMI e do Clube de Paris, são os candidatos a caloteiros de hoje. Nas últimas semanas, a União Europeia concluiu um pacote de € 159 bilhões para socorrer a Grécia e evitar que o país entrasse em default. Talvez a UE devesse ter negociado um plano mais amplo, para atender a outros países do continente que carregam enormes dívidas públicas, como Itália, Espanha, Irlanda e Portugal. Não o fez, e isso indica que talvez novas emoções venham por aí, em breve.
Do outro lado do Atlântico, a grande nação americana viveu a última semana a um passo de dar um calote nos credores de sua dívida de US$ 14 trilhões. Barack Obama lutou obstinadamente com os conservadores do Congresso para elevar o teto da já monumental dívida pública, sem o que não poderia honrar os compromissos do país.
Tal qual se fazia -e ainda se faz- na política brasileira, os republicanos dos EUA adotaram a tese do "quanto pior, melhor". Deram prioridade, em suas decisões, aos dividendos eleitorais que poderão obter em 2012, sem se importar muito com uma nova recessão ou até com uma catástrofe na economia.
Ao olhar para esses fatos, é inevitável a constatação de que o mundo realmente mudou.
O economista Dani Rodrik, professor de economia política internacional da Universidade Harvard, escreveu dias atrás que "talvez, pela primeira vez na história moderna, o futuro da economia mundial está na mão dos países pobres".
Referia-se aos já não tão pobres emergentes, entre os quais Brasil, China, Índia, Rússia e África do Sul. Caberia a eles puxar o crescimento global, devido à estagnação que deverá atingir o antigo Primeiro Mundo, agora sufocado pelo pesado endividamento, nos anos vindouros.
Tudo isso nos remete ao atual momento da economia brasileira. Para ajudar nesse novo papel de puxador do crescimento global, o Brasil precisa de mudanças estruturais que estimulem o desenvolvimento em áreas estratégicas e em novos setores de serviços e tecnologias, além de uma desoneração geral da produção.
Sem isso, não há como ocupar posições tradicionalmente dominadas pelos ricos, das quais, aliás, eles relutarão em abrir mão.
O principal problema brasileiro do momento é o excesso de ingresso de dólares no país, com graves efeitos na taxa de câmbio e na competitividade da produção. Não dá para saber qual será o impacto real das medidas cambiais da semana passada, mas foram importantes as declarações da presidente Dilma sobre o atual momento.
Ela disse, segundo relato de Fernando Rodrigues na Folha, que o governo optou por manter a economia crescendo consistentemente. "Não queremos inflação sob controle com crescimento zero."
Dado o cenário econômico do hemisfério Norte, nada é mais sensato do que a declaração de Dilma. Seria insano, num momento como este, quando há risco de estagnação global, ceder à fúria conservadora que pretende trucidar a inflação a marteladas, sem se preocupar com a manutenção do consumo interno.
A estabilidade foi uma enorme conquista brasileira e não se pode jamais descuidar de sua manutenção.
Cabe à autoridade governamental, porém, combater com igual atenção as mazelas que levam ao lento crescimento econômico, especialmente quando pouco ou nada se pode esperar em matéria de crescimento da demanda externa vinda dos antigos países ricos.
Nunca se deve esquecer a lição dos anos 1930, descrita nos manuais de economia. Depois da Grande Depressão de 1929, a economia americana vinha em forte recuperação até 1937. Foi então que forças conservadoras -que John Kenneth Galbraith chamou com ironia de "homens da sensatez"- começaram a promover cortes de investimentos públicos e aumentos de impostos para equilibrar o orçamento. "Houve então um novo e horrível colapso, uma retração dentro da Depressão", escreveu Galbraith.

BENJAMIN STEINBRUCH, 58, empresário, é diretor-presidente da Companhia Siderúrgica Nacional, presidente do conselho de administração da empresa e primeiro vice-presidente da Fiesp.

bvictoria@psi.com.br

AMANHÃ EM MERCADO:
Alexandre Schwartsman




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